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  • Foto do escritorRafael Torres

Bach - Chaconne em Ré menor - A Maior Dimensão do Raciocínio Humano

É impossível falar da Chaconne em Ré Menor da Partita para Violino Solo Nº 2, BWV 1004, de Johann Sebastian Bach, sem ser passional. E sem ser pessoal. É uma peça de 14 minutos para violino solo, pertencente a uma suíte com quatro outros movimentos menores, mas que é muito tocada destacada da suíte.


É um verdadeiro milagre musical, uma jornada existencial sobre a qual já foram escritos muitos artigos acadêmicos e ensaios. Agora, você pode ler tudo sobre ela mas nenhum ser humano deveria passar a vida sem escutá-la com atenção ao menos uma vez.


Johann Sebastian Bach
Johann Sebastian Bach

Já foi transposta para a mão esquerda do piano (Johannes Brahms), para as duas mãos do piano (Ferrucio Busoni), para violão (incontáveis transcrições), para cravo, órgão, acordeon e até orquestra sinfônica moderna. Por que ela não é uma mídia. Aliás, também é. É uma façanha que a peça se encaixe tão bem na escrita para violino, mas também se preste a outros instrumentos sem perder grandeza.


 

A obra


Primeiramente vou falar da versão para violino solo, que é a original, escrita por Bach.



É de cerca de 1717 a 1720. Nesse período, Bach morava em Köthen, tendo sido contratado como Kapelmeister (uma espécie de diretor musical) da orquestra da corte do príncipe Leopold, de Anhalt-Köthen. O prícipe era músico e Calvinista, doutrina que não usava música elaborada demais nos cultos. Por conta disso, a maior parte do trabalho de Bach nesse período era secular e ele pôde se dedicar à escrita instrumental - na maioria dos outros postos que ocuparia, trabalhava com corais e solistas, compondo missas e oratórios.


Não se sabe o que levou o compositor a compor exatamente essa Partita, ou as Suítes para Violoncelo, tão conhecidas, do mesmo período. Possivelmente para ajudar no seu próprio domínio dos instrumentos. Ou pelo menos da escrita desses instrumentos. E, de fato, as peças que compôs para violino solo e para violoncelo solo são tão importantes que não há músico que não as incorpore ao repertório.


Bach é uma coisa muito engraçada. Qualquer músico erudito tem que aprender suas peças, mas depois vem a adolescência, em que o músico parte para coisas de escrita mais chamativa. No final da vida, o músico se volta novamente ao compositor. Poucos músicos gravaram a Chaconne na juventude, porque é arriscado, vão dizer que você é muito jovem e não tem como compreender a dimensão de uma música tão titânica.


Veja lá. É uma música que, mesmo que você toque desde os sete anos de idade, só vai gravar e tocar em público muito mais tarde. Para não correr o risco de profanar uma obra que nem sacra era.


 

O que é Chaconne?


O termo Chaconne, ou Ciaccona, no italiano, como Bach escreveu na partitura (Chacona, em português), refere-se a uma forma. Aproveito para descrever um pouco sobre duas formas meio gêmeas que sempre geram uma fascinação quase mística: a passacaglia e a chacona.


São formas derivadas do Tema com Variações. Ou seja, são elaborações sucessivas sobre uma ideia só. No caso do Tema com Variações em si, essas elaborações, ou variações, são todas inspiradas no Tema (daí o nome). Tem-se literalmente uma musiquinha base, que às vezes nem era do compositor em questão, que fazia variações sobre ela. Era uma forma muito singular e segura de demostrar domínio sobre a própria criatividade musical.


A Chacona e a Passacaglia são semelhantes, mas com uma diferença. Não há exatamente um tema sobre o qual o compositor vai trabalhar. Ele trabalha sobre uma sequência de acordes ou de baixos.


Leia um pouco sobre a Passacaglia no nosso artigo sobre a 4ª Sinfonia de Brahms, cujo último movimento é nesse formato.


Então, primeiramente a música apresenta uma série de acordes, ou apenas o baixo deles, e depois, sucessivamente, o compositor vai criando elaborações em cima destes.


Primeira página da Chaconne em Ré Menor, da Partita Nº 2 para Violino.
Primeira página da Chaconne em Ré Menor, da Partita Nº 2 para Violino.

No caso da Chaconne em Ré Menor, é uma sequência harmônica, ou seja, são acordes. O violino os apresenta de maneira quase vazia nos primeiros quatro compassos (embora haja uma melodia imlícita) e já começa a fazer suas variações. Basicamente, são 64 frases diferentes, nas quais ele sempre segue os mesmos acordes. Mas perceba que, por se tratar de uma escrita para violino solo, um instrumento basicamente melódico, Bach pode suprimir o baixo desses acordes. Mas a harmonia sempre fica subentendida.


É aí que entra o seu conhecimento da linguagem e das peculiaridades de escrita do violino. Quando a melodia que ele quer apresentar se distancia muito dos acordes iniciais, o compositor se preocupa sempre em nos situar, colocar ordem. Das mais diversas maneiras: ele usa acordes de três ou quatro notas tocados em anacruze (um pouco antes do tempo principal), usa cordas soltas (lembrando que o violino tem o solto, um solto, que é a dominante; e um Sol como a corda mais grave, podendo ser usado como subdominante ou nos deixando sempre um Lá grave à mão ali pertinho) ou, quando a coisa está muito complexa, ele dá um jeito de encaixar uma nota em uma corda vizinha que nos conceda a harmonia. Ele nunca trapaceia.


Ok, mas até aqui temos uma música que exige domínio da escrita para o instrumento e criatividade para criar frases interessantes. Nada que não se já tivesse feito anteriormente. Mas o negócio da Chaconne em Ré Menor é que ela é monumental. Tem 14 minutos e uma hierarquia, uma ordem, uma narrativa (se você não gosta dessa palavra, me perdoe, mas ela é muito importante na música). Isso, Bach vai na sua alma e dá um nó, como diria Manuel Bandeira.


Cada audição da música é uma viagem pela eternidade e pela profundeza da alma. E olha que interessante: não da alma de Bach, mas da sua. Você se encontra naquela música toda vez que escuta. E se descobre. E nunca uma música foi tão poderosa. Sem falar de Deus, Bach atinge, às vezes, profundezas maiores do que qualquer palavra possa transmitir. É o poder da música.


É por isso que eu não vou fazer uma análise estrutural da peça (ao menos não dessa vez). Não é o mais relevante. O mais importante e a jornada individual que cada ser humano tem com ela e a relação que cria com a peça (mesmo que não seja músico).


Seu poder é tão forte que mesmo quem não toca violino dá um jeito de tocá-la. Já vi baixistas tocando, completinha.


 

As transcrições


Fizemos uma playlist no Spotify para você se embebedar da Chaconne. Colocamos várias gravações dos mais importantes violinistas modernos (Jacha Heifetz, Itzak Perlman, Hilary Hahn etc.), dos violinistas que usam HIP (a interpretação historicamente informada) (Monica Huggett) (aliás, sugiro que você se desprenda dessa ideia de querer saber como era tocada à época de Bach, algumas das melhores performances são quase românticas), a excelente interpretação do nosso mais recente entrevistado, o violinista Emmanuele Baldini, de pianistas (Arturo Benedetti Michelangeli, Hélène Grimaud, Evgeny Kissin), da mão esquerda do piano (Igor Levitt e Daniil Trifonov) de órgão, cravo, violão e orquestra.


As mais importantes destas transcrições são as para piano (são duas, uma de Brahms para a mão esquerda e uma de Busoni para as duas mãos) e para violão (especialmente a de Andrés Segovia, mas basicamente cada violonista faz a sua). Porque a Chaconne cabe no violão como uma luva. Ela está no repertório dos violonistas tanto quanto dos violinistas.




As outras também são válidas, são muito mais que curiosidades. A orquestração de Hideo Saito, que soa como música romântica, tem seu próprio charme e, embora mais apelativa, afinal é uma orquestra, não perde nem um pouco de profundidade. A de Leopold Stokowski é ainda mais espetaculosa, mas também é interessante.



Tem também as mais exóticas: violoncelo (arranjo de Johann Sebastian Paetsch) e acordeon (Ivano Battiston) e até uma para violino solo e orquestra (J. Milone).


Se tratada com responsabilidade e carinho, a Chaconne cabe em todas essas versões, tendo em cada uma, mais e mais mistérios.


As gravações recomendadas são as que estão na playlist. Eu não canso de escutar nenhuma.



 

E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias.


Seu comentário faria muita diferença. Pode ser de pirraça, de elogio, de desabafo, de conversa. O que for. Agradecemos.


Algumas postagens importantes.


Uma opção para o dilema de tocar ou não Música Russa nos concertos hoje em dia.



Aqui, 10 Livros Sobre Música Clássica


As Melhores Orquestras do Mundo:



Perfil da pianista portuguesa Maria João Pires, postagem da nossa correspondente prodígio lusitana Mariana Rosas, do Blog Pianíssimo (www.pianissimo.ovar.info).


Perfil da violinista francesa Ginette Neveu, falecida aos 30 anos em um acidente de avião, em 1949.


Perfil do pianista brasileiro Nelson Freire, considerado um dos maiores dos tempos modernos e falecido em 2021.


Veja também:



E veja nossas famosas listas:



Música Popular Brasileira:



E análises de obras



Compreendendo o Maestro:



Saiba, aqui, tudo sobre os Argonautas, um quarteto de MPB Clássica e Contemporânea Autoral Cearense.


Papo de Arara (Entrevistas)



E, como sempre, o encorajamos a comentar. Nosso dever é difundir a música clássica, e não sabemos exatamente se estamos conseguindo. Às vezes parecemos rádio-amadores, transmitindo para as galáxias (possivelmente) solitárias.


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