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  • Foto do escritorRafael Torres

Rachmaninoff - Concerto para Piano Nº 3

Atualizado: 28 de jan. de 2021


Sergei Rachmaninoff

Em 1909 o compositor russo Sergei Rachmaninoff partia para uma turnê nos Estados Unidos. Ele queria surpreender o público e ainda prestigiá-lo com uma nova obra. Foi por isso que escreveu o 3º Concerto para Piano, em Ré menor. Sendo 2º Concerto extremamente famoso, o compositor partiu em outra direção. O terceiro é uma obra mais fechada, mais obscura e consideravelmente mais difícil, tanto para o piano quanto para a orquestra.


Diz-se que na viagem até o continente americano, o compositor praticava no navio em um teclado de piano de madeira, mudo, que mandara fazer.


A segunda performance da obra, em Nova Iorque, é mais famosa que a primeira. Isso porque o regente era ninguém menos que Gustav Mahler. Por essa apresentação, ocorrida já em 1910, Rachmaninoff sempre teve enorme carinho. Mahler ensaiou exaustivamente a orquestra até que tudo ficasse perfeito.


É a obra que aparece no filme Shine, no qual dão a entender que foi ela a responsável pelo colapso nervoso do pianista David Helfgott.


É constantemente considerado o concerto para piano mais difícil do repertório tradicional. Foi dedicada ao polonês Josef Hofmann, que Rachmaninoff dizia ser o maior pianista da época (Hofmann dava o mesmo elogio a Rachmaninoff). Mas este nunca o tocou: tinha mãos pequenas, que não são favorecidas pelo concerto. Ele dizia apenas "não é pra mim". Amigo, é exatamente pra você!


Por falar em mãos, as de Rachmaninoff eram gigantescas. As minhas pareceriam as de um Hobbit em cima das dele. Ele alcançava uma 13ª. De dó ao outro lá.


O compositor gravou a obra, com alguns cortes, para que coubesse no disco. Abaixo, deixo a gravação de outro prodígio russo, o jovem Daniil Trifonov, com o regente coreano Myung-Whun Chung e a Orquestra Filarmônica da Rádio França.


A Cadência

Sergei Rachmaninoff

Cadência é um momento de um concerto em que a orquestra para, de fato, e o solista toca sozinho a parte mais difícil possível, pra mostrar seu virtuosismo. Ela pode ou não ser escrita pelo compositor. É que às vezes eles deixam apenas uma indicação na partitura de que ali deve se iniciar a cadência. Alguns concertos têm cadências nos três movimentos, outros apenas em um. Alguns não têm, como o 2º Concerto de Rachmaninoff, o de Chopin etc. Há, ainda, concertos que têm várias opções de cadência, como é o caso de alguns dos de Mozart, para os quais vários compositores, Beethoven incluso, deixaram as suas contribuições.


A cadência é o momento pelo qual todos esperam num concerto. Como será que o solista vai se sair? Ainda assim, ela está presa à obra (o concerto), e dificilmente uma delas toma vida própria e se aloja no nosso imaginário tão fortemente quanto o próprio concerto a que pertence.


Mas há casos.


A que talvez seja a mais conhecida cadência de concerto é a do primeiro movimento do 3º Concerto para Piano de Sergei Rachmaninoff. Ou as. O compositor escreveu uma tão titânica e eloquente que alguns consideraram titânica e eloquente demais, com seus dois pontos culminantes. Daí ele fez uma nova, mais leve, ligeira e com apenas um grande pico. Lembra uma tocata. A primeira passou a ser chamada de cadência ossia. O próprio compositor gravou a segunda (a pequena, a tocata, é assim que a gente chama). Grande parte das maiores gravações do concerto é com essa cadência. Martha Argerich, Vladimir Horowitz, Yuja Wang...


Eu prefiro a ossia, menos sutil, mais apaixonada (e consideravelmente mais difícil). Mas sei que é difícil achar o tom certo nela. Você tem que crescer na parte que leva ao tema, e então, introduzi-lo de maneira inquestionável, sem hesitar (ou hesitando calculadamente, como fez Van Cliburn). Mas aí é que está, você não pode estourar tudo nessa hora, porque depois vêm os acordes explosivos, você tem que guardar pólvora pra eles. Algumas vezes ela pode ser sufocante, como no caso de Lazar Berman, que não deixa você respirar. Eu gosto, mas não é pra todo mundo. Na maior parte das vezes (até com Daniil Trifonov) ela promete tanto, que acaba não podendo cumprir. E é por isso que muitos escolhem a tocata.

Sergei Rachmaninoff


Gravações Importantes

I. Com a Cadência (tocata)


Martha Argerich Ricardo Chailly Rachmaninoff Concerto 3

- Martha Argerich (com a Deutsches Symphonie-Orchester de Berlim, sob Riccardo Chailly) - considerada a versão moderna definitiva do concerto (assim, de 1982), a mais ágil, potente e expressiva. Martha Argerich. É uma gravação ao vivo, e dizem que Chailly lutava pra manter a orquestra no andamento dela. Não acho isso, não. Tudo é muito bem ensaiado, e, se há tensão, é proposital. Aliás, você ensaiar que está perdendo o controle é que é impressionante!


- Vladimir Horowitz (com a Orquestra Filarmônica de Nova Iorque, sob John Barbirolli) - Horowitz gravou este concerto várias vezes, mas esta, de 1941 com Barbirolli é a mais impressionante, muito embora o som seja ruim. Vale lembrar que o próprio Rachmaninoff, modesto, dizia que Horowitz tocava o concerto melhor que si. Horowitz não dá ideia de que o concerto seja difícil, tocando com grande fluidez e facilidade.

Rachmaninoff plays Rachmaninoff Piano Concertos

- Sergei Rachmaninoff (com a Orquestra de Filadélfia, sob Eugene Ormandy) - ouvir o próprio compositor tocando, ainda que com algumas edições (tiveram que cortar partes da música para caber nos discos) é fantástico. Valeu, Sergei. É uma versão leve como a de Horowitz, de quando a peça ainda não era conhecida como a mais difícil do repertório. Aí eles tocavam relaxados.





- Earl Wild (Royal Philharmonic Orchestra, sob a regência de Jascha Horenstein) - mais uma interpretação eletrizante. O pianista americano, um dos grandes do século XX, dá uma aula.

- Alexis Weissenberg (Sinfônica de Chicago, Georges Prêtre) - Weissenberg é um dos meus pianistas favoritos. Sua interpretação é viril e sem frescura (como sempre). A agilidade e, principalmente a técnica de cinco dedos e de oitavas do Weissenberg são impressionantes.

- Vladimir Ashkenazy (Sinfônica de Londres, sob a regência de Anatole Fistoulari) - a primeira e fluida gravação de Ashkenazy, uma lenda do piano, que ainda gravaria a obra outras vezes, só que tocando a outra cadência.

- Alicia de Larrocha (com a Sinfônica de Londres, sob André Previn) - uma gravação de quem não tem que provar nada. Alicia toca com a doçura de quem toca Mozart. Mas sua técnica vem inquestionável quando requisitada. De 1975, a gravação, digo o som, é excepcional. E o bom gosto da pianista é notável.

- Lilya Zilberstein (com a Filarmônica de Berlim, sob Claudio Abbado) - uma das gravações com melhor som, de 1994, e, possivelmente a melhor orquestra. Lilya é discreta, mas toca muito bonito. Recomendo demais essa gravação. - Jorge Bolet (com a Sinfônica de Londres, regente Iván Fischer) - Jorge Bolet, um cavalheiro cubano que fez sucesso um pouco tardiamente, tinha uma técnica que colocava a maior parte dos outros pianistas no chinelo. Aqui ele a mostra toda, em uma interpretação que só carece de uma coisa: maior séquito.

Arnaldo Cohen John Neschling Rachmaninoff Concerto 3

- Arnaldo Cohen (com a Sinfônica Estadual de São Paulo, com a regência de John Neschling) - talvez a versão brasileira mais conhecida. Arnaldo é um pianista sensacional, sobre quem eu já falei nesse post. O tratamento dado por eles ao concerto é encantador. Mais do que convincente, é autoritário. Pena que não se pode encontrar no Spotify. Eu tenho em CD, mesmo. É de 2008.





- Nelson Freire (com a Filarmônica de Roterdã e David Zinman) - outra versão brasileira. É uma gravação ao vivo do final dos anos 70. Nelson estava endiabrado. Se a gravação tivesse saído na época, seria tão adorada quanto a da sua BFF Martha Argerich. Hoje a gente encontra num álbum duplo chamado Nelson Freire - Radio Days.

Yuja Wang Gustavo Dudamel Rachmaninoff Concerto 3

- Yuja Wang (com a Orquestra Sinfônica Simón Bolivar, sob a batuta de Gustavo Dudamel) - a maior pianista da sua geração (tem hoje 30 e poucos anos), Yuja é famosa pelos vestidos ousados e cortes de cabelo jovens. Mas consegue ser mais famosa pelo seu piano, que acho que é o ponto que ela quer provar. Que o modo de se vestir não é uma declaração de intenções, mas um gosto pessoal que não deve e não pode interferir na sua avaliação profissional. No disco, junto com o Concerto Nº 2 de Prokofiev, tão difícil quanto esse, ela tira de letra. Essa menina toca com uma facilidade que lembra uma mistura de Argerich com Horowitz.


II. Com a Ossia Cadência


A cadência mais difícil é também ligeiramente menos gravada. No começo ninguém gravava, acho que foi Van Cliburn que estabeleceu a tradição.


- Vladimir Ashkenazy (com a Sinfônica de Londres regida por André Previn) - outra referência moderna na história das gravações desse concerto. Muito conhecida porque é excelente e porque sempre esteve facilmente disponível em LP, CD e hoje, mais ainda, nas plataformas digitais.

- Vladimir Ashkenazy (com a Orquestra do Concertgebouw de Amsterdã, sob Bernard Haitink) - Ashkenazy gravou tanto esses concertos (os 4 de Rachmaninoff), que acho que se cansou e resolveu gravar depois como regente. Falo depois sobre essas empreitadas. Entre o ciclo com Previn e o ciclo com Haitink, cada qual tem seus encantos. Nesse concerto em particular eu não sei qual das duas recomendaria, daí botei as duas aqui.

Abbado Berman Rachmaninoff Concerto 3

- Lasar Berman (Sinfônica de Londres, sob Claudio Abbado) - essa gravação é fenomenal. Berman toca com um peso, como se estivesse vencendo uma montanha. Ao mesmo tempo em que parece estar tendo dificuldade, não falha nunca. A cadência é o momento mais impressionante, e ele opta por não deixar o ouvinte respirar, crescendo, e crescendo, e crescendo... Se o regente não fosse Claudio Abbado, teria dificuldade em acompanhar o raciocínio dele, especialmente no 3º movimento.


- Van Cliburn (Symphony of the Air, Kiril Kondrashin) - Van Cliburn foi o primeiro pianista americano a vencer o Concurso Tchaikovsky, na Rússia, aos 23 (em 1958, na Guerra Fria). Tocou este concerto e o 1º de Tchaikovsky na final, recebendo 8 minutos de aplausos e gritos de "deem-lhe o prêmio". Essa gravação é de quando voltou aos Estados Unidos, tocando no Carnegie Hall. Tem uma energia, uma tensão imensas, porque parece que o público vai explodir de excitação.

Cristina Ortiz Iván Fischer Rachmaninoff Concerto 3

- Cristina Ortiz (com a Orquestra Philharmonia, sob a direção de Iván Fischer) - Cristina é outra que eu incluí na lista dos maiores pianistas brasileiros. O que ela faz com esse concerto é desconcertante. Um desconcerto. Ela tem uma força e uma destreza que causam inveja. Tocando a cadência, parece que as cordas do piano vão quebrar. Eu gosto muito dessa gravação, que nunca é incluída nas listas de favoritos dos outros.



- André Watts (com a Filarmônica de Nova Iorque, sob Seiji Ozawa) - essa gravação é um prodígio. André quebrou barreiras ao se tornar o pianista negro mais famoso do mundo. Sua técnica é milagrosa. Aqui ele decide tocar uma cadência híbrida: começa com a pequena e logo se torna a ossia. Uma curiosidade é que essa é uma das pouquíssimas gravações em que um pianista toca o ossia finale - os acordes, bem no final do terceiro movimento, tocados por todos em grupos de três, ele toca em grupos de quatro. É insano.

- Daniil Trifonov (com a Filarmônica de Berlim, sob a regência de Simon Rattle) - acho que a única maneira de você ouvir essa versão é assinando o Digital Concert Hall, a plataforma de streaming de concertos da Filarmônica de Berlim. Trifonov é um dos pianistas mais talentosos e bem acabados dos nossos tempos. Essa versão supera a que ele lançou em disco, com Yannick Nézet-Séguin (que também é excelente) pela proposta. Eles fizeram esse monumental concerto em tons pastel. Existe uma ligação entre Rattle e o pianista, eles estão sintonizados. E tocam a obra sem grandes arrebatamentos, mas com uma sensibilidade incrível.

 
 
 



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