No ano de 1900 íamos bem. Sergei Rachmaninoff escrevia seu 2º Concerto para Piano, Sir Edward Elgar acabara de apresentar as Variações Enigma. A 9ª Sinfonia de Antonín Dvořák e a 6ª Sinfonia ("Pathétique") de Pjotr Tchaikovsky estavam frescas na memória.
Em 1915 tudo estava ainda sob controle. O público ficara absolutamente confuso com A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, anos antes, mas as consequências da Sagração foram benéficas. Além disso, Maurice Ravel tinha composto seu balé Daphnis et Chloé, sucesso absoluto há mais de um século. Tínhamos, ainda:
O 2º Concerto para Piano de Sergei Prokofiev;
As últimas Sonatas para Piano de Alexander Scriabin;
Os Prelúdios para Piano de Claude Debussy (Livro 1 e Livro 2);
A Cotovia Ascendendo (The Lark Ascending), para Violino e Orquestra, de Ralph Vaughan Williams;
A Sinfonia Alpina, de Richard Strauss;
Os Estudos para Piano, de Debussy;
A Suíte Cita, de Prokofief;
Taras Bulba, de Leoš Janáček.
Isso para citar só algumas das peças mais bem sucedidas compostas na entrada da Primeira Guerra Mundial.
Acontece que a música erudita tem a necessidade de evoluir. E ela ainda não considerava que havia evoluído de um evento específico. Lá atrás, em 1865, Richard Wagner mostrara ao mundo sua ópera Tristão e Isolda. Ela continha um acorde (um acordezinho) que, entre os músicos, causou alvoroço. Era o Acorde de Tristão (link externo). O acorde e a melodia que o cercam era o Leitmotiv do personagem Tristão.
O que tinha esse acorde? Bom, desde sempre, a música havia se pautado na dicotomia entre acordes que criam tensão e acordes que criam relaxamento. O acorde de dominante, por exemplo, gerava tensão, que só era resolvida quando se tocava o acorde da tônica. O fato é que o acorde de Tristão nunca era resolvido. Veja, é um Fá meio diminuto. Deveria ser resolvido com (sei lá) um Dó Sustenido (o Fá meio diminuto pode ser visto como um Sol sustenido menor com sexta). Ou com um um Mi bemol... O fato é que, observe na partitura, ele não resolve, prossegue em uma escala cromática e acaba em Mi maior, que dificilmente nos dá a sensação de relaxamento.
Agora, Wagner não estava nem aí para isso. Foi a solução artística que ele encontrou para sua partitura. Mas outros compositores viram mais, muito mais. Viram uma brecha para o distanciamento da música tonal. Aquele acorde abria possibilidades.
Com um papo meio estranho de "igualdade" entre todas as notas, sem hierarquia, sem notas mais importantes (como se as notas fossem "seres humanos"), surge, em 1919, o Dodecafonismo. A Música Serial. A sua origem, digamos, o primeiro incômodo que a gerou foi o Acorde de Tristão. Mas foram muito além de resolvê-lo. Naquela música, todas as notas tinham valor igual, não existia tensão e relaxamento. Para garantir isso, o compositor gerava uma matriz com as doze notas da escala musical (contando sustenidos ou bemóis) e sorteava qual fila usar.
Se ele escolhia começar com Retrógrado Inverso 7, RI7, tinha que usar o fá, o sol bemol, o mi bemol... até o si. Depois, escolhia outra fila. Os compositores Dodecafônicos, dentre os quais os principais eram Arnold Schoenberg, Alban Berg e Anton Webern, receberam a alcunha de Segunda Escola Vienense. Pressupondo que a primeira era formada por Wolfgang Amadeus Morzart, Joseph Haydn e Ludwig van Beethoven (lembrando que esses compositores jamais se organizaram sob um nome, e que, possivelmente, Mozart nunca conheceu Beethoven).
Não posso deixar de pensar que a Primeira Escola eram os organizadores das regras da música, enquanto que a Segunda, os destruidores. Digo isso porque, pelo menos na minha visão, a música Dodecafônica é fria, sem vida (embora tenha expressividade) e, principalmente, ela distanciou o público das salas de concerto. Até então, para apreciar Stravinsky, você precisava ser antenado às tendências mais modernas, tinha que ser aberto, mas não tinha que pegar em uma partitura. Não tinha que ser músico. Posso dizer que, a partir de Schoenberg, a música se tornou complexa, cerebral, apreciada apenas por músicos.
Que seja somado a isso o fato de que o rádio chegava e, com ele, a indústria cultural de Theodor Adorno. Adorno era um pensador alemão, pertencente à Escola de Frankfurt, que tinha treinamento em piano e simpatizava com a Segunda Escola Vienense. Acredito que, na época, eles não entendiam por que a música clássica estava em crise, e resolveram culpar essa indústria cultural.
Não me entenda mal, essa indústria existe. Hoje, mais ainda. Um artista pop não é uma pessoa, é um amálgama de assessores, produtores, conselheiros e até músicos e professores de música. Ele pode fazer tudo menos o que quer. E não dá um passo sem perguntar a alguém. Eu concordo com Adorno no que diz respeito a isso.
Só que a própria música clássica foi quem primeiro se distanciou do público. Aquela música não era acolhedora, não provocava emoções, não encantava. E o público, desapontado, migrou para o Swing. Ali, ninguém tinha que ter conhecimento prévio, a musica o fazia querer dançar e entrava fácil no seu ouvido.
A partir de então, o público começou a querer cada vez mais essas músicas que não exigiam esforço (nem tempo) para ser apreciadas. A música erudita ainda teve muitos desenrolares autodestrutivos, como o serialismo integral, a nova complexidade, microtonalismo, espectralismo e a música eletroacústica.
Atualmente, o movimento é mais saudável. Sabemos que temos que continuar fomentando compositores novos, não podemos viver apenas da música do século XIX. Então eles nos fornecem música mais palatável. Mas a grande verdade é que a maior parte do público de música clássica gosta de escutar novas interpretações de seus queridos clássicos. Que vão até os anos 30.
E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias.
Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos.
Algumas postagens importantes.
Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia.
Um "pequeno" Glossário de termos musicais.
Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica
Veja aqui: Como Ouvir Música Clássica
As Melhores Orquestras do Mundo:
Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info).
Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949.
Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021.
Veja também:
E veja nossas famosas listas:
Música Popular Brasileira:
E análises de obras
- Chopin - Os Estudos
Compreendendo o Maestro:
Saiba, aqui, tudo sobre os Argonautas, um quarteto de MPB Clássica e Contemporânea Autoral Cearense.
Papo de Arara (Entrevistas)
E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias.
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