top of page
  • Foto do escritorRafael Torres

Brahms - O 2º Concerto para piano - Análise

Atualizado: 15 de fev. de 2021

Falei sobre o 1º Concerto para Piano em Orquestra, em Ré menor, Op. 15 nesse post - é por isso que eu não sou contra as obras terem apelidos. Facilita muito. O Concerto Nº 2 para Piano e Orquestra, em Si bemol maior, Op. 83 é do que trataremos aqui.



O meu vinil - Gyorgy Sandor está perfeito

Licença pra ser pessoal aqui. Conheci essa peça na adolescência, talvez 12 anos. Na época achava a coisa mais romântica (falo do romantismo, movimento cultural do século XIX) que já tinha ouvido. Eu tinha uma namorada imaginária, e era com ela que eu escutava, deitado no chão em frente ao aparelho de som. E também eu gostava de colocar o vinil - tenho até hoje - e ficar lendo o encarte. Era aquela coleção da Editora Abril, que vinha com um libreto falando da vida do compositor e outro falando da obra e da interpretação. Sempre que chegava no final da biografia, quando eu sabia que o compositor ia morrer, eu ficava pensando: "não vou me emocionar dessa vez", só pra cair no choro quando morria. Eu o conheci antes do primeiro, antes mesmo das sinfonias.


Brahms era um homem sério, taciturno, e sua vida, sem graça. Nunca casou, só se relacionando com prostitutas e era apartidáro e ateu. As duas únicas coisas emocionantes em sua biografia são a relação com a família Schumann e o embate Brahms-Wagner.


Os Schumann


Em 1853 Brahms é recebido por Robert e Clara Schumann em sua casa - ele andava sem rumo e seu amigo Joseph Joachim, um grande violinista da época, fez a ponte com os Schumann. O velho compositor já apresentava sinais de seu estado mental precário, mas escreveu palavras generosas e proféticas sobre Brahms:


"... jovem que, já no berço, foi embalado pelas graças e pelos gênios... Apresenta todos os indícios que nos autorizam a proclamá-lo um predestinado... Além disso, tem uma elevada virtude, a modéstia... Nós lhe damos as boas vindas como um mestre entre os mestres."

Robert Schumann


Acontece que Brahms e a esposa de Schumann, Clara, se apaixonaram. Mas Brahms tinha uma personalidade esquisita: sexo, só com prostitutas, sem ligação emocional; e amor, só se fosse sem sexo. Além disso, ele jamais ficaria com ela, mesmo depois da morte de Schumann, em 1856 - tinha Schumann como um pai. Nos últimos estágios da doença, e após uma tentativa de suicídio, Robert foi internado. Brahms voltou imediatamente à casa da família para cuidar de Clara e das crianças (ela era muito atarefada, tinha uma carreira internacional como pianista e era compositora). Além disso, ela não podia entrar no asilo masculino, de modo que Brahms fazia a comunicação entre Robert e ela. Depois que ele morreu eles continuaram bons amigos e, dizem, platonicamente apaixonados.


Brahms X Wagner


O compositor Richard Wagner encarnava um mito. Era o maior compositor de ópera (que ele chamava de dramas musicais) do mundo. Brahms nunca escreveu ópera, era apegado às chamadas velhas formas (sinfonia, concerto, sonata - musica basicamente instrumental). Não que ópera fosse uma coisa moderna, existia desde o Barroco. Mas Wagner trazia o novo, o bombástico, o apaixonadamente romântico para a música. Ele defendia que a música tinha que descrever alguma coisa. Que música simplesmente por ser música era algo sem propósito.


Não houve embate sério entre os dois compositores em si, mas o mundo se dividia entre os Wagnerianos e os Brahmsianos. Quando saía uma sinfonia de Brahms, metade da plateia aplaudia em deleite e a outra permanecia fria, vindo a escrever críticas com tendencias claramente anti-Brahms. Sobre a sua terceira sinfonia, por exemplo, diziam que não tinha uma melodia cantável (como se isso fosse defeito... - e tinha, sim), que ele compunha 15 minutos de música sobre um material parco e vago (coisa que todos admiravam em Beethoven) e que a orquestração não tinha imaginação (outra mentira).


Isso, que dividiu a Europa na segunda metade do século XIX, só iria acabar no modernismo, que aí nada mais importava. Nem formas velhas, nem óperas românticas. Mas a despeito disso, no século XX foram escritas mais sinfonias que em qualquer outro.


O Concerto Nº 2


Composto em 1881, ele tem quatro movimentos:

  1. Allegro non troppo

  2. Allegro appassionato

  3. Andante

  4. Allegretto grazioso—Un poco più presto

Famoso retrato de Brahms po Willy von Beckerath
Brahms por Willy von Beckerath

E é bem longo, ocupando muitas vezes um CD inteiro. Em concertos, é sempre o prato principal, a outra parte tem que ser mais leve. Desde sua estreia, em 1881, em Budapeste, com o compositor como pianista, revelou-se um tremendo sucesso. Ainda maior que o do primeiro concerto.


O fato de ser escrito em 4 movimentos revela a intenção de Brams de que o concerto fosse visto mais como uma peça sinfônica - ou seja, que o público não espere grandes exibições de virtuosismo do tecladista. Não obstante, a obra é tremendamente difícil para o solista. Mas se a escutarmos como quem escuta uma sinfonia, tem mais sentido.


Essa concepção de "sinfonia com piano" não é nova. Também não é usada aqui pela última vez. Mas esse é um dos exemplos máximos de peça em que a escrita para piano se mescla impecavelmente com a da orquestra.

Acima, a pianista chinesa Yuja Wang toca com a Orquestra Filarmônica de Munique, regida por Valery Gergiev.


1º Movimento - Allegro non troppo


O concerto começa com um anúncio da trompa (3s), logo seguido de uma leve pontuação do piano (9s). Isso duas vezes. Aí as madeiras, seguidas pelas cordas, fazem aparecer um motivo (28s) que vai ser muito importante na obra. Segue-se um trabalho mais virtuosístico do piano (43s). E aí vem a exposição em si. Em si bemol (1m43s). O tema é o que se segue. Se não sabe ler partitura, acompanhe o desenho: uma subida, uma descida, uma nota curta e uma longa (a nota branca). Depois uma descida, outra descida e a repetição da nota curta com a longa. Só.

E o movimento vai te mostrar como Brahms trabalha com realmente pouquíssimo material, só que no bom sentido. Só essas três primeiras notas, serão exploradas à exaustão. A segunda frase também.


Na verdade, o trabalho que ele faz é tão extensivo que não dá pra eu colocar coisa por coisa aqui. Peço que procure identificar as duas frases acima por todo o movimento. Elas aparecem triunfantes, ameaçadoras (3m16s), heróicas (11m24s), de toda forma que você imaginar.


2º Movimento - Allegro appassionato


O scherzo (não nomeado) do grupo (18m03s). Como o movimento anterior, tudo está no começo. Quase tudo. O trio do movimento, contém uma das páginas mais difíceis da literatura (23m23s), uma sucessão de oitavas contrárias no piano. Logo uma passagem lírica deste (23m48s) faz voltar o trio em tutti (toda a orquestra) para anunciar a volta do scherzo (25m02s). Extremamente bem escrito, tanto em seu uso do piano e da orquestra quanto nas proporções, é um movimento trágico com vários momentos de calmaria e lirismo.


3º Movimento - Andante


Nesse movimento (27m40s) o primeiro violoncelo é importante ao ponto de, às vezes, na contracapa do disco, vir o nome da pessoa. É de uma beleza única, uma das mais belas páginas da litrertura musical. Um diálogo respeitoso (um nunca invade a fala do outro) entre o piano e o cello. Havia essa prática de destacar 1 violoncelo para uma parte importante nos movimentos lentos: veja o 2º Concerto de Franz Liszt e o Concerto de Clara Schumann.

A melodia aparece em menor (33m54s), com um ar soturno, para dar voz ao clarinete (34m33s), em uma frase longa que desemboca no tema do violoncelo (36m10s), dessa vez em fá sustenido maior, mas logo voltando para original si bemol maior, dessa vez, com piano e violoncelo realmente conversando. O movimento acaba placidamente com motivos antes apresentados.


4º Movimento - Allegretto grazioso—Un poco più presto


Esse movimento pode ser tocado de várias maneiras: mordaz, inocente, triunfante... Yuja Wang e Gergiev tocam brincando. Como eu não gosto de Finales, é o meu menos favorito, mas ainda assim, tenho que reconhecer sua excepcional escrita para piano e para orquestra, e o sabor húngaro de alguns dos seus momentos. E reconheço também que é um ótimo final para esse glorioso concerto. Não é um rondó propriamente dito, mas tem elementos de um.


Aqui, diferente dos outros movimentos, em que Brahms se limita a uma economia de material temático, temos 5 temas apresentados no começo. Todos são devidamente desenvolvidos.


Esse grandioso concerto, com todos os seus elementos de saga, viajando o mundo inteiro, era inédito até então, até mesmo em suas proporções. Foi um sucesso desde a estréia, mantendo-se no repertório desde então como um dos mais titânicos exemplares de obra concertante romântica.


Gravações Importantes


O concerto tem muitas nuances, de modo que é impossível uma só interpretação captar todas. Por isso listei um bocado aqui em baixo. Mas qualquer que você escolher vai ser excelente.

- Emil Gilels, com Eugen Jochum regendo a Filarmônica de Berlim - Assim como no 1º Concerto, essa dupla + orquestra faz uma gravação que serve até hoje de referência.

- Nelson Freire, com Riccardo Chailly regendo a Orquestra do Gewandhaus de Leipzig - Também assim como o 1º Concerto, Freire/Chailly fazem a gravação mais falada (e bem falada) da atualidade. É um disco duplo que tem em todas as estantes de amantes de música clássica. Existe um certo consenso de que essas gravações dos dois concertos são definitivas. Mas, como eu disse, a obra tem nuances.

- Hélène Grimaud, com Andris Nelsons conduzindo a Filarmônica de Viena - Hélène entra nessa lista não porque eu precisava colocar uma mulher (poucas gravaram os concertos de Brahms), mas porque o que ela e Andris Nelsons fazem é de arrepiar.


- Vladimir Horowitz, com Arturo Toscanini e a Sinfônica da NBC - O pianista e seu sogro, o irascível regente italiano, gravaram poucas vezes juntos. Essa aqui, de 1948, foi muito importante, mesmo Horowitz admitindo que não gostava muito do concerto e achando que tocou mal. Bobagem, Volodya, vc arrasa.


- Wilhelm Backhaus, com Karl Böhm e a Filarmônica de Viena - Eu lembro. Comprei o disco da coleção Great Pianists of the 20th Century do Wilhelm Backhaus sem saber do repertório. Quando vi que tinha o Concerto Nº 2 de Brahms e o escutei, queria contar pra todo mundo. Era um registro ao vivo em 1952 com a mesma orquestra, regida por Carl Schuricht. Essa aqui é de 1967, de estúdio, com Böhm, e tem o som ainda melhor. O pianista estava com 83 anos!


- Sviatoslav Richter, com Lorin Maazel e a Orquestra de Paris - Das gravações de Richter, o grande intérprete desse concerto, eu ecolho essa daqui? É. É uma das que têm melhor som e o acompanhamento de Maazel com a OdP é lindo!


- Daniel Barenboim, com Gustavo Dudamel regendo a Staatskapelle de Berlim - A Staatskapelle de Berlim, depois que tomou Barenboim como líder, tem crescido muito. Aqui ele cede o pódio à celebridade venezuelana Gustavo Dudamel e vai tocar piano. E como toca. São gravações ao vivo (tem o Concerto 1, também).


- Claudio Arrau, com Bernard Haitink e a Orquestra do Concertgebouw de Amsterdã - Claudio Arrau, com seu sonzão mostruoso, gravou a peça mais de uma vez. Essa é a melhor: está com a orquestra perfeita, um regente talentoso e os engenheiros de som fazem um ótimo trabalho.


- Maurizio Pollini, com Claudio Abbado e a Filarmônica de Berlim - Eles dois, Pollini e Abbado, gravaram esse concerto outra vez, com a Filarmônica de Viena. Aliás, acho que foi antes. Eles gravaram tudo: os concertos de Beethoven, Bartók, Brahms, Schumann. Em Chicago, Viena e Berlim. A dupla italiana era certeira, dois intérpretes um tanto discretos e tecnicamente absolutos.


- Joseph Moog, com Nicholas Milton regendo a Deutsche Radio Philharmonie - Foi a última gravação desse concerto que me impressionou. A sonoridade é refinada, camerística e tem um ar de época. Joseph Moog é um grande pianista.


- Lars Vogt tocando e regendo a Northern Sinfonia - A única gravação nessa lista de alguém que toca e rege ao mesmo tempo. Mas é porque é perfeita. A orquestra está sensacional. Parabéns para todos os envolvidos.


- André Watts, com Leonard Bernstein e a Filarmônica de Nova Iorque - De 1968, quando Watts tinha 22 anos. Ele já tinha gravado com Bernstein, aos 17, o Concerto Nº 1 de Franz Liszt, com imenso sucesso. Ele foi do anonimato à fama rapidamente. Infelizmente não grava nada há anos. O único pianista negro a entrar para a coletânea Great Pianists of the 20th Century. Sua interpretação é forte e precisa, André nunca fez mágica com o som, mas toca com facilidade as passagens mais difíceis, e com muita poesia.

 

Leia mais sobre o 1º Concerto aqui.


Gostou do post? Não esqueça de comentar e de clicar no coraçãozinho, pra gente saber que você gostou do conteúdo.



312 visualizações

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page