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  • Foto do escritorRafael Torres

Arthur Honegger - Sinfonia Nº 2, para Cordas e Trompete

Atualizado: 17 de jul. de 2022

OS horrores da 2ª Guerra Mundial foram incansavelmente traduzidos em fotografias, relatos (como cartas), filmes e pinturas. Basta lembrarmos do caso de Guernica e da anedota que a acompanha. Após o bombardeio da cidade de Guernica, na Espanha, pela Luftwaffe, a força arérea Nazista, Pablo Picasso se sentiu compelido a pintar o horrendo quadro abaixo. Os alemães teriam perguntado "Por que você fez uma coisa tão feia"?, ao que Picasso prontamente respondeu "Vocês que fizeram".

Guernica, de Pablo Picasso.
Guernica, de Pablo Picasso.

Mas um aspecto pouco explorado é a produção de música do holocausto. Para além do agoniante Quarteto para o Fim do Tempo, do frances Olivier Messiaen, que a compôs (e estreou) preso em um campo de concentração; da Sinfonia Nº 7, "Leningrado", do russo Dmitri Shostakovich; e da apavorante Trenodia para as Vítimas de Hiroshima, do polonês Krzisztof Penderecki, conhecemos muito pouco da generosa e dolorosa fertilidade da música que foi composta no período que, especialmete, relatava em sons abstratos os horrores que o mundo estava a viver.


Venho falar aque de uma delas. Uma sinfonia que foi composta durante os anos de 1937 e 1942 pelo Franco-Suíço Arthur Honegger (1892-1955). A sua 2ª, H. 153, para Cordas e Trompete.


O compositor


Oscar-Arthur Honegger nasceu na Le Havre, na França, de pais suíços, e teve o início de sua educação musical por lá. Estudou alguns anos no Conservatório de Zurique e, depois, no Conservatório de Paris, entre 1911 e 1918. No conservatório, fez sua primeira peça importante, o Balé Le dit des jeux du monde, de 1918.

Arhur Honegger.
Arthur Honegger.

Em 1926 casou-se com Andrée Louise Vaurabourg-Honegger, que era sua colega no conservatório e uma boa pianista. Mas com a condição de que vivessem em apartamentos separardos, pois ele precisava da solidão para compor. Em 1932 tiveram sua única filha, Pascale. Foram casados até a morte do compositor.


Sua primeira peça de sucesso foi o salmo dramático Rei Davi, de 1921. Nos anos 20 e no restante do período entre guerras compôs várias trilhas sonoras de filmes mudos franceses. Seu Oratório Dramático Joana D'Arc na Fogueira, de 1935, é considerado um de seus melhores trabalhos. Muito de sua obra tem cunho religioso, católico. Entre 1930 e 1950 compôs suas 5 sinfonias, que são até hoje pilares do repertório.


Pertenceu ao Grupo dos Seis (Les Six), juntamente com Darius Millhaud, Francis Poulenc, Georges Auric, Louis Durey e Germaine Tailleferre, a única mulher do grupo. Eles se inspiravam no Grupo dos Cinco, dos compositores Russos Mili Balakirev, Modest Mussorgsky, Alexander Borodin, César Cui e Nikolai Rimsky-Korsakov. A música do Grupo dos Seis era neoclássica e se opunha à música de Richard Wagner e à dos Impressionistas Claude Debussy e Maurice Ravel, no sentido de que era menos exuberante, geralmente levando-se menos a sério que estes (muitas vezes com humor).


Mas, de todos os 6, Honegger é, possivelmente, o mais sério, o mais comprometido com a arte e com a expressão sincera de sentimentos profundos. (Adoro Poulenc e Millhaud, mas suas obras parecem estar sempre prestes a nos fazer rir. Os outros, não conheço. Mas, em minha defesa, ninguém conhece muito.)


Suas obras mais tocadas e gravadas são os dois poemas sinfônicos Rugby e Pacific 231, este a respeito de uma locomotiva (ele adorava trens).


Escreveu sua última obra em 1953: Uma Cantata de Natal. Arthur faleceu em 1955 de uma doença prolongada, em Paris, cercado de cuidados de sua esposa, filha e amigos.


A música


A Segunda Sinfonia não é, sequer, uma das mais famosas das 5 sinfonias de Honegger. O que não significa que não tenha uma carreira respeitável nas salas de concertos e estúdios de gravação. A (de certa forma) estranha obra, escrita para orquestra de cordas e um único trompete, tem três movimentos.


"Não busquei nenhum programa, nenhum dado literário ou filosófio. Se essa obra exprime ou nos faz experimentar emoções, é porque elas se apresentaram naturalmente, já que eu apenas expresso meu pensamento em música, mesmo, talvez, sem estar completamente ciente disso."


A fala de Honegger nos leva a crer que se trata de uma peça sobre sentimentos internos e íntimos, mais do que de descrição de eventos.


Abaixo, temos o vídeo que nos servirá de guia, com a Orquestra Nacional da França, regida por Daniele Gatti.


I. Molto moderato - Allegro (5s)(dura cerca de 10 minutos)


Repare no motivo principal repetido pelas violas, com uma alternância entre apenas duas notas (e uma terceira no final). Ele aparce pela primeira vez logo no começo, atestado por uma viola solo (17s). Este motivo obsessivo permeia boa parte do movimento. A música é densa e de texturas múltiplas que vão se emaranhando.


A obra é repleta de dissonâncias, e a escrita para cordas é fenomenal. Através dessa sinfonia, Honegger relata, sem palavras, o medo, o horror e a decadência da guerra (foi toda escrita às vésperas e durante a 2ª Guerra Mundial).


O primeiro movimento parece uma estrutura amorfa, com temas que vão se entrelaçando e com a alternância de estados soturnos e outros, alarmados. É música quase expressionista. As angústias retratadas aqui são facilmente identificadas como humanas.


O motivo principal volta a perturbar a obra aos 5m23s. Aos 8m19s, ele parece tomar posse de toda a sessão das cordas, atingindo um clímax.


Quando tudo se acalma, esse motivo das violas (a partir de 8m44s), em sua inflexível indolência, domina e carrega o movimento até o seu encerramento.


II. Adagio mesto (10m38s)(pouco mais de 8 minutos)


O movimento lento da peça é este adagio mesto, em que a palavra italiana mesto indica que deve ser tocado tristemente. Trata-se de um lamento, uma elegia assustadora em alguns momentos, em que a dissonância parece se associar às distorções desnaturais que a realidade da época sofria. Grande parte do movimento é em pianíssimo (ppp, fraquíssimo), com algumas incursões ao forte (f). A escrita polifônica é elaborada com aprumo e elegância.


Dolorosamente intimista, o movimento parece a leitura silenciosa de um diário proibido. Aos 16m45s temos um solo de violoncelo que parece vir das profundesas da lamentação. Ele nunca abandona a música de fato, o violoncelo solista.


III. Vivace non troppo (19m14s) (entre 5 e 6 minutos)


Um vivace (rápido), mas que não contém otimismo, ao menos não no princípio. Mais uma vez, Honegger faz uso de ostinatos, que são motivos ou ritmos repetidos de maneira perseverante (obstinados, em italiano). É, sem dúvida, um movimento vivo.


Mas onde está o trompete? Ele surge nos últimos minutos, quando tudo parecia perdido, trazendo o resquício de otimismo de que a obra precisava para terminar em uma breve, porém poderosa alusão à vitória e à paz.


O trompete é marcado "ad libitum", ou seja, à vontade. Não que o músico possa tirar os sapatos, mas que ele não tem notas específicas para tocar. A indicação é que siga os violinos.


Considerações finais


A Sinfonia Nº 2 de Honegger foi encomendada em 1937, às vésperas da 2º Guerra Mundial. A guerra em si, obviamente, atrasou bastante a entrega da obra. Quem a encomendou foi o maestro Paul Sacher, regente e fundador da Orquestra de Câmera da Basiléia (Basler Kammerorchester), na Suíça. A peça era para comemorar os 10 anos de fundação da orquestra.


Com os atrasos decorrentes da guerra na Europa, a obra foi entregue e estreada em 1942, não pela Orquestra de Câmera da Basiléia, mas pela orquestra Collegium Musicum de Zurique, sob a regência de Sacher.


Um crítico escreveu:


"No mundo harmônico de Honegger, a tragédia nunca é permanente. Mais cedo ou mais tarde algo bucólico e doce surge, como uma flor em uma área bombardeada."


Mesmo não sendo tão famosa quanto a 3ª Sinfonia, "Litúrgica"; a , "Deliciae Basiliensis"; ou a 5ª "Di Tre Re" (De Três Rés - a nota ré) (lembrando que sinfonias com nome sempre serão mais conhecidas e aclamadas), a 2ª sempre teve seu lugar no repertório sinfônico e continua a nos dar um testemunho muito maior do que palavras sobre o infortúnio da guerra.


Gravações recomendadas


- Herbert von Karajan, regendo a Filarmônica de Berlim - Essa gravação, de 1969, mostra como Karajan se dava bem em música que não sentava muito confortavelmente em seu repertório. Desde as primeiras notas, as cordas da filarmônica mostram seu som imaculado. Karajan era um regente de sonoridades, de grandes acordes. Não se interessava muito por música contrapontística, em que várias melodias engalfinhadas ditam a obra. Mas aqui, embora ele atenue as dissonâncias, o som da orquestra vence, bem como as articulações meticulosamente cuidadosas, traduzindo com fidelidade a angústia da peça.


- Charles Dutoit, com a Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara - Outra versão asséptica, ou seja, bonitinha demais, mas com vários pontos positivos, esta, de 1986, traz a Sinfônica da Rádio Bávara, um dos melhores conjuntos musicais do mundo. Aqui, as articulações também parecem desfavorecer as abundantes dissonâncias da obra, mas a execução é brilhante.


- Charles Munch, com a Orquestra de Paris - Se você quer uma versão "suja", com as dissonâncias bem pronunciadas e articulações quase fora do controle, essa versão de Munch, provavelmente gravada em 1968, é o que há de melhor. Aqui, a expressividade da música é explorada ao máximo, mesmo que à custa da clareza e do refinamento da execução. A sonoridade da Orquestra de Paris, que lembra as orquestras "antes de Karajan" é brutal e agressiva.


- Mariss Jansons, regendo a Filarmônica de Oslo - O que Charles Munch faz na indicação anterior, Jansons faz de maneira um pouco mais calculada. O talentoso regente letão dosa as dinâmicas de modo sutil, fazendo com que a música tenha um poder narrativo especial. A gravação é de 1994. A orquestra norueguesa, que Jansons ajudou a transformar em um conjunto de porte internacional, está incrível.


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