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Brahms - Sinfonia Nº 3 - Análise

Atualizado: 13 de ago. de 2022

A Terceira Sinfonia, em Fá Maior, Op. 90 de Johannes Brahms veio a público 6 anos depois da Segunda. Foi em dezembro de 1883 e Brahms continuou a fazer revisões até o ano seguinte.


Ele copôs 4 Sinfonias, e já fizemos análise das outras 3. Veja:



É contemporânea do Concerto para Violino e do Concerto para Piano Nº 2, obras de grande porte e importância.



A obra

A 3ª Sinfonia, em Fá Maior, Op. 90, é a mais curta das sinfonias de Brahms, com duração de menos de 40 minutos. O crítico David Hurwitz costuma dizer que é a que costuma ser mais mal gravada. Acho que tive sorte, porque não percebi isso. A atmosfera é até um pouco angustiada no primeiro movimento, depois serena, no segundo, apaixonada, no terceiro e quase frenética, no finale.


A orquestra

2 Flautas,

2 Oboés,

2 Clarinetes,

2 Fagotes,

1 Contrafagote,

4 Trompas,

2 Trompetes,

3 Trombones,

Tímpanos,

Violinos 1,

Violinos 2,

Violas,

Violoncelos,

Contrabaixos.


É uma orquestra modesta, com apenas os tímpanos na percussão e o contrafagote sendo o único instrumento mais exótico.

Abaixo, nossa interpretação guia, com o talentoso Andrés Orozco Estrada regendo a Sinfônica da Rádio de Frankfurt.


I. Allegro con brio (18s)


O primeiro movimento, em forma sonata, começa já na exposição, com três acordes que vão inchando até explodir (18s). É interessante que as notas centrais desses acordes são Fá, Lá bemol, Fá. Em alemão, F, A, F, que são também as iniciais do lema de Brahms, frei aber froh (livre, mas feliz). Deve ser ironia, porque uma pessoa livre, já se pressupõe que é feliz. Mas sei lá, suspeito que Brahms queria dizer "solteiro, mas feliz". Outra coisa é que logo depois dos acordes vem o primeiro tema, em cascatas descendentes (24s) que é muito semelhante a uma passagem casual da 3ª Sinfonia do seu amado e finado amigo Robert Schumann, chamada "Renana" (alusiva ao rio Reno, onde Schumann chegaria a tentar se afogar). Brahms compôs sua terceira em Wiesbaden, que é no Reno. O tema de Brahms logo ficou conhecido como "Tema do Reno".


Depois de uma série de transições lideradas pelas madeiras, temos o segundo tema (1m39s), no clarinete, de caráter brincante (os segundos temas quase sempre fazem contraste com os primeiros). Os oboés o repetem (1m53s), ajudados pela flauta. Oboé e clarinete também se encarregam da segunda sessão do segundo tema (2m07s), uma espécie de transição temática. Ela vai parando e leva a uma deliberação das cordas (2m17s), que, por sua vez, conduzem a uma frase do oboé (2m26s) que é derivada dos três acordes inchando. Uma série de cascatinhas descendentes nos sopros fazem alusão ao primeiro tema. Aos 2m48s temos um motivo em staccato nas cordas, bem típico de Brahms, cheio de deslocamentos de oitava (característica também do primeiro tema). O movimento segue repleto de criatividade até que, aos 3m20s, chega-se à repetição da exposição. Então, tudo isso aqui vai se repetir (segundo tema aos 4m46s) até perto dos 6m30, quando a música se prepara para a próxima sessão.


O desenvolvimento se inicia aos 6m33s, com o segundo tema aparecendo nas cordas graves, em tonalidade menor e de modo bem mais dramático. Aos 7m, o motivo saltitante aparece na flauta. Depois no oboé, e aí a música começa a perder tração. Aos 7m27s a trompa faz o tema dos acordes inchantes, desenvolvendo-o com fraseados belíssimos. As cordas ameaçam o primeiro tema, ajudadas depois pelas madeiras e o desenvolvimento subitamente tem seu fim.


Aos 8m29s tem início a recapitulação, em que a exposição será repetida com alterações. Aos 8m38s o primeiro tema aparece tal qual no começo e aos 9m39s o segundo tema surge, no clarinete, como da primeira vez. Observe, aos 10m16s, o retorno das cascatinhas descendentes nas madeiras.


O coda se inicia aos 10m59s. Aos 11m08s o primeiro tema aparece numa explosão, mas todo alterado. A música vai novamente perdendo força até que uma trompa e um oboé fazem um simples motivo (12m15s), que leva à conclusão da obra sobre as cascatas do primeiro tema, ficando cada vez mais suaves e lentas. É um final perfeito.


Sobre os acordes inchantes, preciso afirmar que em nenhuma edição da partitura existe a instrução para que os sopros toquem crescendo. O que existe é um f, de forte, sob cada um dos três acordes, demonstrando que a intenção é que todos sejam tocados com a mesma exata intensidade. A maioria dos regentes faz crescendo, mesmo assim.


II. Andante (13m37s)


O clarinete começa tocando o primeiro tema desse movimento pastoral - Clara Schumann descreveu esse movimento como a mais pura e doce alusão aos pastores do interior da Alemanha. O tema é longo e tem várias ramificações interessantes. Aos 14m22, o oboé começa a fazer uma linda variação, que vai contaminando a orquestra de maneira sublime. Aos 15m21s os contrabaixos efetuam uma alternância de notas que vai levar ao melancólico segundo tema (15m48s) nos clarinetes e nas outras madeiras. É uma clara alusão aos chamados dos pastores, com suas cornetas. Aos 16m27s as cordas trazem luz e esperança e nos tiram do clima soturno que imperava. Mas, aos 16m46s as cordas, respondidas pelas madeiras, relembram o chamado dos pastores. Aos 17m10s ameaça voltar o primeiro tema, nos violoncelos. Após um belíssimo momento de suspensão (18m10s), em que não se sabe para onde a música vai caminhar, o primeiro tema vai se intrometendo até voltar plenamente (18m25s), mas sempre com desenvolvimentos diferenciados.


Aos 19m46s as cordas dão início a um momento de maravilhosa contemplação. Já é o coda. Ainda temos o melancólico chamado dos pastores (20m18s) e a volta do primeiro tema (20m44s) no clarinete, mas de maneira conclusiva. Aos 21m07s a maravilhosa intervenção dos metais, com a alternância de notas alusiva àquela que os contrabaixos fizeram no começo do movimento, anunciam a chegada do fim do movimento, sob fraseados livres do oboé.


Esse movimento já foi descrito como se tratando de um em forma sonata reduzida e modificada. Acho exagero, porque, desse jeito, você encontra forma sonata em tudo que quiser. Ele está mais para uma fantasia, na minha opinião.


III. Poco allegretto (21m50s)


O Poco Allegretto é o movimento mais famoso da obra. Isso se deve provavelmente ao fato de ser uma valsa linda de morrer. Os violoncelos já começam a parte a com o primeiro tema, um lamento misturado com saudade que só Brahms. Os violinos o repetem aos 22m18s, dessa vez, caindo em Dó Maior, aos 22m47s. Essa terminaçãozinha que os violoncelos fazem logo em seguida, toda embebida do sentimento de terna lamentação do movimento, também é importante, porque vai se tornar quase um tema independente. Aos 23m26s temos a volta do primeiro tema, sempre doído, na flauta e trompa.


Eles o interrompem com uma respiração e, subitamente, começa a parte b - esse movimento é em forma A-B-A. O segundo tema (23m57s) tem um caráter muito estranho, entrecortado e vago. Ele é todo permeado por pequenas descidas e subidas das cordas, desde os contrabaixos até os violinos. Aos 24m26s os violinos começam a levar o segundo tema, alterado e legato (ligado) a uma culminância. Aos 24m47s recomeça a parte b, mas brevemente. Observe, aos 25m19s, como o clarinete começa a chamar o primeiro tema, e a esse chamado começam a se acumular outros, do fagote, da flauta e do oboé.


Temos, então (25m38s), o retorno do primeiro tema, de forma esplendorosa, na trompa. O oboé o repete, aos 26m06s - a escolha da instrumentação, por Brahms, para esse retono da parte a é muito sensível, caindo novamente em Dó Maior, aos 26m32s. A terminaçãozinha (26m33s), agora, é iniciada pelo fagote e, como da outra vez, vai contaminando a orquestra. Os violinos retornam com o primeiro tema aos 27m08s, no ponto culminante do movimento. Aos 27m37s há uma nova interrupção, que parece querer nos levar de volta à soturna parte b, mas, na verdade, trata-se do coda. Uma escala fenomenal da orquestra (27m52s) põe fim ao movimento.


IV. Allegro — Un poco sostenuto (28m17s)


O finale parece vir de outro ambiente. Parece que você saiu de um estúdio onde tocava a música mais angelical e entrou numa rave. Uma rave em forma de rondó. Já começa com o primeiro tema sendo exposto pelos fagotes e cordas. As madeiras fazem uma leve variação dele (28m29s). Aos 28m43s, os trombones tocam uma leve referência ao segundo tema do movimento anterior e ao chamado dos pastores.


Aos 29m01s temos uma explosão de vitalidade. Como se a orquestra, de repente, se soltasse. Aos 29m34s os violoncelos e as trompas fazem o segundo tema, que é alegre e descontraído. Ele é logo repetido pela flauta, oboé, fagote e violinos.


Aos 30m06s temos o terceiro tema, o mais importante e vivo do movimento. Repare, aos 30m30s, nas acentuações nos contratempos, nas cordas. Aos 30m36s temos uma lembrança, pelas madeiras, do primeiro tema, só que alterado. A partir dos 30m45s ele passa a ser ameaçado pelas cordas. Até que, aos 30m53s, as flautas o tocam, pianinho, com clarinete e fagote. Aos 31m11s o primeiro tema é repetido por um oboé e um fagote. Como consequência dessa repetição, temos escalas descendentes que vão até o grave (31m18s).


Aos 31m30s temos a premonição, nos oboés e flautas, do quarto tema, que é tocado plenamente pelos violinos aos 31m41s.


Nesse movimento temos maravilhosas referências aos outros três - o chamado dos pastores, os misteriosos temas do terceiro movimento e os acordes inchantes. Não é possível encaixá-lo com precisão em uma forma. Alguns o veem como em forma sonata. Eu entendo mais como um Rondó.


Uma particularidade notável da sinfonia é que todos os movimentos terminam em silêncio, o que é mais peculiar ainda no finale, já que os compositores geralmente terminam com um bom, pungente e forte acorde final. Aqui, ao terminar a obra de modo calmo, Brahms ressalta a visível bipolaridade da sinfonia (talvez mais um aceno ao seu querido Schumann).


Considerações finais


Esta absolutamente inquieta sinfonia foi celebrada desde sua estreia, em Viena, com a Filarmônica de Viena, regida por Hans Richter, o maior regente da época. Foi em 2 de dezembro de 1883. Aliás, ela foi celebrada mesmo antes da estreia, por ninguém menos que o compositor tcheco Antonín Dvořák. Vejam o seu relato de quando fez uma visita a Brahms em outubro de 1883.


"Estive recentemente em Viena, onde passei dias muito agradáveis com o Dr. Brahms, que tinha acabado de voltar de Wiesbaden. Você sabe, claro, quão reticente ele é até com os seus mais queridos amigos em relação à sua obra, mas comigo não foi assim. Ao meu pedido de ouvir algo da sua nova sinfonia, ele foi imediatamente acolhedor e tocou o primeiro e o último movimentos para mim. Devo dizer sem exagero que esse trabalho supera as suas duas primeiras sinfonias; se não, talvez, em grandeza e poder de concepção, então, certamente, em beleza. [...] Que magníficas melodias estão lá para ser achadas!"


O crítico musical oficial de Viena e da Europa, Eduard Hanslick foi categórico em dizer: "Muitos amantes da música vão preferir a força titânica da Primeira Sinfonia; outros, o charme despreocupado da Segunda, mas a Terceira me parece ser artisticamente a mais próxima da perfeição".


ensaios interessantíssimos sobre ela. Um deles, chamado Segredos do Reno - A Terceira Sinfonia de Brahms, de Calvin Dotsey para um programa da Sinfônica de Houston, me chamou atenção. Ele menciona temas misteriosos que aparecem nos esboços da obra, mas foram apagados, temas de amor, lembranças de Robert e Clara Schumann (por quem Brahms tinha um amor platônico) e inspirações ciganas no terceiro movimento. O artigo está em inglês, mas, talvez, no futuro, nós possamos pedir autorização para traduzi-lo e incluir nessa postagem.


Quanto à minha opinião pessoal, é muito parecida com a de todos os amantes da música de Brahms: é impossível dizer qual é a melhor. A Primeira Sinfonia é um golpe, um soco. A Segunda é uma Pastoral absurdamente encantadora. A Terceira é absolutamente perfeita em retratar (sim, Brahms, o opositor da música descritiva, retrata aqui) as paixões, os arroubos, as alegrias e os infortúnios de suas lembranças com seus amigos Clara e Robert Schumann, este falecido tragicamente décadas antes, mas que nunca fora esquecido por ele.


Conta-se que Brahms e Clara eram, de fato, apaixonados um pelo outro. Mas, em respeito a Robert, jamais concretizaram esse amor.


Esta sinfonia, cheia de símbolos e referências, talvez seja o que mais se aproxime dessa concretização. Seria o terceiro movimento uma declaração de amor perdido por Clara? Ela própria se apaixonou pela sinfonia de cara. Disse: "É puro idílio; eu consigo enxergar os adoradores se ajoelhando no pequeno santuário da floresta, consigo ouvir o riacho balbuciando e o zumbido dos insetos..."


É uma obra genial, um marco da engenhosidade, grandeza e caridade humanas. Caridade porque Brahms nos oferece o puro deleite, o conhecimento de melodias e harmonias tão especiais, de graça.


Gravações recomendadas


Fiquem atentos às gravações de James Levine, com a Sinfônica de Chicago ou com a Filarmônica de Viena; Christoph von Dohnányi, regendo a Orquestra de Cleveland e a Orquestra Philharmonia; e Bruno Walter, regendo a Orquestra Sinfônica da Columbia.


Mas as recomendadas são:


- Herbert von Karajan, com a Filarmônica de Viena - Sim, esta excepcional gravação de 1962 me parece maravilhosa. As cordas da Filarmônica de Viena, a orquestra que estreou a obra, fazem uma diferença enorme. Ao contrário de outras gravações da Terceira sinfonia (e de outras), em que Karajan me parece indiferente, aqui encontramos uma paixão e um vigor que ele substituiria, em muitos casos, pela assepsia, posteriormente, com a Filarmônica de Berlim.


- Riccardo Chailly, regendo a Orquestra do Gewandhaus de Leipzig - Chailly está fazendo história com seu Brahms com a Gewandhaus. Gravou os dois Concertos para Piano com Nelson Freire, o Concerto para Violino com Leonidas Kavakos, o Concerto para Violino de novo, com Vadim Repin, o Concerto Duplo (Violino e Violoncelo), com Vadim Repin e Truls Mørk, as 4 Sinfonias, as 2 Serenatas e as Variações Haydn. Tudo em altíssimo nível. Quanto à Terceira Sinfonia, o som é belamente capturado, a gravação é recente, de 2012 e lançada em 2013. A interpretação é um pouco branda, mas de muito bom gosto. E os solistas de sopro estão fantásticos.


- Riccardo Muti, regendo a Orquestra de Filadélfia - Foi a versão com que fiquei conhecendo a obra, de modo que me agrada particularmente pelo poder da primeira impressão. As articulações, os andamentos, a sonoridade da orquestra, tudo me parece correto. É de 1989, ano da morte de Karajan.


- Claudio Abbado, regendo a Filarmônica de Berlim - Absolutamente vibrante, essa gravação de 1990, quando Abbado tinha acabado de assumir o posto de regente principal da orquestra após a morte de Karajan, é muito atraente. Eu acabei de escutar a gravação de Marin Alsop com a Filarmônica de Londres e, depois de escutar essa aqui, me pareceu que a de Alsop foi mal ensaiada, arrumada às pressas, embora com lampejos de criatividade. Esta gravação está entre as mais perfeitas não só dessa sinfonia, mas da história da música gravada.


- Carlo Maria Giulini, regendo a Filarmônica de Viena - Outra gravação excepcional com a Filarmônica de Viena. Esta é de 1990. Giulini está inspirado e a sonoridade da orquestra mais uma vez é mágica.


- George Szell, com a Orquestra de Cleveland - Impossível uma orquestra tocar com mais perfeição técnica do que a de Cleveland. As orquestras europeias são mais refinadas (e não deixam a desejar de forma alguma no aspecto técnico), mas a de Cleveland chama a atenção. Os sopros afiados, a entrega dos músicos e a leitura corretíssima das intenções de Brahms por Szell fazem dessa gravação de 1964 uma obrigatoriedade.


- Eugen Jochum, regendo a Filarmônica de Londres - Genial. Jochum tinha a expressividade correta e sabia tirar da orquestra os sons e as articulações mais perfeitos. Essa gravação, de 1977, com Jochum já velho, mostra um empenho sensaconal da orquestra em se portar à altura do regente. Há outra gravação de Jochum das 4 Sinfonias, com a Filarmônica de Berlim, porém, em mono. Mas não se compara a essa. O estranho CD duplo que contém a gravação tem as sinfonias de 1 a 3 e as Variações Haydn, esquecendo completamente a 4ª.


- Eduard van Beinum, com a Orquestra do Concergebouw de Amsterdã - Um regente pouco comentado era esse van Beinum. Mas era excepcional. Essa gravação é uma relíquia de um maestro e uma orquestra lendários. Beinum morreu de ataque cardíaco quando regia essa mesma orquestra num ensaio da Primeira Sinfonia de Brahms. De todas as gravações antigas, da era dos discos de vinil, esta, de 1956, é a que eu escolhi, porque eles tocam com intensidade e comprometimento. É invejável.


Como sempre, sinta-se encorajado a comentar, sugerir, criticar, elogiar, desabafar ou, simplesmente, trocar uma ideia.


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