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Foto do escritorRafael Torres

Chopin - As 4 Baladas - Análise

Atualizado: 12 de jul. de 2022

E aí? Vamos falar um pouco das 4 Ballades (Baladas) de Frédéric Chopin? Antes eu queria compartilhar uma grata descoberta que fiz há pouco mais de uma semana. De um canal no YouTube que tem feito um trabalho de divulgação de música clássica importantíssimo. E é brasileiro. É o Guia dos Clássicos, de Rafael Fonseca. A gente aprende sobre a obra enquanto vai ouvindo. E ele, além de meu xará, fala parecido comigo e indica gravações que eu certamente indicaria. Então vão lá, que o conteúdo é excelente.

Às Baladas. Assim como os Scherzi e os Impromptus (Improvisos), ele fez 4. Simetria acidental, eu diria. Ele morreu muito novo e certamente teria composto outras, tivesse vivido mais. A primeira data de 1835, quando o compositor tinha 25 anos, e a , de 1842.


Uma Balada, na renascença, era uma canção com narração heróica por parte dos menestréis europeus. Também podia ser um interlúdio musical dançante. Claro que, como todas as danças de Chopin, seu objetivo não era ser dançado, sendo que a alusão à dança era mais poética.


O fato é que antes dele, os compositores não faziam Baladas. Certamente não para piano. Mas depois dele, Liszt, Fauré e Brahms fizeram as suas. Contudo, ainda hoje, se alguém disser "aquele pianista vai tocar uma Balada", sabe-se que é de Chopin. Vejamos uma por uma.


1ª Balada, em Sol menor

Introdução e 1º tema da Balada Nº 1 de Frederic Chopin
Manuscrito da introdução e 1º tema da Balada Nº 1

A Balada Nº 1 em Sol menor, Op. 23, é a minha favorita. Acho que a favorita da maior parte do público. Ela é simplesmente arrebatadora. Seu primeiro tema é de um lirismo fantástico, repleto de saudade e melancolia. O 2º tema tem uma dignidade que se pode transfigurar em heroísmo e ímpeto. Tem uma forma bastante simples, mas os dois temas ela usa com bastante sabedoria.

Vamos usar um vídeo do Rousseau, que é bem ilustrativo. Aos 43 seg. começa o tema 1, que é o tema principal. São quatro frases que começam do mesmo jeito: A - A' (50s) - A'' (57s) e A! (1m03s). Aí, repete, mas quando chega no A'' a música vai ganhando urgência. Aos 2m19s temos um motivo que ele usa pra finalizar - isto é, a ponte entre o tema 1 e o tema 2. Após uma passagem virtuosística, temos o 2º tema (3m18s), que é bem mais simples e aparece quase ingenuamente. Aos 3m49s temos uma lembrança do tema, sendo em maior e mais sereno. Aos 4m17s ele apresenta o tema 1 novamente, na sua forma normal, mas com uma nota pedal. E depois de uma hesitação (4m39s), explode o tema 2 (4m49s), com um misto de triunfo e júbilo. Aos 5m20s tem início uma espécie de cadência virtuosística. Aí, uma escala descendente traz de volta o tema 2. Aos 6m40s temos novamente aquela lembrança do tema 1, conduzindo à recapitulação deste mesmo tema 7m15s, novamente com a nota pedal. Aquela mesma hesitação (7m38s) leva ao esplêndido coda (7m54s), em que Chopin ameaça 2 finais e só termina no terceiro.


Esse pode parecer o parágrafo mais complicado (e colorido) da história, mas não é. Apenas escute e vá lendo. Você vai entender a música. Mas não vai ver a mágica acontecer, necessariamente. Pra isso você vai ter que ouvir outras vezes. Música clássica, às vezes é arrebatamento, outras, insistência.


2ª Balada, em Fá maior


A 2ª Balada é um bocado mais curta e também menos conhecida. O que não significa que é menos interessante. Ela te dá um susto como nenhuma outra peça pra piano. Mesmo que você conheça e espere pelo susto, ele virá. Começa mansinha, com uma pequena pulsação. Esse de baixo não é o Rousseau nem a Kassia, mas tá bom.

O susto vem com 2m12s, numa série de descidas e subidas bárbara. Note que por todo o movimento ele trabalha, como ideia temática, com uma série de 4 notas. Pa-para-pam. Às vezes acrescenta uma no começo. De todo modo, ele volta à parte calma e fica lá um tempão até que vem o susto de novo (5m16s). E ele nos conduz ao glorioso ponto culminante (5m52s). Parece que você tinha um bocado de formigas presas num balão e papoca de uma vez. Aí, aos 6m36s há uma suspensão nervosa, que leva a uma conclusão calma, como começou.


3ª Balada, em Lá bemol maior


Das 4, a 3ª Balada é a de que gosto menos. Mas só um pouquinho. É que as outras são muito especiais pra mim. Mas essa é muito querida, uma das favoritas do público. Talvez até seja a mais conhecida entre quem não conhece Chopin. Observe:

De 1841, essa Balada também é um pouco mais curta que as extremas (1 e 4). E é de longe a mais serena delas. Podia ser uma Berceuse. Mas ela não é fácil, não. Como tudo em Chopin, mesmo as partes mais lentas têm uma grande dificuldade: o pianista precisa ser muito expressivo, tem que saber tirar daqui pra por ali, tem que fazer legato misturando o uso e a supressão do pedal. No final das contas, ela é linda.


4ª Balada, em Fá menor

A quarta é aquele cara maduro, grisalho, que conquista as mulheres e a gente fica dizendo: "Grande coisa"... Ela é muito sensual, como você pode ver. É a mais polifônica das quatro, com um trabalho de contraponto irresistível. Se a primeira é "a" Balada, essa aqui é a mãe de todas as Baladas. Assim como a 2ª, ela começa com uma pulsação. Mas aqui não tem susto, ela cresce de maneira orgânica (a depender do pianista, algumas partes são mais ou menos fortes).


Importância


Olha, as Baladas estão, ao lado dos Scherzi e talvez das Sonatas, entre as obras mais imponentes, maduras, conhecidas e importantes de Chopin. Não dá pra cravar porque ele tem grupos de Valsas, Polonaises, Mazurkas, Os Estudos, as 3 Sonatas (ao menos as duas últimas). Praticamente toda a obra de Chopin é definitiva. Mas como um grupinho fechadinho, são as Baladas e os Scherzi. Todo pianista tem que ter nem que seja apenas uma ou duas no seu repertório. Vou listar abaixo os pianistas que gravaram as quatro juntas (as maiores versões, na minha opinião). Vou omitir Zimerman, não porque lhe falta relevância artística, mas simplesmente porque acho exagerado. E tudo você pode encontrar no Spotify/Deezer/iTunes/Tidal. Tá, não conferi de um por um, mas de forma geral, acha, sim.


Gravações Importantes


- Maurizio Pollini - Pra mim, a versão ideal das Baladas. É comprometida, forte e não se entrega a arroubos sentimentais. Pollini as gravou em 1999 com um som ótimo.


- Vladimir Ashkenazy - A gravação lendária de Ashkenazy é a de 1964. Ainda jovem, no auge de sua técnica, o russo impõe uma versão autoritária.


- Claudio Arrau - Arrau era excelente em tudo. Desde Beethoven até Debussy. Passando, aí, por nosso Chopin. Uma de suas melhores gravações é a de 1977 das Baladas.


- Alfred Cortot - A mais antiga gravação aqui é do lendário Alfred Cortot, que a fez em 1933. O som, como você deve saber, é horrível, cheio de chiado e captando muito mal as nuances do pianista. Mas vale porque Cortot é um pianista que vem direto da tradição romântica, além de uma lenda dos teclados.


- Jorge Bolet - Bolet foi um pianista de carreira relativamente tardia. O bom é que temos um som sempre limpo (da gravação), e ele está sempre no auge. Sua sonoridade é muito colorida, como a de Arrau. Essa gravação é de 1986.


- Friedrich Gulda - Em 1954, Friedrich Gulda, um dos pianistas vienenses mais promissores, fez essa gravação das 4 Baladas. Nessa época ele era comportado. Depois adotaria um estilo mais inusitado, com programas que misturavam música clássica e jazz, composições suas e interpretações estranhas. Dizem que chegou a tocar nu. Era o Zé Celso do piano. Só que com conteúdo.


- Samson François - François tinha uma fama de ser muito talentoso, mas indiciplinado, arbitrário em suas interpretações, além de mulherengo, sei lá. Mas disso tudo ele era mesmo é talentoso. Seu toque, embora ele errasse algumas notas e não tivesse o refinamento de um Michelangeli, podia ser sutil e colorido, como nessas gravações de 1954.


- Yundi (Li) - Não, o nome dele não tem parêntesis. É que ele adotava o Li no começo da carreira. É a gravação mais audiófila e, se não me engano, a mais recente daqui, datando de 2016. Ele toca com muita propriedade, embora seja novo.


- Evgeny Kissin - Kissin as gravou em 1998. À época concorria com Pollini. Eu tinha os dois discos. Como eu disse, Pollini era mais elegante, sendo que Kissin tocava mais ao gosto do público. Mas é muito musical, sua gravação.


- Bella Davidovich - As performances da pianista soviética Bella Davidovich são um tesouro. De 1981-82, são completas, captando todas as nuances das obras. Ela tem som, bom gosto, técnica e eloquencia.


- Arthur Rubinstein - Escolhi essa gravação de 1959 do Rubinstein. Se há um pianista sempre associado a Chopin é ele. Polonês como o compositor, gravou as Baladas várias vezes, se incluirmos as gravações ao vivo. Esta gravação está espetacular, e o som é excelente.


- Murray Perahia - Essas gravações de 1994 de Murray Perahia são, como tudo que ele faz, extremamente competentes, quase excepcionais. Ele nunca vai lhe surpreender, mas também, nunca vai decepcionar.


Avulsas


Algumas indicações de pianistas que não gravaram todas, mas que se a gente juntar, dá o kit ideal.


Balada 1 - Martha Argerich e Arturo Benedetti Michelangeli.


Balada 2 - Mitsuko Uchida.


Balada 3 - Nelson Freire e Sergei Rachmaninoff.


Balada 4 - Martha Argerich e Nelson Freire.




 

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