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  • Foto do escritorRafael Torres

Beethoven - O Concerto para Violino - Análise

Sim, falaremos hoje do Concerto para Violino e Orquestra em Ré Maior, Op. 61 de Ludwig van Beethoven (1770-1827). É uma obra monumental. Talvez monumental demais para a época. Beethoven o compôs em 1806 e a obra teve uma estreia morna. Não entraria para o repertório canônico de violinistas senão em 1844, quando o prodígio Joseph Joachim, então com 12 anos, o fez uma apresentação antológica com a Royal Philharmonic Society, regida por Felix Mendelssohn. Não achei retrato dele tão jovem, mas aqui ele está tocando com a pianista Clara Schumann em 1854.

Joseph Joachim e Clara Schumann em 1954, por Adolph von Menzel.
Joseph Joachim e Clara Schumann em 1954, por Adolph von Menzel.

A obra estava longe dos ideais românticos que já prevaleciam. Era longa demais, com 50 minutos (só o primeiro movimento tem 24), a parte solista não é tão exibicionista (embora seja difícil à beça) e, principalmente, a estreia não foi boa. Beethoven escreveu a peça para Franz Clement, um famoso violinista com quem já havia trabalhado.


Acontece que tardou em entregar a partitura, de modo que o virtuose teve que ler à primeira vista durante a performance. Não saiu muito legal, e o Concerto passaria por um período de ostracismo. Quando Joachim e Mendelssohn o reviveram, Beethoven já estava morto há décadas. O Concerto foi, então, elevado ao status de obra-prima, e Joachim diria depois que se trata do maior concerto para violino da alemanha.

Ludwig van Beethoven em 1804
Ludwig van Beethoven, em 1804.

Por falar em tradição germânica, existem 4 Concertos para Violino que são considerados as grandes virtudes do violino alemão: o de Beethoven, o de Mendelssohn (de 1844), o 1º de Bruch (de 1866) e o de Brahms (de 1878). De modo que Beethoven inaugurou a tradição. Havia, claro, outros concertos anteriores de compositores germânicos, como Bach e Mozart, mas eram obras de ambição mais modesta, embora sua importância seja inegável.

Manuscrito do Concerto para Violino de Beethoven
O organizado e legível manuscrito de Beethoven.

A obra


Composto quando Beethoven tinha 36 anos e já estava com a surdez bem avançada, o concerto mostra o domínio do compositor da escrita para violino. Sem virtuosismos gratuitos, o que temos é uma (ai, detesto dizer issso) Sinfonia com violino obigatto. Isso porque a escrita é mais sinfônica do que concertante.


Mas o que isso quer dizer? Que, em vez de se preocupar em fazer o solista brilhar, o concerto trata de organizar-se muito bem em relação à forma, à variedade temática e ao trabalho de desenvolvimento dos temas.


Abaixo, nossa interpretação guia, com a genial violinista Hilary Hahn, acompanhada pela Sinfônica de Detroit, regida por Leonard Slatkin.

1º Movimento - Allegro ma non troppo (42s)


A exposição orquestral começa de imediato. O primeiro tema é apresentado pelo tímpano (repetindo a nota ) e completado pelos oboés. Em 1m01s os violinos tocam uma nota exótica (um mi bemol, a 9ª diminuta de ré). Isso já causa uma estranheza, mas por duas vezes, caem em acordes mais previsíveis. Em 1m20s o clarinete toca uma escala simples, mas que terá importância na música. Chamemos de motivo a.


A transição chega aos 1m41s, na forma de um súbito forte das cordas. Beethoven trabalha muito com a alternância entre o piano e o forte, o que causava grande impacto na época. A transição tem um motivo importante, também, aos 1m57s. O motivo b. O segundo tema surge nos oboés (2m12s) e é derivado do motivo a, dos clarinetes. Aos 2m30s esse mesmo tema é repetido, mas em tom menor, nas cordas. Até aqui já tivemos boas doses de surpresa. A exposição da orquestra se conclui com crescendos e melodias iluminadas.


Perceba como as quatro notas do tímpano, lá no comecinho, são frequentemente resgatadas em outros instrumentos (2m59s). Repare também nos violinos repetindo o motivo a (3m26s).


O solista entra de maneira encabulada para fazer sua exposição (a exposição do solista). Ele faz firula até que, aos 4m20s o tímpano chama o primeiro tema para ele competar. Aos 4m41s, novamente as cordas tocam as quatro notas exóticas, que estão relacionadas com o chamado do tímpano, sempre com o violono respondendo com graça. Aos 5m o clarinete faz o seu motivo a, que depois explode levemente na orquestra. Aos 5m16s o violino desenvolve esse motivo a, em tom menor, mas com várias modulações. Ao motivo b é feita uma referência aos 5m34s.


O toque, a articulação e a entonação de Hilary são exemplares, cristalinos, imaculados.


O segundo tema entra aos 5m54s nas madeiras, mas logo é repetido pelo violino solista em registro agudo, delicadamente. Repare no fraseado da violinista, com sutis rubatos, acelerandos e ritardandos. Ele é novamente repetido em tom menor (6m16s) com modulações que nos levam às quatro notas exóticas (modificadas) (6m46s).


A conclusão da exposição do solista é similar à da orquestra, mas com ornamentações do violino principal. Repare na discreta aparição das quatro notas do tímpano, não no tímpano, mas nos violinos ripieno (8m).


O desenvolvimento começa aos 8m18s, com o solista fazendo trinados sobre as repetições das quatro notas nas outras cordas. Aos 8m56s temos um desenvolvimento do motivo da transição. O segundo tema começa a ser desenvolvido aos 9m26s pelos clarinetes e oboés, seguidos, depois, por toda a orquestra.


Aos 11m, depois de um certo silêncio, o violino principal faz novamente uma entrada, muito parecida com a primeira, apenas com algumas alterações (em outro tom). O primeiro tema finalmente é desenvolvido (11m36s), mas assumindo um outro caráter, mais melancólico, quase angustiado. Repare que o desenvolvimento trabalhou primeiro a ideia das 4 notas, depois o segundo tema e, só depois, o primeiro tema.


Aos 12m46s temos esse lindo devaneio. Lentamente, o compositor vai nos preparando para voltar ao começo, fazendo a recapitulação.


A recapitulação começa aos 14m29s, e envolve a orquestra inteira, em tom de triunfo. O segundo tema surge docemente nas madeiras (16m20s) e, depois, no violino solo. É repetido em tom menor pelas cordas (16m42s) sob ornamentos do solista. A orquestra começa a se preparar para deixar de tocar, entregando ao solista o momento da cadência.


Existem várias cadências para este concerto, o solista deverá escolher qual. Hilary toca a de Fritz Kreisler, uma das mais comuns (19m45s). Beethoven não escreveu essa, deixando os compassos em branco. A cadência de Kreisler é muito difícil, exigindo domínio de cordas simultâneas, acordes, trinados encadeados com outras melodias, controle da velocidade e domínio da expressividade.


Após a volta da orquestra, temos o coda, que finaliza o movimento de forma assertiva. Os 25 minutos se passaram com um domínio absoluto da forma pelo compositor: não tivemos repetições desnecessárias e ouvimos uma variedade enorme de temas e das mais diversas manupulações destes.


O público aplaude porque é Hilary Hahn, e ela tocou perfeito. Às vezes, isso justifica aplausos entre os movimentos.


2º Movimento - Larghetto (25m13s)


O lindíssimo segundo movimento consiste em uma série de variações sobre um tema em forma de cantilena (uma melodia longa), que aparece logo no início, nas cordas (25m13s). O tema é repetido pelas trompas, seguidas pelos clarinetes (26m11s) com ornamentações do violino e repleto de pausas dramáticas; depois, pelos fagotes (27m11s), o violino também fazendo fraseados graciosos. Agora (28m15s) a orquestra repete o tema em forte, com surdina e sem a presença do violino solo.


O violino faz uma série de firulas que anunciam o segundo tema (29m45s). Esta divagação é breve, logo entra o primeiro tema em pizzicato nas cordas (30m42s), com a ajuda do solista. Este sutil momento é da mais pura beleza e inspiração.


O movimento vai, aos poucos, se fragmentando, dissolvendo, e acaba ligando diretamente ao terceiro, com uma intervenção dramática e inesperada da orquestra.


3º Movimento - Rondo. Allegro (34m24s)


O terceiro movimento é um Rondó, o que significa que ele tem um tema a que fica se alternando com outros, em um esquema A-B-A-C-A-D-A etc. De caráter mais alegre e sossegado, o movimento é leve, se comparado aos outros dois, mas dá à obra o que ela precisa: momentos de virtuosismo do violino principal e belas melodias.


Considerações finais


O concerto foi estreiado, como já comentado, em condições longe das ideais. O solista foi Franz Clement, no Theater An der Wien, o mesmo que vira a estreia do singspiel de Mozart A Flauta Mágica.


O concerto é contemporâneo da e da 6ª Sinfonias, do 4º Concerto para Piano e da Sonata "Appassionata".


Está no repertório de todos os grandes violinistas, desde antes da época das gravações. Beethoven fez uma versão para piano desse concerto. Aliás, para piano e orquestra. Mas quase não é tocada e foi pouquíssimo gravada.


O concerto trouxe várias inovações, a começar pelas notas repetidas pelo tímpano. Não era comum um instrumento de percussão ter importância temática numa obra. Várias vezes somos surpreendidos por notas e encadeamentos de acordes inovadores. A orquestra é tão importante quanto o solista. E a duração e magnitude do projeto são sem precedentes.


Gravações importantes


São muitas, pois o concerto permite uma variedade de intepretações.


- Lisa Batiashvili, tocando e regendo a Deutsche Kammerphilharmonie Bremen - Essa orquestra tem um som único, ideal para peças do começo do romantismo. A começar pelo fato de não ter muitos instrumentistas de cordas, é uma orquestra de câmara. A sonoridade acaba sendo inusitada e muito interessante. Lisa é uma violinista do calibre de Hilary Hahn, um verdadeiro gênio, uma intérprete mágica. A gravação é de 2008.


- Leonidas Kavakos, também tocando a parte solista e regendo a Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara - Outro (relativamente) jovem gênio do violino, o grego Leonidas Kavakos lançou essa preciosa gravação em 2019.


- Vadim Repin, com a Filarmônica de Viena, sob a batuta de Riccardo Muti - Uma versão bem convencional, mas extremamente bem tocada. Repin é um dos grandes violinistas da atualidade, e gravou esse concerto em 2007.


- Midori, com a Orquestra Festival de Cordas de Lucerna, regida por Daniel Dodds - Essa gravação é cheia de virtudes, a começar pela sonoridade sempre envolvente de Midori. Ela não precisa tocar sempre forte, seu som se adequa a cada situação co perfeição. A orquestra, também diminuta, está muito bem. Foi lançado em 2020.


- Hilary Hahn, com a Orquestra Sinfônica de Blatimore, regida por David Zinman - Gravado em 1999, quando Hilary tinha apenas 20 anos, o disco mostra a maturidade e precocidade desse que é o maior fenônomeno do violino nos nossos tempos. Não faz diferença se ela tinha 20 ou 40, como na gravação acima, tudo é perfeito, o fraseado, a musicalidade em geral.


- Gil Shaham, com a orquestra The Knights, regida por Eric Jacobsen - É uma interpretação bem moderna, ou seja não é tão romantizada, é mais rápida e a orquestra é consideravelmente menor. E o resultado é espetacular, embora, paradoxalmente, possa soar meio barulhento. Foi lançada em 2021.


- Itzak Perlman, com Carlo Maria Giulini regendo a Orquestra Philharmonia - As versões de Giulini sempre têm seu som especial (e seus andamentos lentamente especiais). Perlman toca esse concerto desde criança, e essa é sua melhor gravação dele. É de 1980.


Das versões antigas, quatro me interessam:


- David Oistrakh, com André Kluytens e a Orquestra Nacional da Rádio França - Uma versão grandiosa e apaixonada, com um dos maiores regentes e um dos maiores violinistas do século XX. É de 1959.


- Leonid Kogan, com a Orquestra do Conservatório de Paris, sob Constantin Silvestri - Outra gravação maravilhosa. Kogan tem domínio completo da partitura. Também de 1959. O Spotify (acho que é o Spotify) faz uns discos que se chamam Compare 2 Versions, em que colocam 2 interpretações lado a lado para a gente comparar. Essa de Leonid Kogan e David Oistrakh é uma delas.


- Jasha Heifetz, com a Orquestra Sinfônica de Boston, regida por Charles Munch - Essa gravação de 1955 mostra por que Heifetz é o maior violinista que já viveu. Seu som é perfeito, articulações impecáveis, controle. Tudo é perfeito. E o acompanhamento de luxo da Sonfônica de Boston com Munch é imperdível. É a versão ideal, dentre as antigas.


- Arthur Grumiaux, com a Royal Concertgebouw, regida por Sir Colin Davis - Um dos meus violinistas e orquestra favoritos. A gravação, de 1974, está muito boa. Grumiaux já está mais velho, o som treme um pouco, mas a execução expressiva da obra é impecável. Tecnicamente também não dá para dizer que ele se sai mal.

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