O concerto para violino é o que tem mais tradição depois do concerto para piano. Trata-se de uma forma: é uma obra, geralmente em três movimentos, com um violino principal e a orquestra dialogando entre si. Na verdade, como o violino é mais antigo que o piano, temos muitos concertos barrocos, como os de Tartini, Locatelli e Vivaldi. As 4 Estações são concertos para violino de Vivaldi. Com Mozart, no classicismo, o concerto para violino começou a ganhar sua forma definitiva, culminando no enorme e célebre Concerto para Violino de Beethoven.
Os 10 que eu listo abaixo são realmente Top 10 na minha humilde, modesta e servil opinião. O que não impede que depois eu faça o Top 20 a 10. E depois vou falar sobre cada um individualmente.
Johann Sebastian Bach (1685-1750) - Concerto Nº 2 em Mi, BWV 1042 (1723)
Aí em cima temos a violinista Hilary Hahn. Acostumem-se com ela, porque eu vou indicar muita coisa dela aqui. É um fenômeno.
Esse Concerto para Violino em Mi maior de Johann Sebastian Bach, de 1723, é a coisa mais linda. É extremamente conhecido, tem três movimentos e a orquestra só contém cordas. Na época era prática comum a divisão entre instrumento solista e orquestra não ser tão forte, de modo que o violino solo também toca junto ao ripieno (o conjunto completo). Os movimentos são:
Allegro - o mais conhecido;
Adagio (8m7s) - como uma lenta sarabanda;
Allegro Assai (14m51s) - um finale alegre e belo.
Gravação recomendada: Orquestra de Câmara de Los Angeles (Los Angeles Chamber Orchestra), regente: Jeffrey Kahane, violino: Hilary Hahn
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) - Concerto Nº 3, KV 216 (1775)
Composto por Wolfgang Amadeus Mozart aos 19 anos, o Concerto para Violino em Sol é o terceiro de 5. Os concertos para violino de mozart são adorados, quase tanto quanto os para piano (esses, são 27). Aqui já temos uma separação bem forte entre o violino solo e os violinos do ripieno.
O segundo movimento (10m40s) é uma beleza. Acho que o Papa está assistindo a esse concerto do vídeo. Tem um cardeal que não para de folhear uma revista ou iPad. Ao som de Mozart, ainda mais com Hilary Hahn e Gustavo Dudamel. Sacrilégio!
Na obra temos também a inclusão dos sopros, que são muito bem utilizados pelo jovem compositor.
Gravação recomendada: Orchestra Mozart, regente: Claudio Abbado, violino: Giuliano Carmignola
Ludwig van Beethoven (1770-1827) - Concerto em Ré, Op. 61 (1806)
O Concerto para Violino em Ré, de Ludwig van Beethoven, estabeleceu uma tradição: a partir de agora, concertos para violino poderiam ser peças longas além da conta, profundas e extremamente difíceis. O primeiro movimento tem mais de 20 min. Os outros 2 são mais curtos.
E a partir daqui a orquestra cresceu. A orquestra de Beethoven é chamada de Orquestra Romântica, geralmente tem 14 primeiros violinos, 12 segundos violinos, 10 violas, 10 violoncelos, 6-8 contrabaixos; 2 flautas, 2 clarinetes, 2 oboés, 2 fagotes, 2-4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones e tímpanos. Ao longo do romantismo (Séc. XIX) e principalmente no século XX, ela foi crescendo mais ainda.
O segundo movimento (25m13s) é um belíssimo Larghetto em que o lindo tema é tocado primeiro nas cordas em surdina; depois nas trompas, que é quando entra o violino solo fazendo pequenos comentários; depois no clarinete e, então, no fagote. A orquestra faz, então, em tutti (todos os instrumentos) mais uma afirmação do tema (4ª vez) e o violino solo volta para fazer. É um lindíssimo diálogo entre o solista e a orquestra que, eventualmente, desemboca no terceiro movimento (34m24s). Este é um rondó divertido.
Gravação recomendada: Deutsche Kammerphilharmonie de Bremen, regência e violino: Lisa Batiashvili
Félix Mendelssohn (1809-1849) - Concerto em Mi menor, Op. 64 (1844)
Esse é o concerto que está no coração de todo violinista. De todos dessa lista, tem 5 que são realmente os mais gravados: Beethoven, Mendelssohn, Brahms, Tchaikovsky e Sibelius. Cada um tem sua característica. O de Felix Mendelssohn é o queridinho. A melodia com que abre é tão familiar, tão bela, de uma tristeza tão bonita. Parece música judia (eu não sei por quê, já que não conheço música dos judeus, mas tem um sabor), e de fato, ele era judeu. O que deu um problemão, porque Wagner, o germânico, o considerava um forasteiro e blá blá blá. Isso evoluiu até a maior das tragédias, o Holocausto (não que Wagner, morto muito antes, tenha nada a ver, mas os nazistas usavam a música dele para propaganda e desprezavam Mendelssohn).
John Williams, ao fazer a trilha sonora de "A Lista de Schindler", não citou diretamente o concerto de Mendelssohn, mas o clima geral da trilha e o uso de um violino solo (tocado por Itzhak Perlman) evocam certamente a peça.
Gravação recomendada: Orquestra do Concertgebouw de Amsterdã (Concertgebouworkest), regente: Bernard Haitink, violino: Itzhak Perlman
Johannes Brahms (1833 - 1897) - Concerto em Ré, Op. 77 (1878)
Outro que teve problemas com Wagner, embora não pessoalmente. Acontece que os amantes da música, no final do século XIX se dividiram em duas facções. Os admiradores de Brahms (mais tradicional) e os de Wagner (mais de vanguarda). Os compositores mesmo se admiravam mutuamente, mas os fãs, foi briga feia. Farei um post ainda sobre isso.
O Concerto em Ré, de Johannes Brahms não é o único aqui nessa tonalidade. Acho que tem algo a ver com a facilidade que é escrever para violino nesse tom. A penúltima corda é um ré, e a última, um sol, que é a subdominante.
É dedicado ao virtuose Joseph Joachim, que escreveu a dificílima cadência. O primeiro movimento é majestoso, mesmo sendo plácido. É monumental como o de Beethoven. Aliás, no concerto de estréia foi tocado depois do de Beethoven, para desagrado de Brahms, que achava que a noite teria muito ré maior. O segundo movimento é belíssimo, anunciado pela incrível melodia do oboé. Do terceiro eu, particularmente não gosto. Muito barulhento. Mas é apropriado.
Os críticos elegeram a obra como "intocável" (Wieniawsky), "concerto contra o violino" (Bülow) e acusaram de a única melodia estar com o oboé (Sarasate). Mas hoje o concerto é uma catedral, diante da qual todos se curvam.
Gravação recomendada: Orquestra do Gewandhaus de Leipzig (Gewandhausorchester), regente: Riccardo Chailly, violino: Leonidas Kavakos
Pyotr Tchaikovsky (1840-1893) - Concerto em Ré, Op. 35 (1878)
Esse Concerto em Ré de Tchaikovsky também é muito difícil. Composto no mesmo ano do de Brahms, é outro que todo violinista de carreira grava. Extremamente agradável para o ouvinte, é de matar para o solista. De quando começa a cadência até o fim do primeiro movimento, o músico não para. Um crítico chegou a dizer que o violino não é tocado, mas "espancado até ficar roxo" (Hanslick). O segundo movimento é charmoso, melódico, carinhoso, típico de Tchaikovsky. O finale é formidável. Aqui o violinista também é usado ao extremo, e várias técnicas são empregadas.
Gravação recomendada: Orquestra de Câmara Mahler (Mahler Chmaber Orchestra), regente: Daniel Harding, violino: Janine Jansen
Camille Saint-Saëns (1835-1921) - Concerto Nº 3 em Lá menor, Op. 61 (1880)
Camille Saint-Saëns era um garoto promissor. Mas muito promissor, mesmo. Com dois aninhos ele já manifestava evidências de ter ouvido absoluto e tirava melodias ao piano de ouvido. Um prodígio. Isso de certa forma o afetou negativamente. Porque se esperava dele um grande compositor das sinfonias e óperas mais geniais. Li em algum lugar que ele era, em termos de talento bruto, até mais impressionante que Mozart e Mendelssohn.
Mas ele ficou tão marcado com essa coisa de criança prodígio que o fato é que ele nunca conseguiria suprir as expectativas do público. Ele é conhecido pela sua bela Sinfonia Nº 3, pelo Carnaval dos Animais (uma super divertida e criativa suíte de câmara) e por este concerto para violino, dentre outras coisas.
Eu ainda acho que ele é injustiçado. Mais obras suas deveriam vir à tona, pois era um compositor espetacular. Mas também não dá pra dizer que ele é um compositor esquecido: ele é considerado um dos grandes. Mas são poucas as suas obras que entraram realmente no repertório tradicional.
O 3º é um dos concertos favoritos dos violinistas. Eu o acho misterioso, elegante e eloquente. Por incrível que pareça, é o menos difícil dos três do compositor. Este é mais atento à estrutura e à beleza melódica do que às dificuldades técnicas. O segundo movimento (9m30s) é lindíssimo. E o terceiro (17m40s) é maravilhoso.
Gravação recomendada: Orquestra De Paris (Orchestre de Paris), regente: Daniel Barenboim, violino: Itzhak Perlman
Jean Sibelius (1865 - 1957) - Concerto em Ré menor, Op. 47 (1904)
O finlandês Jean Sibelius é um dos mais importantes compositores, especialmente de música sinfônica. São 7 sinfonias, vários poemas sinfônicos (como Finlândia) e este Concerto para Violino. É uma obra de elevação, quase transcendental, como Sibelius sabia ser.
Ele começa etéreo, como se estivéssemos no mundo do silêncio, tentando delicadamente quebrá-lo. É um concerto virtuosístico, mas sempre a serviço da música: não há exibição gratuita do violino. A cadência (8m46s) gigantesca consegue evidenciar a técnica do instrumentista sem quebrar o clima. Aos 19m30s temos o belo segundo movimento e aos 28m46s, o terceiro.
Gravação recomendada: Orquestra Sinfônica da Rádio Sueca (Swedish Radio Symphony Orchestra), regente: Esa-Pekka Salonen, violino: Hilary Hahn
* Mas escutem a gravação histórica de: Orquestra Philharmonia (Philharmonia Orchestra), regente: Walter Susskind, violino: Ginette Neveu
Edward Elgar (1857-1934) - Concerto em Si menor, Op. 61 (1910)
Feito sob encomenda do lendário violinista Fritz Kreisler, que chegou a dar uns retoques na parte do violino (era comum compositores pedirem aconselhamento técnico aos violinistas a quem a obra era dedicada, como arcadas, dedilhados etc.). Fritz nos deixou algumas gravações de vários concertos dessa lista. Mas, até onde eu sei, não desse.
Compositor largamente responsável pelo renascimento da música inglesa, Edward Elgar é hoje conhecido pelas trancendentais Variações Enigma e pelas marchas Pompa e Circunstância (tem coisa mais inglesa que esse título? Parece nome de livro da Jane Austen). A primeira dessas marchas é muito usada como música de formatura, especialmente nos Estados Unidos.
Seu concerto para violino é dos mais difíceis, e é altamente respeitado. Abusa de cruzamentos de corda, de cordas duplas ou triplas e cordas duplas em harmônico. O segundo movimento (17m54s) é britanicamente lindo. O terceiro movimento (aos 28m23s), longo para um finale, é o mais brilhante.
Numa das primeiras gravações, Elgar regeu a Orquestra Sinfônica de Londres e o jovem Yehudi Menuhin tocou a parte solista. É de 1932.
Gravação recomendada: Orquestra Sinfônica de Londres (London Symphony), regente: Colin Davis, violino: Hilary Hahn
Dmitri Shostakovich (1891 - 1953) - Concerto Nº 1 em Lá menor, Op. 77 (1948)
Acima, no vídeo, temos a impressionante Hilary Hahn tocando este concerto com Mariss Jansons e a Filarmônica de Berlim. Você pode achar essa gravação com melhor qualidade no app Digital Concerthall, da Filarmônica, que disponibiliza vários vídeos de concertos ao longo do século XX e XXI. Eu recomendo, mas é pago. Em Euro. Várias gravações que eu indiquei aqui são com Hilary, que, ao lado de Leonidas Kavakos é a minha violinista favorita.
O Concerto Nº 1 de Dmitri Schostakovich foi dedicado ao violinista David Oistrakh, em 1948, que o estreou com Evgeny Mravinsky regendo a Filarmônica de Leningrado. Oistrakh também deu conselhos ao compositor sobre a parte técnica do insrtumento.
É uma obra maravilhosa. Shostakovich escreveu pares de concertos: 2 para piano, 2 para violino e 2 para violoncelo. Sistematicamente, são considerados mais bem acabados os primeiros. Concordo, principalmente dos de violino e violoncelo.
O primeiro movimento é ameaçador, crescendo aos poucos, tomando forma, daquela maneira meio industrial de Shostakovich. O segundo, Scherzo, (13m29s) foi descrito como demoníaco pelo violinista. O terceiro (19m37s), também é eloquente. É uma Passacaglia, que é uma forma em que o compositor apresenta uma linha de baixo, ou então acordes, e sobre ela faz variações. Aos 28m58s temos a longa cadência, que começa gelada e vai ganhando firmeza. O 4º movimento (34m07s) é uma Burlesque curta e dificílima.
Gravação recomendada: Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara (Bavaraian Radio Symphony Orchestra), regente: Esa-Pekka Salonen, violino: Lisa Batiashvili
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