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  • Foto do escritorRafael Torres

O movimento HIP

Atualizado: 5 de out. de 2020



As chamadas "Performances Historicamente Informadas" (HIP, em inglês) viraram uma realidade no mundo nos anos 60. Nunca houve consenso sobre como denominá-las. Performances autênticas, gravações de época... Por fim, surgiu o nome "Historicamente Informado". Esse é problemático, e você vai saber por quê.


Mas, primeiro, o que é isso, certo? É um tipo de abordagem na interpretação de música mais antiga que busca se parecer mais com o jeito de tocar da época em questão. Sabe-se que a orquestra sinfônica moderna é muito diferente daquela do período barroco (séculos XVII-XVIII), do clássico (século XVIII) e até mesmo do romântico (século XIX). A partir de Beethoven, os compositores começaram a pedir mais instrumentos: 4 clarinetes, 4 flautas, flautim, contrafagote, clarone, tuba, percussões. E pra acompanhar isso tudo, as cordas foram ficando mais numerosas. Hoje, a orquestra "base" tem 16 primeiros violinos, 14 segundos violinos, 12 violas, 10 violoncelos, 8 contrabaixos, 4 flautas (uma podendo ser flautim, ou piccolo), 3 oboés, um corne inglês, 4 clarinetes (um podendo ser clarone ou um clarinete em mi bemol), 4 fagotes (podendo um ser contrafagote), 4 trompas, 4 trompetes, 4 trombones, tuba, tímpanos e percussão.


Isso tudo foi se desenvolvendo num fluxo natural (nos anos 50, tocava-se uma obra barroca, originalmente composta para uma orquestra de 20 músicos, com 60 instrumentistas, que, por sua vez, tocavam em instrumentos modernos muito diferentes dos barrocos), e ninguém se preocupava com o fato de uma orquestra em 1950 soar, especialmente ao tocar música barroca, totalmente diferente do que os compositores imaginaram. Quer dizer, nos anos 60, algumas pessoas começaram a ter essa percepção. Foram atrás de tratados sobre como se tocava violino na época (por exemplo, no barroco) e viram que era muito diferente: segurava-se o arco menos na ponta, vibrava-se menos e, sobre cada frase, ou até cada nota, faziam um desenho em forma de arco. A nota começava fraca, aumentava, diminuía e morria fraca de novo.


Por falar em nota, uma curiosidade: até cerca de 1850 os instrumentos soavam mais graves que os de hoje. Um deles, por exemplo, para nós soaria hoje como um si. E talvez, dependendo da região da Europa, ainda mais grave. Isso porque o sistema de afinação por frequência ainda não estava bem estabelecido. O diapasão, que pra nós toca a nota , antigamente podia tocar um lá bemol ou até um sol bemol. E nas HIP eles mantiveram essa tradição, até porque os instrumentos de madeira (sopros: flauta, oboé, fagote), sendo fisicamente projetados para ser mais graves, não tem o que mexer pra eles ficarem mais agudos. As cordas podem ser afinadas, mas os sopros não - até podem, mas só um pouco.


Então começaram a surgir conjuntos que tocavam com base em estudos não só da sonoridade, como da dialética barroca. Ao empregar flautas, por exemplo, tinham instrumentos da época, ainda de madeira, ou instrumentos novos feitos com a arquitetura exata dos de então. O mesmo com os oboés. O violoncelo não tinha o espigão para apoiar no chão. Em vez disso, repousava graciosamente entre as pernas do instrumentista. Conjuntos inteiros tinham, às vezes, 8 membros. O maestro regia sentado ao cravo (instrumento que então voltou a ser protagonista, tendo sumido com a invenção do mais sofisticado piano).


Podemos voltar ainda mais. Um grupo como o Early Music Consort, da Inglaterra, 1967, tocava música profana medieval. Isso mesmo. Eles têm fantásticos discos, como "Os Triunfos de Maximiliano", "Música das Cruzadas", "Música da Era Gótica", "Instrumentos da Idade Média e da Renascença". O grupo acabou em 1976, com a morte do seu fundador David Munrow, mas o outro fundador, Christopher Hogwood, criou uma orquestra destinada a tocar música barroca, clássica e protorromântica, chamada Academy of Ancient Music. Gravaram as sinfonias e concertos de Mozart, os de Beethoven, além de música de Haydn, Purcell e muitos outros.


Mas talvez o grande nome desse movimento seja o maestro alemão Nikolaus Harnoncourt, fundador da orquestra Concentus Musicus de Viena. Ele tem, não só uma enorme discografia, como alguns livros tidos como importantíssimos. Os dois mais famosos são "O Discurso dos Sons" e "O Diálogo Musical", interessantes até pra quem não é músico.


Outros regentes e conjuntos que podemos destacar: John Eliot Gardiner, fundador do Monteverdi Choir, da Orchestre Révolucionnaire et Romantique e do English Baroque Soloists; Roger Norrington, do London Classical Players; Jos van Immerseel, do Anima Eterna; e Reinhard Goebel, do Musica Antiqua Köln.


O movimento segue firme e forte, se esticando cada vez mais longe pra trás, mas também pra frente: já vi performances historicamente informadas da "Sagração da Primavera", peça de 1913. É a orquestra Les Siècles, com o regente François-Xavier Roth, que se propõe a tocar com os instrumentos apropriados para a época da composição, mesmo que seja só de um século atrás (o resultado do que pode parecer um exagero, é, na verdade, muito legal).


Do HIP, só não me agrada o nome, naturalmente. Porque basicamente dá a entender que maestros e instrumentistas que não aderiram a ele (que são maioria), são historicamente desinformados. Nenhum nome é bom pra esse tipo de movimento, de fato. Se eles chamarem suas gravações de autênticas, os outros hão de ficar bravos com razão. Não o são? Por fim, tem "performance de época". Só que não é de época, ela tenta emular a performance da época.


Eu sou definitivamente contra você ficar corrigindo os outros: não diga assim, diga assim. Portanto, fale como quiser. Eu? Prefiro "gravação com instrumentos de época". É mais ajeitadinho e eu fico sem peso na consciência.

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