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  • Foto do escritorNílbio Thé

Papo de Arara: Gidalti jr.



No ano de 2018 o mais importante prêmio literário do Brasil, o Jabuti, lançou a categoria “Quadrinhos” em sua premiação. O primeiro vencedor dela foi o mineiro natural de Belo Horizonte criado em Belém do Pará Gidalti Jr. Embora seu romance gráfico Castanha do Pará (cuja breve resenha que fiz é possível de ser lida aqui) tenha sido lançado em 2016, foi neste ano com a premiação e, contraditoriamente, com uma censura, que sua obra ganhou espaço na mídia. Em uma exposição num shopping de Belém um dos painéis do artista (justamente a pintura que serve de capa para Castanha do Pará) foi coberto com um lençol a pedido da polícia militar. De São Paulo, o artista que também é professor universitário, concedeu esta entrevista onde fala de sua estreia no mundo da arte sequencial com sua obra premiada com o Jabuti e também indicada ao HQ mix de melhor obra independente. Foi nesse período, cerca de 3 anos atrás que eu entrevistei Gidalti. Republico não somente a entrevista dele aqui, como, numa troca de e-mails rápida, fizemos uma segunda rodada de perguntas "atualizando" a primeira entrevista. Seguem agora ambas aqui nessa postagem.

O romance gráfico Castanha do Pará do Pará é sua primeira incursão pelos quadrinhos. Quanto tempo entre a ideia inicial e sua publicação?

Sim. De fato a novela gráfica Castanha do Pará é o meu primeiro trabalho de fôlego como autor. Já havia produzido material numa linha mais experimental e pessoal, nada que eu tenha publicado ou tentado publicar. Desde o inicio da ideia da minha HQ, fui com uma ideia objetiva de publicar uma novela gráfica robusta. O tempo de produção durou aproximadamente 3 anos.

Ele é uma adaptação de um conto, correto?

O conto Adolescendo Solar de Luizan Pinheiro, que eu usei de inspiração para criar o enredo do Castanha do Pará, é a maior influencia na obra. Em seguida, memórias de minha infância vivida e inventada. Ainda, Belém e suas peculiaridades. Sou natural de Belo Horizonte, Minas Gerais, e fui muito criança pra Belém, onde eu vivi minha infância, minha adolescência e parte de minha fase adulta.

E tuas referências e influências de modo geral?

As minhas referências são bem diversas. A princípio poderia citar o Milton Hatoum, que é um exemplo de como explorar bem o contexto do Norte, assim como outros escritores da região, como Salomão Larêdo, Dalcídio Jurandir, Edyr Augusto Proença. Também cito outras influências como Machado, Franz Kafka, Mia Couto e Ariano Suassuna. No que se refere a parte gráfica e de narrativa, curto muito o trabalho de Jon J. Muth, Enki Bilal, Shiko, Sergio Toppi, Greg Tocchini, Juanjo Guarnido, Pablo Echevarria e meu professor Carcamo. Estou sempre acompanhando como o Brasil é retratado no cinema. Me atrai o olhar de Walter Salles em Central do Brasil e Abril Despedaçado, Fernando Meirelles em Cidade de Deus, Anna Muylaert em Que Horas Ela Volta, Kléber Mendonça Filho em O Som ao Redor, José Padilha em Tropa de Elite e muitos outros. Tenho muitas referências nas artes plásticas e em especial na pintura. Para não me alongar, citaria o Anders Zorn, Sargent e Sorolla.

Queria também que você explicasse essa questão da censura. Eram painéis expostos num shopping em Belém? Como foi o convite para essa expo. Eram reproduções suas em painéis, correto? Como chegou a notícia da censura da sua pintura?

Eu participei de uma exposição que circula em alguns centros comerciais de Belem. É uma exposição de quadrinistas e artistas que estão no contexto do de produção de quadrinhos no Pará. Uma das obras que estavam na exposição (uma réplica da capa do meu livro) figura uma cena em que um policial militar está correndo atrás de um menino de rua, que é o protagonista do meu livro. É uma cena de ação em que o policial faz um movimento com o objetivo de capturar ou prender o menino. Um movimento de repressão enquanto o menino foge. Aparentemente, essa imagem incomodou um grupo de pessoas que tem afinidade ou vínculos com a polícia militar do Pará, e esse grupo se manifestou por meio das redes sociais de maneira incisiva e até ameaçadora, exigindo a retirada da imagem da exposição. E foi o que aconteceu. Fiquei sabendo do ocorrido através de um jornalista que me procurou perguntando o que eu achava da retirada da obra da exposição. Nesse momento que eu comecei a tomar conhecimento do ocorrido.


Como você está lidando com a censura de sua obra pela polícia do Pará? O caso foi resolvido, já? Como isso vem repercutindo?

Sobre o caso da censura, eu me manifestei contra por meio das redes sociais e a resposta do público geral e da imprensa foi muito gratificante, pois gerou nas redes sociais e na mídia uma grande manifestação a favor da liberdade e de solidariedade a minha pessoa. Infelizmente, a capa foi retirada da exposição e substituída por outra mas para a administração do shopping a ação pegou muito mal. Apesar do stress, o livro ficou mais exposto ainda. Foi um tiro no pé para os censores.

Castanha do Pará pode ter sido sua primeira obra, mas que outras ideias passaram pela sua cabeça antes dela? Ou Ela realmente foi sua primeira ideia de quadrinho?

Antes de produzir o álbum eu queria fazer quadrinho de super herói. Eu me via como um desenhista da marvel, dc ou Vertigo. Me via mais como uma peça dentro de uma indústria, por conta de um desconhecimento de minha parte em relação as possibilidades desse universo. Enxergava as possibilidades de atuar na indústria americana era algo mais palpável, uma vez que minhas referências, os artistas que eu admirava atuavam nessa linha. Somente depois que eu ampliei meu universo artístico, seja por meio de influências vindas do cinema, da literatura clássica, das artes plásticas e mesmo de outras abordagens em fazer e pensar histórias em quadrinhos (como o mercado europeu e os autores brasileiros) que percebi que poderia caminhar nessa linha.


O projeto foi inscrito no Catarse, demorou muito para conseguir angariar as doações necessárias para o orçamento?

sim, o livro foi financiado por meio de financiamento coletivo. Não demorou para que o projeto arrecadasse a verba para custear a impressão e a distribuição. Isso se deve ao fato de que antes de publicar o projeto no catarse, eu já tinha um grande investimento de labor no trabalho, então quando expus o projeto na plataforma, ele já estava praticamente pronto para ser impresso na gráfica. Isso gerou credibilidade nos apoiadores e as pessoas investiram sabendo que o trabalho já estava muito proximo de chegar em suas mãos. Alguns apoiadores receberam o livro antes mesmo da campanha no catarse terminar.

E a sensação de ganhar o Jabuti, aliás, de ser o primeiro vencedor da novíssima categoria de Quadrinhos do prêmio Jabuti? Como você soube que estava concorrendo e qual foi a sensação de ganhar?

Ganhar o prêmio jabuti foi algo muito especial. O quadrinho nacional está em uma fase excepcional, com muitas obras e autores ganhando cada vez mais destaque.Estamos ganhando espaço, entretanto, o mercado ainda não é totalmente solido. A maioria dos autores que produz quadrinho autoral ainda se encontra em uma zona de risco. A abertura da categoria no prêmio Jabuti confirma os méritos dessa produção.

Submeti o projeto ao prêmio sem esperança de estar entre os finalistas, tendo em vista a quantidade de negativas que tive anteriormente. Quando soube que era um finalista, já me sentia muito realizado e ganhar o primeiro lugar foi de fato um reconhecimento que não esperava. Fiquei muito feliz e animado para produzir mais e melhor.


Já pensa em próximos projetos em quadrinhos?

Sim, estou sempre com muitos projetos em mente. Alguns em fase de amadurecimento, outros mais imaturos. Ainda não sinto a vontade para expor detalhes de trabalhos que ainda estão em fase de amadurecimento, mas não devo demorar a entregar novidades aos meus leitores.


Depois dessa entrevista, publicada no jornal onde trabalhava, entrei em contato alguns meses atrás com o Gidalti, não somente para revisitar essas perguntas, mas também para fazer outras. Uma espécie de segundo tempo da nossa conversa, um segundo round. Segue abaixo.


1) Sabemos que um quadrinho no estilo de Castanha do Pará, que muitos usualmente chamam de "Álbum" levam muito tempo para serem feitos. Castanha do Pará por exemplo, você comentou que demorou cerca de 3 anos para sair do papel. Mas de lá para cá algumas das suas ideias ganharam força o suficiente para estarem perto de serem impressas?


Sim. Estou a alguns anos envolvido na pesquisa, roteiro e arte de um novo projeto. Será publicado em 2021 e tem o apoio do Proac, o programa de ação cultural de São Paulo.


2) Quando digitamos seu nome no Google aparece logo em seguida que sua profissão é de professor. Eu também já fui professor por cerca de dez anos. É um trabalho fascinante, mas que exige muito e toma tempo. Particularmente eu me inspirava muito, contudo, não tinha tempo para colocar nada (ou quase nada ) no papel. Era paradoxal. Para você, como que ser professor interfere no seu fazer artístico e vice-versa?


Ser professor está diretamente ligado ao meu fazer artístico, pois a vivência no ambiente acadêmico me permite estar em constante aprendizado. Penso muito na realização de obras de arte como algo bastante similar a pesquisa científica. O pensamento acadêmico ajuda muito a gerenciar todas as fazes da produção de quadrinhos, por exemplo. E no fim, parte de minhas intenções passam em gerar saberes a parir de minha obra.


3) Como você avalia o impacto do prêmio Jabuti hoje na sua vida pessoal, profissional e para os quadrinhos de um modo geral? Os impactos ainda são sentidos, permanentes, digamos assim, ou é necessário esquecer isso para focar no futuro, em coisas novas e não ficar "deslumbrado" com o prêmio?


Obviamente que há impactos permanentes e a maioria destes é no sentido positivo. Como toda conquista, é preciso celebrar e virar a pagina. Sou movido pela novidade e pela inventividade e procuro me colocar sempre fora da zona de conforto. Grandes conquistas surgem a partir dessa lógica de que nada é garantido.


4) O cenário da literatura independente, especificamente de quadrinhos, de dois anos para cá, como você avalia as facilidades e dificuldades para quem quer publicar? Mudou muito, mudou pouco?


Não tenho acompanhado de perto as mudanças mais relevantes dos últimos dois anos. Mas posso dizer que, hoje, as possibilidades são múltiplas e há espaço para todos. As pequenas e novas editoras, as plataformas de financiamento e os editais de cultura são determinantes nesse sentido. O mercado continua carente de mais leitores, temos problemas de distribuição, mas o contexto atual é muito dinâmico e temos que estar sempre resilientes e produzindo sempre.



Atualmente Gidalti se prepara para lançar o álbum Brega Story que explora o rico universo da música brega paraense.


Agradecemos à leitura e se quiser ler nossas outras entrevistas, basta clicar aqui.


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