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Foto do escritorRafael Torres

Villa-Lobos - As Bachianas Nº 3 - Análise

Uma das mais ricas de todos as nove peças chamadas Bachianas Brasileiras, a é um forte recado ecológico. Villa-Lobos amava profundamente as florestas, o sertão, o folclore. Aqui ele retrata os bichos da mata, assim como sua exuberância e encanto.

Heitor Villa-Lobos
Heitor Villa-Lobos

Heitor Villa-Lobos era um compositor da corrente nacionalista brasileira. Isso não significa que ignorava o que se passava na Música Moderna do mundo. Na verdade, para ser nacionalista, você tem que estar ligado a todos os movimentos nacionalistas do mundo. E em 1917, quando o compositor Darius Milhaud veio ao Brasil para um cargo diplomático, ele apresentou a Heitor todos os avanços da música francesa de então, com Claude Debussy, Maurice Ravel, Eric Satie e outras coisas que se desenrolavam na França, como a música de Igor Stravinsky e Sergei Prokofiev.

No ano seguinte, Villa conhece outro músico de renome internacional: o pianista polonês Arthur Rubinstein, de quem se tornaria amigo e admirador, dedicando-lhe o seu Rudepoêma (que o tomaria 5 anos de trabalho). Rubinstein estrearia o Rudepoêma, mas nunca o gravaria. Trata-se de uma obra de 18 minutos para piano (mas tem uma versão para piano e orquestra). Falo dele em um post dedicado. Mas o fato é que Villa-Lobos, no começo dos anos 20 estava ficando muito conhecido, como vemos por sua participação na Semana de Arte Moderna de 22.


A fase seguinte, justamente na Era Vargas (1930-45) ele resolveu homenagear seu compositor favorito, Johann Sebastian Bach. E como ele o fez? Compôs 9 peças, a maioria com mais de um movimento, num estilo melódico e harmônico que lembram perfeitamente Bach. A , belíssima, tem seu primeiro tema inspirado no Thema Regium, um famoso tema utilizado por Bach na sua Oferenda Musical.


Mas estamos aqui para falar das Bachianas Brasileiras Nº 3. De 1934-38, foi estreada em Nova Iorque, com Villa-Lobos regendo e José Vieira Brandão ao piano, mas só em 1947. Sim, a obra é para piano e orquestra. Mas não é concertante, ou seja, o piano não se destaca demasiado, comportando-se mais como um integrante da orquestra.


Abaixo, uma interpretação da Orquestra Nacional Húngara, sob a regência de Zoltán Kocsis, que foi ele mesmo um pianista excepcional, e Jean Louis Steuerman ao piano. A gravação não está boa, a orquestra parece mal ensaiada, portanto, não desanime, procure ouvir as gravações que eu vou recomendar abaixo.


A obra tem 4 movimentos e a escrita orquestral comporta:

2 Flautas

1 Flautim

2 Oboés

1 Corne Inglês

2 Clarinetes

1 Clarone (Clarinete Baixo)

2 Fagotes

1 Contrafagote

4 Trompas

2 Trompetes

4 Trombones

1 Tuba

Tambores

Xilofone

Piano

Violinos I

Violinos II

Violas

Violoncelos

Contrabaixos


1. Prelúdio (Ponteio) - Adagio (38s)

Ponteio e prelúdio são a mesma coisa: o primeiro na nomeclatura brasileira, o segundo, na de Bach e dos compositores eruditos.


A música começa um tanto agitada, para ser um adagio. O piano já mostra que, se não vai ser a estrela da música, vai ser o instrumento, digamos, de confiança do compositor.


O primeiro tema, nas violas e no 1º fagote (1m16s) já é Bachiano, com o piano fazendo pequenos incisos como acompanhamento. Em 1m54s os violinos fazem uma melodia que vai ser importante, com o piano fazendo o primeiro tema. A atmosfera empolgante, selvagem e encantadora já aparece desde os primeiros acordes. A orquestração é o puro caos do Villa-Lobos, estranha, mas muito criativa.


2. Fantasia (Devaneio) - Allegro moderato (7m11s)

Esse lindo movimento começa com acordes em crescendo da orquestra, pontuados por notas simples do piano, que vão fazendo uma bela modulação. O motivo do trompete (7m41s) e o constante diálogo entre piano e orquestra (esse é um movimento um pouco mais concertante) são a tônica dessa parte. Até que uma escala ascendente rápida do 1º clarinete (8m32s) leva a música à calma. Essa parte é dominada primeiramente pelo clarinete, as cordas fazendo uma harmonia baseada no ciclo das quintas. O piano reassume (9m09s) e vai fazendo uma progressão.


O auge da música é uma explosão (10m33s) que, depois vai se acalmando. Aí tem início um belo trio (11m05s), com o corne inglês, clarone e as cordas. Esse mesmo trecho é repetido (11m38s) com uma instrumentação diferente: violoncelos, trompas e fagotes. E depois, transfigurado por toda a orquestra (12m22s), com acordes que imitam os pássaros e os sons da selva. Claro, os sons da floresta não produzem consonância, mas dissonância.


3. Ária - Modinha - Largo (13m37s)

Repare na melodia da flauta, acima da do corne inglês. É como se o corne fosse ao mesmo tempo melodia principal e acompanhamento dessa cantilena da flauta. Não é a primeira vez que Villa-Lobos faz isso. A harmonia fica lindíssima na trompa, fagote e contrafagote. Aí, aos 14m18s o clarinete ataca essa belíssima melodia Bachiana sobre uma nota pedal nos contrabaixos, violoncelos e clarone.


Quando o piano entra, aos 14m47s, é para fazer uma linha ascendente que vai tensionando até liberar com o belo tema das cordas (15m09s). O trombone (15m48s), com sua frase interrompida, é de uma nobreza sem dó.


Começa então um desenvolvimento do tema (16m47s) nas madeiras e no piano, sob acordes pontuados das cordas. Aos 18m24s temos o retorno da melodia do corne inglês, só que nas flautas e cordas, com vários contracantos remetentes ao restante do movimento. O clarinete recomeça (19m26s) com o tema do piano, aquele motivo ascendente que leva ao tema de relaxamento, antes nas cordas, agora, ao piano. O movimento tem, então um sutil final.


4. Toccata - Pica-Pau - Allegro (21m06s)

Este movimento se propõe, naturalmente, a nos lembrar um pica-pau. É um alegre allegro (lembrando que allegro significa rápido, não necessariamente alegre). Para isso ele faz uso intenso do xilofone. Os metais e o piano têm uma escrita mais difícil aqui. O tema principal aparece nos violinos (21m45s), e vai aparecer diversas vezes na música. Mais uma vez temos o caos de Villa-Lobos, que é sempre um arroubo de criatividade absurda.


Considerações finais

As Bachianas Nº 3 não são as mais conhecidas. Veja: a Nº 2 tem um movimento que é o famoso "O Trenzinho do Caipira", a de Nº 4 é a mais bela e dolorida, seu primeiro movimento sendo conhecidíssimo (e ele ainda usa o tema de Caicó no último movimento), e a de Nº 5 é aquela cantilena para soprano acompanhada de 8 violoncelos que todo mundo sabe.


Vou escrever sobre todas elas, mas resolvi começar pela de Nº 3 porque é a de que mais gosto. Ela pinta um cenário amazônico perfeito, fruto da imaginação sem limites de Villa-Lobos.


Gravações recomendadas


- Cristina Ortiz ao piano, com a New Philharmonia Orchestra regida por Vladimir Ashkenazy - foi a gravação com que fiquei conhecendo a obra, de forma que é minha favorita. É exuberante, passional e quase extravagante, como deveria. É de 1977.


- Jean Louis Steuerman, com a OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), regida por Roberto Minczuk - é o mesmo pianista do vídeo, mas dessa vez com um acompanhamento mais luxuoso e um som gravado mais preciso. É de 2005. Imperdível!


- José Feghali, com a Sinfônica de Nashville, regida por Kenneth Schermerhorn - uma das mais importantes gravações integrais das Bachianas, com o pianista brasileiro José Feghali na . O som não é muito bom, mas a interpretação é apropriada. De 2005.


- Jorge Federico Ozorio, com a Royal Philharmonic Orchestra, regida por Enrique Bátiz - essa também é uma das mais importantes integrais das Bachianas (a melhor mesmo é da OSESP com Minczuk). Tem mais personalidade do que a de Feghali/Schemerhorn. De 1987.


- Manoel Braune, com a Orquestra da Rádio Francesa, sob regência de Heitor Villa-Lobos - se o som não fosse tão antigo (é dos anos 50) seria minha versão favorita, porque é bem selvagem, mas sem deixar de ser musical. O próprio Villa regendo é maravilhoso.


Gostou de conhecer essa Bachiana Brasileira? Ou seria essas Bachianas Brasileiras? Comente!

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