top of page
  • Foto do escritorRafael Torres

Tchaikovsky - Sinfonia Nº 6 "Pathétique" - Análise

Atualizado: 16 de nov. de 2021

Será possível deixar um recado profundamente perturbador com uma música? O compositor russo Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1841-1893) certamente achava que sim. Ele concebeu uma grande sinfonia, sua última, aliás, sua última obra, como uma espécie de declaração.


A música na Rússia no século XIX, se formos reduzir bem ao mínimo, começa com Mikhail Glinka (obviamente houve compositores antes dele, mas ele foi o pai da música erudita com raíses, de fato, calcadas naquele país), seguido pelo Grupo dos Cinco (Mussorgsky, Balakirev, Cui, Rimsky-Korsakov e Borodin) e o que podemos chamar de compositores soltos. Anton Rubinstein, Sergei Taneyev e o próprio Tchaikovsky. Na verdade houve outros compositores que atingiram fama internacional, como Arensky ou, posteriormente Rachmaninoff e Medtner.


De todos, os mais famosos foram ele e Rachmaninoff, seu protegido. O prestígio que ele tinha como compositor era sem precedentes na Rússia. E sua carreira no exterior era igualmente imponente.


Sobretudo sua ópera Eugene Onegin, seus balés O Lago dos Cisnes, O Quebra-Nozes, seu 1º Concerto para Piano e suas 4 primeiras sinfonias, eram celebrados como obras primas de um compositor inspirado. O melodista Pyotr Tchaikovsky.


Mas a vida dele era conturbada. Observe, a mãe dele morreu de cólera na sua adolescência. Ele noivou uma vez, mas foi abandonado quando ela descobriu que ele era homossexual. Casou com outra mulher, mas simplesmente fugiu após um mês e meio. Apaixonou-se por um dos seus alunos, que vinha a ser seu sobrinho.


Acontece que ser gay no século XIX não era bom. Existem documentos que mostram que ele foi submetido a "uma corte de honra" - seria julgado por colegas, para não passar pela humilhação e exposição de ser julgado pelo Czar - por seu comportamento. O resultado do julgamento é desconhecido - uma testemunha diz que ele saiu da sala pálido e sem palavras. Existe a possibilidade de que ele tenha sido condenado a se matar. Outros acreditam que ele se matou por se sentir sufocado pela sociedade. Alguns dizem que ele não se matou. Foi tudo um acidente. Mas, como veremos, houve, no mínimo, negligência com sua saúde por parte dele mesmo. E o fato de que sofria de depressão clínica.


Os fatos são os seguintes:

- Ele era gay e depressivo;

- Ele foi a esse julgamento;

- A Sexta Sinfonia, sua última obra, tem fortes indícios de ser uma carta de despedida;

- Ele dizia que queria chamar a obra de Sinfonia Programática, mas não devia revelar o programa;

- Modest Tchaikovsky, seu irmão, sugeriu o título Pateticheskaya, que foi erroneamente traduzido para o francês "Pathétique", que quer dizer trágico;

- Na verdade, a tradução mais correta seria Sinfonia Sentimental, ou Sinfonia Emocional;

- É uma obra carregada de símbolos e conotações. É realmente uma jornada emocional;

- Dias depois da estréia, em São Petersburgo, após uma ópera, foi com amigos a um restaurante e pediu um copo de água gelada;

- Estavam no meio de uma epidemia de cólera (a mesma doença que havia matado sua mãe), por isso, era proibido servir água não fervida;

- O garçom avisou que não tinha, mas Tchaikovsky pediu água não fervida mesmo;

- Alertaram-no para não beber do copo, mas ele disse "não tenho medo de cólera", e bebeu;

- Modest conta uma história um pouco diferente, que também pode ser verdade: dias antes ele havia posto água da pia num copo, para alguma finalidade, e o posto em cima da mesa. Tchaikovsky teria propositalmente bebido deste copo;

- De qualquer forma, ele foi de fato ao restaurante (mas muitos estranham que lá não tivesse água fervida e nem mineral, corroborando a história de Modest);

- No dia seguinte, seu irmão o encontrou acamado, com dores no estômago e diarréia;

- Ele não aceitou que chamassem médicos;

- 5 dias depois, em 6 de novembro de 1893, estava morto.


A Sinfonia


Abaixo, o maestro Lionel Bringuier regendo a Orquestra da Rádio de Frankfurt (hr-Sinfonieorchester). Repare no longo silêncio quando a música acaba.

1º Movimento - Adagio – Allegro non troppo


A peça começa com esses fagotes (53s), que parecem vir do nada. A música parece ter uma centelha de vida quando entram as violas (1m14s) e então repete (1m28s). Os oboés (2m03s) e os clarinetes (2m13s) ameaçam uma ideia. Aos 2m46s a ideia vira o Tema 1, nas violas, repetido imediatamente pelas flautas (2m56s). O movimento alterna vários estados de espírito e colorações. É dado ao tema um tratamento harmônico vasto, fazendo-o cair em várias tonalidades.


Aos 5m09s temos uma preparação ascendente nas cordas, e depois, o lindo Tema 2 (5m26s), nos violinos. É o trecho mais conhecido da obra, e revela o dom melodioso que Tchaikovsky tinha. O tema é ouvido mais uma vez aos 8m. O clarinete faz uma menção, como uma despedida (10m), a ele. É quando temos um corte abrupto do tímpano e da orquestra (10m58s).


Entra o Desenvolvimento (10m58s), muito atormentado e contrastante. Aos 12m02s ele simplesmente entra em suspensão para tocar, nos trombones, um trecho do Réquiem Ortodoxo Russo, que diz: "E que sua alma descanse com as almas de todos os santos". Mas logo volta a tormenta. Ele desenvolve o Tema 1 até um ápice (14m), depois do qual, decresce e cresce de novo, nos momentos de culminância da obra, como se estivéssemos perdidos. Ao final ele vai ficado mais e mais silencioso até que a flauta e os violinos trazem de volta o Tema 2 (16m20s), já na recapitulação, que conduz a um breve coda (19m20s). Ao final da partitura, Tchaikovsky escreve aos músicos - morrendo.


2º Movimento - Allegro con grazia


O segundo movimento é uma valsa. A ser tocada com graça. Mas tem uma coisa: é uma valsa manca. A valsa normal faz 1, 2, 3, 1, 2, 3. Essa faz 1, 2, 3, 4, 5... Falta-lhe o 6, ou o segundo 3. Seu Tema, que é tocado de cara, e o tratamento que ele recebe, são, mais uma vez, dignos do título de grande melodista de Tchaikovsky. Ela tem as partes A (21m16s) - B (23m41s) - A (25m50s).


3º Movimento - Allegro molto vivace


Esse movimento (29m17s) absurdamente vivo e lúcido seria um final retumbante, a prova de que no final, as coisas ficam bem. Seu Tema (29m29s) (inteiro aos 31m01s) é triunfante e a orquestração, mais ainda. Termina tão bombasticamente que muitas vezes o público aplaude, mesmo tendo no programa escrito que tem mais um. Não é possível que não seja o final! Ele dá todas as dicas, faz todos os clichês de um finale! Tudo vai crescendo no coda (36m20s) barababam barababam pei pou pá paaaaaaam! Algumas pessoas aplaudem.


Mas aí...


4º Movimento - Finale: Adagio lamentoso


Um acorde agudo nas cordas (38m20s), como a ponta de um punhal. Ele vem nos lembrar dos tormentos que ouvimos lá no primeiro movimento. Já começa com o seu Tema 1 (39m40s), que é uma junção do que fazem as cordas fazem. Um movimento de ziguezague. Se você tocar só a parte do violino 1, ou só a parte da viola, não vai ouvir o tema. Ele é feito de modo que violinos 1, violinos 2, violas e violoncelos se complementem. Ainda assim, há uma sensação de ascenção. Fagotes (39m51) têm muita presença aqui.


É um finale langoroso, Wagneriano, trágico, emocional. O Tema 2 (41m11s) entra de forma mais elegíaca, resignada, belamente cantante. A orquestra cresce, temos um ponto culminante (43m06s) que lembra o do 1º movimento. Mas aí os acordes fortes nas cordas voltam (43m24s). E vão ficando cada vez mais graves. A música parece agonizar. O gongo (46m46s) parece ser a sentença de que tudo se aproxima do fim. Os trombones (46m49s) fazem seu anúncio. Os baixos começam a fazer uma pulsação (47m36s), como pulsação de coração, mesmo. E vai morrendo.

 

A Recepção


Desconheço coisa mais trágica (é que não conheço as óperas de Wagner). Toda vez que eu escuto, fico todo arrepiado. Na estreia, Tchaikovsky regeu. Solomon Volkov testemunhou:


"... quando os sons finais da sinfonia já tinham morrido e Tchaikovsky lentamente abaixou a batuta, houve um silêncio no público. Em vez de aplauso, soluços abafados vinham de várias partes do teatro. O público estava paralisado e Tchaikovsky ficou lá, parado, sua cabeça curvada."


Seu irmão, Modest, diz que, depois, os aplausos foram efusivos, e que ele voltou ao palco muitas vezes. Nunca ouviria performance tão aplaudida desta sinfonia, que foi muito tocada após a morte do compositor.

Manuscrito da Sinfonia Nº 6, Pathétique, de Pyotr Tchaikovsky
Manuscrito da Sinfonia Nº 6

Considerações finais


A análise não é extremamente detalhada, a ideia é que você mais escute a música do que leia. E se você sentir um pouco do que eu sinto ao ouvi-la, terá valido à pena. A gravação acima é excepcional, mas o som não é de CD. Vou listar abaixo algumas gravações. Escolha uma e persista nela.


Gravações Recomendadas


Menção honrosa às gravações de: Ashkenazy e Orquestra Philharmonia; e Valery Gergiev com a Orquestra do Teatro Kirov.


- Orquestra Nacional Russa, com Mikhail Pletnev - Se você quiser só uma interpretação dessa sinfonia, veja esta aqui. A orquestra é fenomenal, obedecendo com categoria a cada nuance do seu genial maestro. E o som, dos anos 90, é excepcional.


- Filarmônica de Leningrado, regida por Evgeny Mravinsky - A gravação clássica. A que todo mundo tem em vinil, CD, o que seja. Gravada nos anos 60, seu som até que é bom, mas a interpretação é o que importa. Os músicos da Filarmônica se deixam carregar pelos sentimentos, às vezes beirando perder o controle.


- Filarmônica de Berlim, regida por Herbert von Karajan - Essa versão, de 1976 mostra Karajan no seu melhor repertório. A Filarmônica está incrível. É uma versão um tanto fria, que não se permite arroubos, mas o toque é impecável.


- Sinfônica de Chicago, sob Claudio Abbado - Das gravações de Abbado, essa, de 1986 é a que mostra mais seu controle (alguns o acusam de excesso de controle, mas eu não acho, não). Ele cuida de cada crescendo, decrescendo, cada vírgula da música.


- Filarmônica Tcheca, regida por Semyon Bychkov - Em 2015, esse genial maestro fez esse registro com a grande orquestra Tcheca. O som, o regente e a orquestra perfeitos. Dão uma aula de leitura. Bychkov é considerado uma promessa que não decolou. Mas ele é um dos regentes mais importantes da atualidade, como é que não decolou? Porque nunca foi o titular da Sinfônica de Londres, Concertgebouw ou Filarmônicas de Viena e Berlim? É melhor que muitos que o foram.


- Sinfônica da Rádio Bávara, regida por Mariss Jansons - Nessa gravação de 2018, Jansons e sua orquestra provam que estavam no auge da sua arte. Onde permaneceram até sua morte, em 2019. É um dos meus regentes favoritos. A orquestra talvez seja a melhor do mundo (é que eu adoro). Eles tocam com muita efervecência e ardência, o oposto da relativa frieza de Karajan. Para mim, é a gravação definitiva.



Me diz o que achou, comenta aí em baixo e curte no coraçãozinho. Se você chegou até aqui, parabéns pela persistência! Tomara que tenha gostado.



Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page