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  • Foto do escritorRafael Torres

Bartók - Música para Cordas, Percussão e Celesta

Vocês lembram da 2ª Sinfonia de Arthur Honegger? Ela foi encomendada para o aniversário de 10 anos da Orquestra de Câmera da Basileia, de Paul Sacher. Pois para a mesma orquestra e o mesmo evento, que seria em 1937, Sacher encomendou outra peça para cordas com alta densidade e que se tornaria celebérrima. Até mais que a Sinfonia de Honegger. A Música para Cordas, Percussão e Celesta, de Béla Bartók (1881-1945).

Béla Bartók
Béla Bartók.

A obra


Completada em 1936, pontualíssima, ao contrário da de Honegger, a obra é escrita para uma orquestra de cordas (4 violinos, 2 violas, 2 violoncelos, 2 contrabaixos e harpa - os regentes podem pedir mais de cada instrumento de cordas), percussões (xilofone, caixa clara, pratos, gongo, bombo sinfônico, tímpanos e piano - sim, na orquestra, o piano é um instrumento de percussão) e celesta.


Com quatro movimentos e cerca de 30 minutos de duração, a obra é densa, tensa e horripilante, mesmo que não descreva os eventos militares da Europa de então. Ele foi bem específico na instrumentação, desde a quantidade de cordas que queria, até a disposição deles no palco, com 2 conjuntos de cordas frente a frente e um terceiro, de percussões, mais atrás. Os 30 minutos de duração são desobediência dos regentes de hoje, porque Bartók foi tão metódico que colocou a duração exata de cada movimento na partitura. Era para durar 25m40s.

Música para Cordas, Percussão e Celesta, Bartók
Lindo desenho que um amigo meu fez da organização do palco.
Manuscrito Música para Cordas Percussão e Celesta Bartók
O organizado e legível manuscrito da peça.

Abaixo, o sensacional regente russo Vassily Petrenko conduz a Filarmônica de Oslo.


I. Andante tranquillo (11s)


A peça começa com as cordas em surdina fazendo uma fuga que, por sua vez, começa na nota Lá. À medida em que os instrumentos vão entrando, a textura vai ganhando corpo, a tessitura vai se alargando, os emaranhamentos complexos de notas se enriquecendo e a dinâmica vai ficando mais forte. Tudo bem gradual. Os tímpanos entram sutilmente aos 3m56s. O ápice do movimento é na nota Mi Bemol (6m07s) que é a nota mais distante possível de Lá, ou seja, seu trítono. Esse mi bemol fica lá como um drone por um tempo, até que a textura vai afinando de novo e tudo volta à quietude.


Aos 8m28s a celesta começa a fazer arpejos ornamentais, ou seja, não contribuem na fuga, mas no ambiente sonoro. As cordas, já sem surdina, mas ainda em piano (p - piano significa fraco), terminam o movimento tocando uma inversão do segundo sujeito do tema misturada com o primeiro sujeito do mesmo. Os cruzamentos são meticulosamente calculados, de forma que, durante o movimento, os instrumentos partiram da mesma nota (o Lá), foram se distanciando, trabalhando em uma tessitura maior, até que voltam gradualmente à mesma nota.


II. Allegro (10m30s)


De natureza bem mais percussiva, esse movimento inicia com o piano. E o piano tem destaque, especialmente no final do movimento (a partir de 17m25s). As cordas trabalham bastante em pizzicato. Aos 11m29s a peça adquire um caráter de dança, mais jovial, mas logo volta ao seu comportamento mais adoidado. Repare, aos 13m09s, que o tímpano faz um glissando, isto é, liga uma nota a outra, fazendo uma subidinha. As cordas fazem um trecho em pizzicato, enquanto as percussões melódicas dominam a melodia. Depois, temos mais pizzicati (ou pizzicatos), quando o movimento fica mais calmo. Começando no violoncelo, um novo tema vai se espalhando pelas cordas até que se revela o primeiro tema novamente. Mais dinâmico e menos complexo, esse movimento termina com o piano aparecendo quase como um solista.


III. Adagio (18m24s)


Começando com o xilofone, esse movimento é um "noturno de Bartók". Por falar nisso, preciso contar pra vocês o quão revolucionário ele foi. Existem técnicas instrumentais que devemos a ele, como o pizzicato de Bartók, que é mais agressivo que o normal; o uso dos glissandos no tímpano (18m40s) também está muito associado a ele. Aos 18m51s aparece, nas cordas, o primeiro tema.


Os gestos musicais parecem arbitrários. Aos 20m19s ouvimos uma lembrança do tema da fuga do 1º movimento. Aos 20m46s temos a aparição do segundo tema, na celesta e nos violinos em harmônicos. Vale lembrar que todos os temas estão matematicamente ligados, desde o primeiro até o último movimento.


Três acordes do piano (a partir de 21m29s) parecem acordar a orquestra, fazendo voltar vultos de temas anteriores. Observe os glissandos do piano e da celesta (21m53s). Acompanhados pelos tremolos das cordas, criam uma atmosfera mágica, num crescendo magnífico. A alternância entre trechos fortes e pianos (22m56s) é bem típica de Bartók, como veremos em uma futura análise de O Mandarim Miraculoso, do Concerto para Orquestra e dos três Concertos para Piano e Orquestra. Na exata marca de 23 minutos você pode observar os contrabaixos fazendo o pizzicato de Bartók. Note que, em vez de tocar suavemente com a unha, o músico pinça, puxando a corda para o alto e soltando, produzindo um som percussivo.


Os vultos temáticos fantasmagóricos voltam, assim como os arpejos da celesta e do piano, os glissandos dos tímpanos e as notas repetidas do xilofone.


IV. Allegro molto (26m05s)


Misturando toques das cordas em pizzicato e com arco, esse movimento tem um caráter dançante, como a música folclórica da hungria, de que Bartók era estudioso. Na verdade, é um compêndio de pequenas danças, com ritmos marcados e delineados. Mas nenhuma nota é em vão. Nenhuma delas está fora do esquema matemático (que envolve até a Sequência de Fibonacci) de Bartók.


A obra é dificílima de tocar e reger. Mesmo que um instrumento passe um bom tempo sem tocar, tem que saber a hora exata em que ele volta, com que intensidade e com que intenção.


Aos 30m46s o tema da fuga do 1º movimento volta nas cordas e a música volta a ficar menos percussiva. A dinâmica e a textura vai caindo lentamente até que o movimento vai morrendo em uma confusão de notas. Um solo de violoncelo (a partir de 32m) parece reativar a sessão ritmada do movimento, e ele termina de maneira assertiva. No final da peça, o tocador de celesta se levanta e passa a tocar o outro piano (ou um piano a 4 mãos).


Considerações finais


Trata-se de música altamente complexa e estruturalmente calculada, difícil de tocar e com uma carga emocional embutida na sua equação matemática. Todas as orquestras de primeira categoria a têm no repertório. Além disso, foi gravada inúmeras vezes e, geralmente, muito bem.


Gravações recomendadas


- Susanna Mälkki, regendo a Filarmônica de Helsinki - Uma versão saindo do forno, de 2021, a de Susanna Mälkki já causou uma ótima impressão na crítica. É definitivamente uma interpretação feroz de uma regente genial que vai despontando como uma das maiores da atualidade nesse tipo de música.


- Georg Solti, com a Sinfônica de Londres - Solti deve ter gravado a obra umas 5 vezes. Lembro dessa Sinfônica de Londres, uma com a Filarmônica de Londres e com a Sinfônica de Chicago. Mas essa com a Sinfônica de Londres, de 1963, é a mais arrepiante. De origem húngara, assim como o compositor, o maestro se sente extremamente confortável regendo Bartók.


- Antal Dorati, regendo a Sinfônica de Detroit - Dorati vem nos trazer a versão desatinada, descontrolada da obra. Pouco se lixando para o refinamento sonoro, o que conta aqui é a volúpia e bravura com que a orquestra toca. A gravação é de 1983.


- Christoph von Dohnányi, com a Orquestra de Cleveland - Dohnányi teve uma passagem muito profícua por Cleveland. Saíram várias gravações importantes, e essa, sem dúvida é uma delas. É de 1995.

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