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Idade Média - História da Música I

Atualizado: 25 de mar. de 2023

Por Rafael Torres

Aqui, bem aqui. Nesse intervalo de quase mil anos, a música, como arte, começou a ganhar confiança. A Idade Média abarca os anos entre 450 e 1400. É muito tempo! No início nada ocorreu. Não surgiam novos instrumentos musicais dignos do nome; nas igrejas, era a eterna melodia monofônica do Canto Gregoriano, ou do Canto Ambrosiano. Mas quando o período Medieval ia se aproximando do fim, os músicos, compelidos por uma força quase transcendental de mudar, evoluir, fazem seu milagre e criam a Polifonia.


Veremos os nomes por trás das façanhas, suas técnicas, seus segredos de artesãos e, ainda, ouviremos exemplos da música que estivermos a discutir.


Essa é a primeira postagem de uma série sobre a História da Música. Os próximos serão: Música Renascentista, Música Barroca, Música do Classicismo, Música do Romantismo e Música do Modernismo.


Então, que a música comece.



Idade Média


Em termos amplos, Idade Média se refere ao período da história entre a Queda do Império Romano do Ocidente (em 476) e a chegada da Renascença (que alguns datam junto à Queda de Constantinopla, em 1453), período que estudaremos um pouco adiante. A Idade Média é, mesmo, marcada por um caos social, as lideranças (reis, rainhas e senhores feudais) ainda lutavam para se estabelecer e os problemas não paravam de acontecer.


A vida, sobretudo, era um tanto difícil:


  • As punições a criminosos eram totalmente desproporcionais (para começar, eram arbitrárias, cada rei ou nobre definia a sua);

  • Os filhos pequenos eram completamente ignorados (isso porque muitos morriam na infância). Os pais só conseguiam se apegar após os 5 anos, quando já poderiam dizer que as crianças haviam vingado;

  • A constante peleja entre os Senhores Feudais e camponeses, que lutavam por sua liberdade, pelo direito de ir e vir e de ter uma casa;

  • Houve as Cruzadas, expedições de militares religiosos a Jerusalém no intuito de (teoricamente) retomar a cidade do controle dos muçulmanos;

  • Havia a Peste Bubônica (foi mais adiante, entre os séculos XIV e XV), que era facilmente transmissível, tinha alta taxa de mortalidade; e não se sabia o que causava a doença. Isso acabava gerando uma paranoia desvairada, um labirinto de notícias falsas e dava vazão a experimentos de todo tipo, tentando achar a cura;

  • A igreja não era muito santa. Enquanto os médicos tentavam de todo jeito achar a cura para a Peste (e para outras dezenas de doenças que judiavam os homens, à época), a igreja boicotava as pesquisas e os tratamentos. Boicotava até as operações em si, tornando-as mais perigosas, menos eficientes e muito mais dolorosas. Por pura maldade;

  • As cidades e, principalmente, as estradas, eram extremamente perigosas - os viajantes estavam sujeitos à ação de ladrões, à inanição e, olha só, a cair no meio de uma briga entre dois feudos e acabar sequestrado e escravizado;

  • Para o pagão comum, qualquer micro contravenção verbal poderia ser enxergada como a mais terrível heresia, especialmente se ele fosse judeu ou muçulmano.


Mas houve conquistas, também:


  • Os músicos conseguiram organizar uma linguagem visual, a partitura, que desse perfeitas diretrizes para que, lendo-a, o intérprete tivesse instruções precisas sobre o que tocar;

  • O surgimento da primeira universidade;

  • Além disso, houve avanços na ciência, medicina e tecnologia.


A denominação "Idade Média" não era usada durante a Idade Média. Posteriormente, no Século XV, os Renascentistas não acharam nada indelicado chamar a era anterior por esse nome tão infeliz (e pejorativo): para eles, o período Medieval havia trazido um hiato ao mundo. A interrupção da tão amada Antiguidade Clássica. E eles, os renascentistas, afirmavam estar trazendo essa época de volta (ela estava renascendo). O período entre o fim da Antiguidade Clássica e o duvidoso Renascimento dela, foi apelidado de "Idade Média", aquela que fica no meio. E os Renascentistas não hesitaram, ainda, em cunhar outro apelido obscuro ao seu vizinho temporal: Idade das Trevas.


A Idade Média é um período da história da música, das artes e do mundo, que abrange os anos de 500 a 1400. É a mais longa divisão histórica da música. O Classicismo, por exemplo, tem meros 50-70 anos. Muitos documentos, como partituras e tratados (sobretudo de alguns séculos adiante), além de instrumentos inteiros, foram e continuam sendo encontrados em porões de igrejas, em arquivos bibliotecários e casas antigas pela Europa. Sim, a nossa história se desenvolveu na Europa, não por algum Eurocentrismo que possa escorrer das penas da Arara. Mas simplesmente porque a Música Erudita ficou confinada lá até por volta de 1850.


Voltando aos porões de igreja: o que não costuma ser encontrado neles é (enigma) a partitura do acompanhamento instrumental de obras sacras grandes: hoje, quando se faz uma gravação de uma dessas peças, os músicos e musicólogos precisam recompor essas partes, baseados em conhecimentos muito especializados, obtidos em muitas horas em bibliotecas e arquivos.


Costuma-se dividir o estudo musical da Idade Média em 2 períodos:


Alta Idade Média (500-1000)


Baixa Idade Média (1000-1400)


Trovadores Medievais
Trovadores Medievais.

 

Alta Idade Média (Sécs. V a XI)



I. O Cantochão, a Música Sacra


Por ser a mais antiga dentre as eras da Idade Média, os documentos que nos informam das práticas do Cantochão (o Canto Gregoriano), bem como partituras da época, estão bastante deteriorados. Mas foi possível achar muita coisa e, através de estudos musicológicos, reconstruir o que faltava.


Na Alta Idade Média, toda a música sacra era monofônica, ou seja, apenas uma melodia soava, sem acompanhamento. Chamava-se Cantochão, e ele se desenvolveu independentemente em várias cidades europeias. E com características individuais. O Canto Gregoriano foi, por algum tempo, a forma "oficial" da igreja, já que tinha sido criado, teoricamente, em contribuição com o Papa Gregório I. Em Milão, a forma de cantochão era o Canto Ambrosiano; na Península Ibérica, usava-se o Canto Moçárabe (eu aprendi como Mozarábico), que tinha características norte-africanas; o Canto Celta era usado no Reino Unido e o Canto Gálico, na Gália. Pra ser mais didático, mostro os itens todos:


  • Canto Cristão;

  • Canto Litúrgico;

  • Canto Velho Romano;

  • Canto Gregoriano;

  • Canto Ambrosiano;

  • Canto Moçárabe;

  • Canto Gálico;

  • Canto Beneventano;

  • Canto Anglicano;

  • Canto Celta;

As diferenças entre um e outro estão na divisão silábica, nos diferentes usos de melisma (cantar várias notas em uma mesma sílaba, numa espécie de ornamentação) e nas escalas que usavam e em como as usavam. Além de cada um organizar como quer suas divisões silábicas: Salmódica, Silábica, Melismática e Neumática. Uma curiosidade é que poucos coexistiram. Uns iam substituindo os outros.


Veja as regras e práticas de interpretação do Canto Gregoriano, o mais importante e comum de todos:


Quanto à colocação das palavras na melodia, temos três formas de cantar:


  • Salmódica (em que para uma nota se cantam várias sílabas);

  • Silábica (cada sílaba do texto é cantada com uma nota);

  • Melismático (uma silaba pode ser cantada com várias notas);

  • Neumático (uma espécie de canto misto, majoritariamente silábico, mas com doses discretas de melismas).

No que tange à forma na música cantada, o Cantochão se estrutura em uma das três opções a seguir:


  • Antifonal (em que dois coros se revezam em versos com refrão);

  • Responsorial: (um cantor solista canta os versos e o coro responde com o refrão);

  • Direta: (em que não há refrão e um ou mais cantores cantam os versos).

Aprecie abaixo um Canto Gregoriano interpretado pelo Choralschola der Wiener Hofburgkapelle. É o Glória do In Nativitate Domini ad Missam in Die (para o Domingo de Páscoa).


O Cantochão, seja ele o Canto Ambrosiano, o Canto Moçárabe, o Canto Gregoriano ou qualquer outro, tinha características invioláveis:


  • Lembrando, apenas, que o Cantochão geralmente era Música Sacra, cantada na igreja, pelo padre e tudo mais, embora também existisse de Música Profana;

  • Eram cantados acappella (sem nenhum acompanhamento instrumental);

  • Por algum motivo, que certamente diz respeito à perene misoginia que imperava, e ainda impera, na Terra, Cantos Gregorianos eram preferencialmente cantados por homens (ou grupos deles). Eventualmente as mulheres foram proibidas;

  • No início eram cantados em missa e pelo padre e a congregação. Mas logo se passou a designar um grupo chamado "coro", que era dotado de vozes bonitas, para cantar as respostas;

  • Os cantos eram modais (utilizavam escalas mais exóticas que a Maior e a Menor);

  • Existia apenas uma linha melódica mesmo que várias pessoas cantassem ou se alternassem;

  • Com isso, o Cantochão era Monofônico (uma linha melódica), em oposição ao Canto Polifônico, que veremos mais tarde;

  • Dito isto, em algumas práticas, utiliza-se a nota pedal (uma linha de notas graves e bem longas, cantadas junto à melodia, que nos situam harmonicamente);

  • Cantochão existia desde o início da Era Cristã (Século I), mas as versões com os textos selecionados pela igreja vieram depois (Século VIII);

  • Os compositores escreviam de forma anônima na época do Cantochão, quase sempre;

  • A cultura do Cantochão foi amplamente estimulada por Carlos Magno (747-814);

  • As músicas não tinham compasso;

  • Esse tipo de música (o medieval) parou de ser produzido quando adentramos a Renascença. Mas isso não indica que ele tenha sumido. Na verdade, através dos séculos e até hoje, ainda, ele é cantado como antes;

  • Hoje ele é honrado de três formas: é cada vez mais gravado; mais tocado em forma de concerto, mesmo em igrejas, e continua sendo cantado em sua função eclesiástica em pequenos mosteiros espalhados por toda a Europa e além;

É importante termos em mente que a figura do compositor ainda não era importante, nessa época. Mas que, a passos lentos, a música evoluía. Por exemplo: em alguma altura de sua vida, o musicólogo italiano Guido D'arezzo resolveu batizar as notas musicais. Os nomes, sílabas, eram:

  • Ut;

  • Re;

  • Mi;

  • Fa;

  • Sol;

  • La;

  • San;

Para isso ele usou o texto sagrado do Hino a São João Batista, em latim. Os versos diziam:

  • Ut queant laxis

  • Resonare fibris

  • Mira gestorum

  • Famuli tuorum

  • Solve polluti

  • Labii reatum

  • Sancte Ioannes

Em tradução livre para o português, fica mais ou menos assim:


“Para que os servos possam, com suas vozes soltas, ressoar as maravilhas de vossos atos, limpa a culpa do lábio manchado, ó São João!”


II. Música Profana


Existia, também, a música profana, ou secular (desvinculada de laços eclesiásticos);


  • Para começar, tinha os grandes compositores medievais, como Guillaume de Machaut, Francesco Landini, e os compositores da música italiana do Trecento (o Trecento foi um período de 300 anos em que a cultura da Itália prosperou de modo respeitável);

  • Mas a maior parte da música profana estava ligada ao despojamento e talento de alguns grupos que surgiram na Europa. São eles (todos variações dos Trovadores) os que se seguem:

  • Os Trouvères, indivíduos análogos aos Trovadores, que floresceram entre os Séculos 11 e 14. Essas pessoas colaboraram muito com a comunicação entre norte e sul da França (Ducado de Burgundy e Provença), que, então, falavam praticamente idiomas irreconhecíveis uns aos outros;

  • O Troubadour, que podia ser mulher ou homem, cantava poesia lírica. Eles vinham da Occitânia, a 750 Km de Paris;

  • Surgiram os Jongleurs, um grupo de contação de histórias, entretenimento de plateias, muito parecido com o Trouvère. Eles formavam grupos com um músico, um acrobata e uma pessoa que lia longas prosas;

  • Os Trovadores, estes, vindos de Portugal e da Galícia, afloraram entre o Século XII e o XIV. Suas canções eram chamadas de trovas ou cantigas (Lembra? As Cantigas de Amor, as Cantigas de Amigo e as Cantigas de Escárnio e Maldizer?). Várias obras de Trovadores foram compiladas e publicadas em livros chamados Cancioneiros (dos quais quatro têm o paradeiro conhecido), de modo que temos, hoje, muito material de pesquisa e material a ser cantado;

  • Os Minnesänger, da Áustria e Alemanha, que existiram entre os Séculos XII e XV, eram aristocratas (ao menos depois do começo) e cantavam em grupo ou solo.

  • Há, ainda, os Menestréis, músicos itinerantes que tocavam e cantavam Canções de Gesta, que falavam sobre Cruzadas e reis e nobres a lutar contra os Mouros. No início eles costumavam ser servos das cortes e eram bem menos cultos que os Trovadores, Troubadours, Trouvères, Minnesänger e Jongleurs.

  • Mas música secular não se resume a isso. Haviam as Canções de Amor, de Sátira Política, Obras Dramáticas, Danças, Ballades, Rondeaux, Canons, Caccias e Canções;

  • Aqui começam a ganhar importância os compositores.

Ouçamos exemplos da Música Sacra e da Música Profana.


Música Sacra - Ouviremos, a título de exemplo de Música Litúrgica, a Antífona "Immutemur Habitu", anônima, provavelmente do Século XIII. A Música Litúrgica, ou música religiosa da Idade Média, se utilizava sempre de textos bíblicos. Além disso, era comportada e quadrada. Mas era linda.


Música Profana - E, para que possam conhecer a Música Profana da Idade Média, eu ofereço a Ballata Nº 19, "Amour Me Fait Desirer", do importantíssimo compositor francês Guillaume de Machaut (1300-1377). Os intérpretes são os do grupo pioneiro Early Music Consort de Londres, sob a direção de David Munrow. Temos aqui uma obra mais relaxada, que utiliza acompanhamento instrumental e servia para ser tocada em tavernas, praças e locais públicos em geral.


 

IV. hILDEGARD VON bINGEN, A COMPOSITORA MAGA


Hildegard von Bingen (1098-1179), às vezes traduzido (de maneira um tanto desconcertante) para Hildegarda de Bingen, foi uma teóloga, mística, eventual médica (adepta da medicina natural), abadessa beneditina, nobre, escritora e compositora alemã. Fundou e dirigiu os mosteiros de Rupertsberg (em 1150) e Eibingen (em 1165). Tudo isso apesar de, por ser mulher, não ter tido acesso ao conhecimento do Cânone das Sete Artes Liberais: o Trívio (gramática, retórica e dialética) e o Quadrívio (geometria, aritmética, música e astronomia). Ah, e, postumamente, ela virou santa!


Aos 3 anos começou a apresentar habilidades premonitórias. Habilidades estas que foram melhor entendidas e clarificadas aos 15 anos, quando ingressou no Mosteiro Beneditino de Disibodenberg. Aos 38 tornou-se a madre superiora desse convento. Nessa época ela ainda tentava esconder suas visões, mas aos 42 anos, recebeu a incumbência divina de colocá-las no papel. E trabalhou por cinco anos até que estivesse pronto o Scivias, seu primeiro livro, que, segundo o próprio Papa, continha as palavras de Deus. Foi também inspirada por visões que ela fundou, fora da Ordem Beneditina, os dois mosteiros mencionados: Rupertsberg e Eibingen.


O que mais chama a atenção nessa mulher extraordinária é o seu pioneirismo e seu prevalecimento em uma sociedade quase caricatamente machista. É considerada a primeira compositora mulher da história. E uma das mais prolíficas da Idade Média. Fundou dois monastérios, escreveu nove livros, poemas e obras musicais.


Quanto à sua música, ela produziu 70 obras (as sobreviventes) monofônicas (cantochão), sempre litúrgicas e extraordinariamente melismáticas (melisma é a técnica de fazer uma multiplicidade de notas sobre uma simples sílaba do texto, como vemos muito na ópera).


Observe, abaixo, a antífona "Studium in Divinitatis", de Hildegard von Bingen, interpretada pelo grupo VocaMe (outra coisa muito interessante é que, na sua música, vemos muitos grupos femininos).


VI. ARS ANTIQUA


Depois de séculos produzindo Cantochão, os compositores medievais inventam a Ars Antiqua (Arte Antiga). É uma denominação dada por historiadores da música para se referir, sobretudo, à Música Medieval sacra escrita entre 1170 e 1310 pelos membros da Escola de Notre Dame, da qual os maiores representantes são os compositores Léonin (1135 a 1201) e Pérotin (data de nascimento desconhecida - morte em 1238), assim como o letrista Philippe le Chancelier (1160-1236). A própria Escola de Notre Dame também contribuía, provendo textos para obras de Pérotin.


Mas em que consistia a Ars Antiqua?

Suas principais características são a iniciação do desenvolvimento da Polifonia, através do Organum, que eles ajudaram a desenvolver e a criação de um sistema de escrita de partitura que contemplasse a notação do ritmo.


VII. Léonin

Léonin (1135-1201) foi um Compositor francês pioneiro do Organum Polifônico (cuja prática consiste em, a partir de uma linha melódica, fazer outra idêntica, mas uma quarta ou uma quinta ou uma oitava abaixo), que foi um dos primeiros e maiores passos em direção à música polifônica (aquela em que não há apenas uma linha melódica, mas algumas, soando paralelamente). Sua importância é incalculável. Foi o primeiro nome célebre da Escola de Notre Dame de Polifonia, que tem esse nome por agregar compositores que trabalhavam na Catedral de Notre Dame, em Paris. Pouco de sua obra sobreviveu. A mais icônica é o "Magnus Liber", uma compilação de obras corais em Organum, com a qual ele deve ter contribuído com várias obras, mas não há certeza ao atribui-las a Léonin.


VIII. Pérotin

Pérotin (?-1238) foi discípulo de Léonin. Ele deu continuidade aos trabalhos do mestre. Sua vida nos é contada graças aos livros de um misterioso estudante de Notre Dame: Anonymous IV, que se acredita ser o pseudônimo de um inglês que lá estudou posteriormente, nos anos 1270. Léonin e muitos outros também foram documentados por ele. Igual a Léonin, trabalhou em pseudônimo (ou você achou que esse era mesmo seu nome?) e, até hoje, sua verdadeira identidade (e, portanto, boa parcela de sua biografia) é ignorada. Mas ao menos não é um dos milhares de compositores anônimos da Idade Média. Seu trabalho é muito mais abundante que o de Léonin, até porque ele completou várias obras de seu mestre.


Abaixo, um maravilhoso exemplo de Ars Antiqua com o Organum "Procurans Odium" de Pérotin, da escola de Notre Dame, interpretado por The Hilliard Ensemble. Perceba como é o Organum Triplum: a segunda e a terceira vozes estão aí, mas não têm independência, limitando-se, majoritariamente, a imitar a primeira, porém, cantando abaixo.


 

VII. Música Instrumental


A música instrumental existe desde sempre (lembra de Nero tocando uma lira a observar o grande incêndio de Roma?). De lá os próprios instrumentos foram evoluindo, bem como a interação entre músicos. Na Idade Média a Música Instrumental tinha 4 funções: (1) ser tocada por camponeses ou em tabernas, por diversão própria e para entretenimento alheio; (2) como música de espetáculos de dança; (3) como música incidental em teatro; (4) nos cantos eclesiásticos, como acompanhamento do coro.


Acho oportuno, aqui, mostrá-los quais eram esses instrumentos - alguns deles, pois eram uma infinidade.


  • Flauta Doce (de madeira);

  • Saltério (instrumento muito antigo, em forma semi-triangular, de cordas dedilhadas ou tocadas com palheta);

  • Lira (parecida com uma harpa, mas tinha que ser tocada com palheta);

  • Viela de Roda (uma espécie de Violino Semiautomático, isto é, ao rodar uma manivela, um certo número de cordas começava a soar, ficando o músico responsável por manipular os botões que fazem as notas mudarem);

  • Rabeca (um precursor do Violino e o mesmo instrumento que temos em tradições populares, aqui no Nordeste);

  • Pratos (instrumento de percussão semelhante ao de hoje);

  • Pandeiro;

  • Pandeireta;

  • Fiddle (em Violino menos sofisticado);

  • Guitarra Latina;

  • Guitarra Mourisca;

  • Alaúde (instrumento de cordas pinçadas, semelhante ao Violão);

  • Mandolin (um parente do Bandolim);

  • Viola da Gamba (uma família, a princípio, muito parecida com a dos violinos, até que se comecem a notar as diferenças: a família dos Violinos tem 4 cordas, a da Viola da Gamba geralmente tem 6, isso só para começar);

  • Bombarda;

  • Cromorno;

  • Órgão Portátil;

  • Órgão;

  • Charamela;


Temos aqui:


Alaúde Medieval


Guitarra Latina


Charamela


Cromornos


Órgão Portátil Medieval


Saltério


Mandolin Medieval


Fiddle Medieval


Viela de Roda Medieval


 

A Baixa Idade Média (Sécs. XI a XV)


I. O Início da Polifonia: o Canon


O Cânon é uma forma primordial de Contraponto. Uma voz entra e canta o primeiro trecho, passando para o segundo, quando termina e assim por diante. O fato é que quando ele começa o segundo trecho, uma segunda voz começa a cantar juntamente o primeiro. Quando a primeira voz está no terceiro trecho, a segunda está no segundo e a terceira voz, no primeiro. E daí ficam circulando a música. Vou dar um exemplo e você vai entender rapidinho.


Abaixo temos um dos movimentos de Le Lay de la Fonteinne, "Mais Ceste Trinité", de Guillaume de Machaut (1300-1377), interpretado por The Medieval Ensemble of London, dirigido por Peter e Timothy Davies. É um Canon a 3 vozes. Machaut era possivelmente o mais habilidoso compositor do seu tempo.



II. O Início da Polifonia: Organum


O Organum veio de uma necessidade expressiva que surgiu no Século IX, em um mosteiro na Suíça (A Abadia de São Galo), de, de alguma forma, enriquecer a música, que, monofônica, era tediosa. Para isto eles bolaram uma ideia: iriam adicionar uma segunda voz, cantando uma quarta, quinta ou oitava abaixo da que já existia. Estavam criados o Organum, o Contraponto e a Harmonia.


Não, de fato, não. A criação do Organum não resolvia a vida de quem queria compor Música Polifônica, uma música com 2 ou mais melodias que se comportassem de forma independente. Mas abria todas as portas para que fossem dados vários passos em direção ao Contraponto. Este último, por sinal, é a forma mais garantida de se escrever Polifonia rica.


Antes de prosseguirmos, dê uma olhada nesses pontos de facilitação:


  • Organum é quando a uma linha melódica do Cantochão é acrescida de ao menos uma nova linha melódica (depois evoluiu para duas, depois três);

  • Polifonia é a música que tem duas ou mais linhas melódicas;

  • Na prática do Organum, faz-se Polifonia (existe mais de uma voz soando ao mesmo tempo);

Uma importante contribuição com o Organum ocorreu em 1100, na Abadia de São Marcial, que desenvolveu uma técnica chamada Florid Organum. Nele, a voz principal deveria cantar notas lentas e longas, enquanto as outras cantariam uma profusão de notas, ao mesmo tempo. E, ainda assim, enfatizariam a melodia quando eles se vissem cantando a intervalos de quarta, quinta e oitava, os intervalos chamados consonantes, pois sua superposição gera um som que é agradável aos ouvidos.


 

III. ARS NOVA


Falamos acima sobre a Ars Antiqua. Falaremos aqui sobre a Ars Nova (Arte Nova), que apareceu, assim como a anterior, na França. A Ars Nova, não era muito chegada à Música Sacra, era pródiga em nos oferecer Música Profana. Houve o ressurgimento do Moteto (agora, Moteto Isorrítmico) e o aparecimento de novas formas. Assim como foi explorada a isorritmia. Outras formas foram reaproveitadas, como a Ballata e o Rondó.

  • Isorritmia - É uma técnica para composição coral em que é criado um padrão rítmico repetitivo (chamado de talea) que pode acontecer em apenas uma voz ou em todas.


Vejamos um exemplo de Moteto Isorrítmico. É "Garrit Gallus/In nova fert/Neuma", do compositor francês Philippe de Vitry.


  • Moteto: um estilo de música cantada, com letra profana e escrita polifônica;

  • Moteto Isorítmico: um estilo de Moteto que usa a Isorritmia;

  • Tendência Musical Profana: não há como negar que, na Ars Nova, a Música Sacra cedeu seu lugar à Música Profana, graças à aplicação do Moteto e do Moteto Isorrítmico;

  • Havia três Formas Fixas (modelos que apresentavam variadas e complexas estruturas para se compor): a Ballata, o Rondeau e o Virelai. Cada uma tinha formas diferentes. Aliás, às vezes, mais de uma forma;

  • Ballata, Rondeau e Virelai são formas da chamada Música de Amor Cortês, obras que falavam de honra, de cavalaria, de nobreza, devoção e coragem. Não tinham nada a ver com igreja, e a Igreja Católica chegou a tentar banir o Amor Cortês no Século XIII.

Para que tenha uma ideia do que significa uma forma musical, na idade média, observe a tabela abaixo.


Uma das Possíveis Formas de Rondeau:


- A B a A a b A B - A B a A a b A B - A B a A a b A B


  • Todo “A" apresenta a mesma música e as mesmas palavras;

  • Todo “B" apresenta a mesma música e as mesmas palavras, em ambos os casos diferentes de “A";

  • Todo “a" apresenta a mesma música de “A", mas as palavras são diferentes a cada nova ocorrência;

  • Todo “b” apresenta a mesma música de “B”, mas as palavras são diferentes a cada nova ocorrência.

Ou seja, era uma fôrma predefinida, sobre a qual o compositor fazia suas obras. É só para você ter uma ideia.


Escutemos uma Virelai de Guillaume de Machaut. Trata-se de "Douce Dame Jolie", interpretada por The Early Music Consort de Londres. Por ser profana, a música pode ser apoiada por instrumentos, inclusive de percussão.



 

IV. Guillaume de Machaut

Guillaume de Machaut (1300-1377) foi um compositor francês, nascido em Reims e pertencente à Ars Nova, que está entre os mais célebres e os mais prolíficos da sua época.


Em Música Sacra, sua composição que chegou até nós foi a Missa de Notre Dame, considerada o primeiro exemplo em que a música foi feita em cima do texto da Missa Católica Canônica.


Em Música Profana, ele era versado e prolífico nas chamadas Formes Fixes, o Rondeau, o Virelai e a Ballade, além de Motetos: são 24 Motetos, 42 Ballades, 22 Rondós e 33 Virelais. Ele compôs, potencialmente, muito mais que isso, mas isso é o que nos chegou.


Machaut também era um poeta, com 400 obras suas tendo chegado até nós.



V. Ars Subtilior


No final da idade média surgiu a Ars Subtilior (Arte Mais Sutil), que preconizava o capricho na escrita da melodia, linhas melódicas complexas e quase sempre profanas. É um movimento centrado, inicialmente, em Paris e Avignon (posteriormente, no sul da Espanha).


A música da Ars Subtilior é moderna, sofisticada, complexa e difícil de cantar. Sua complexidade rítmica também era notável. É possível que elas fossem executadas principalmente em pequenas reuniões de músicos e estudiosos.


O fato é que suas inovações e sua ousadia rítmica, pioneirismo melódico e complexidade foram aproveitados pelos músicos e musicólogos Renascentistas.


Eles tinham, também, imenso zelo com a aparência da partitura. Veja:



O que você está vendo aqui em cima é a partitura de um Rondó. A notação foi feita pelo autor em forma de coração. As notas em vermelho são as que indicam alterações rítmicas. Ah, esses jovens medievais. Eram uns românticos!


Aqui temos o exemplo de uma partitura em forma circular, por Baude Cordier, o mesmo que escreveu a obra acima.


A Ars Subtilior teve muitos adeptos e os compositores são inúmeros. Alguns dentre os principais são:


  • Matheus de Sancto Johanne;

  • Petrus de Goscalch;

  • Johannes Susay;

  • Trebor;

  • Solage;

  • Borlet;

  • Johannes Cuvelier;

  • Egardus;

  • Baude Cordier;

  • Conradus de Pistoria.


Escute um pouco do que se trata, reparando no acúmulo de vozes que parece caótico, nos intervalos incomuns, para a época, assim como os ritmos por vezes rápidos demais. A obra é um Canon Circular, chamado "Tout par Compas", do nosso velho jovem Baude Cordier. Aproveite para ficar atento, também, à edição, que nos dá uma boa ideia de como as vozes vão se comportando em meio às partituras circulares.


 

Considerações Finais


Quando eu era pequeno minha mãe, juntamente com o compositor Liduino Pitombeira, era coordenadora, e meu pai era músico, de um grupo aqui em Fortaleza, do qual uma das prioridades era tocar Música Antiga (Medieval, Renascentista e Barroca). O nome era Syntagma. Eu cresci vendo e ouvindo o som do alaúde, da viola da gamba, das flautas doces, do cromorno e do cravo, além de instrumentos renascentistas.


A música da Idade Média continua gerando interesse e amantes. Nos Estados Unidos e na Europa inteira existem Festivais de Música Antiga. Só para citar alguns, temos o Musica Antiqua Bruges, que é um galho do Festival van Vlaanderen, na Bélgica (aliás, Bruges tem um forte movimento de Música Antiga); o Festival de Música Colonial Brasileira e Música Antiga, em Juiz de Fora, Minas Gerais; o Boston Early Music Festival, em Boston, Estados Unidos; o Festival d'Ambournay, em Ambournay, França e o York Early Music Festival, em York, Reino Unido.


Nesses lugares existem instrumentistas especializados, bem como luthiers (constroem instrumentos, cordas e palhetas e fazem reparos). Musicólogos e historiadores continuam a escrever livros e tratados. Existe uma verdadeira cultura de Música Medieval nos músicos e um sincero fascínio do público. O entusiasmo pela Música Medieval não parece que vai acabar e só dá mostras de fortalecimento.



Discos Interessantes de Música Medieval


- Instrumentos da Idade Média e da Renascença (1976), do Early Music Consort de Londres - o Early Music Consort foi um conjunto idealizado por David Munrow e Christopher Hogwood. O grupo foi fundado no final dos anos 50, ficando Munrow como diretor e instrumentista (flauta doce, flauta transversa, charamela, cromorno e bagpipe) e Hogwood como instrumentista (tocava os instrumentos de teclado, de percussão e harpa). Lançou a maior parte dos seus discos nos anos 60-70. Este disco é um guia dos instrumentos da Idade Média (disco 1) e Renascença (disco 2). Por exemplo, a primeira faixa se chama Charamela/Saltarello. O nome do instrumento e o da obra. O autor, em alguns casos, é anônimo. Nos outros, é devidamente identificado. Eles apresentam 30 instrumentos, mas raramente você ouve apenas o instrumento apresentado. O Consort faz acompanhamentos com todo tipo de instrumento, inclusive de percussão. O grande pianista André Previn cuidou das notas de texto. O Early Music Consort de Londres acabou em 1976, com a morte prematura de Munrow. Hogwood seguiria para uma carreira de sucesso ao fundar e se tornar regente de uma orquestra com instrumentos de época (Academy of Ancient Music) especializada em Música Barroca e Música Clássica.

https://open.spotify.com/album/4B5Qk85ZhE1ki6JFaU1ydx?si=W7VTX6ONQgKIm-UNGkM53g



- Música das Cruzadas - Early Music Consort de Londres - Outro disco do pessoal de David Munrow. Música das Cruzadas também chega a sair da Idade Média e entrar na Renascença. Diferente do outro, é um disco cantado (acompanhado por instrumentos), pois nos apresenta as músicas dos Trouvères e Troubadours. São peças que certamente todos conheciam na época. A penúltima faixa é atribuída ao rei inglês Ricardo Coração de Leão: "Je Nus Hons Pris" é um lamento que fala do cativeiro em que esteve na 3ª Cruzada.



- Hildegard von Bingen - Celestial Hierarchy, pelo grupo Sequentia, regido por Benjamin Bagby - A música pura, imaculada, quase transcendental da maior compositora de música monofônica da Idade Média. As melodias de Hildegard têm um caráter pacífico, mas confiante. Ela usa notas longas, mas as misturas com cadências ligeiras, em uma estruturação rítmica perfeita. E aqui temos a oportunidade de ouvir vozes solo e coros integralmente femininos, que fazem a música mudar de índole e adquirir uma ainda mais mística. São Antífonas e Responsórios aos quais se unem, apenas algumas vezes, raros instrumentos. A Antífona dos Mártires "O Victoriosissimi Triunmphatores" é um dueto entre a voz e harpa (provida pelo próprio regente Benjamin Bagby). O CD é de 2013.

https://open.spotify.com/album/31QDLC0PjTJYbi6PCcr1w8?si=DFdKElKdTaexzfdMNXJzqg



- Guillaume de Machaut - Chansons, com o Orlando Consort - Este excelente disco do mais famoso compositor da Idade Média contém algumas de suas Chansons. São Ballate, Rondeux e Virelais, todos polifônicos que, cantados pelo Orlando Consort, nos dão uma clara visão da excepcionalidade e da complexidade do mestre na escrita de Música Profana. É de 2007.



- Guillaume de Machaut - Missa de Notre Dame, interpretada pelo Ensemble Gilles Binchois, regido por Dominique Vellard - Esta é a mais importante obra de Machaut e considerada uma obra prima da Idade Média. É também a mais antiga missa composta por uma só pessoa. Enquanto, no disco anterior, tínhamos uma coletânea de obras pequenas, aqui, a Missa é uma só obra grande e complexa. Já vemos nela as partes que servirão de base para todos os compositores do futuro (o futuro de Machaut, espero que tenha ficado claro) que desejam compor Missas. O Introitus, o Kyrie, o Gloria, o Credo, o Agnus Dei e outros. Quase todos são textos bíblicos. Quando, séculos depois, Mozart escreveu seu Réquiem, por exemplo, ele utilizou majoritariamente estes mesmos textos. A gravação, em que o Conjunto Gilles Binchois, regido por Dominique Vellard, está impecável, é de 1990.



- A Escola de Notre Dame - Léonin, Pérotin, com obras cantadas pelo Orlando Consort - Um disco excepcional, que mostra a música dos dois mestres da Ars Antiqua, que viram a Catedral de Notre Dame ser construída e trabalharam nela (por isso diz-se, hoje, que esses compositores pertencem à Escola de Notre Dame). A maior parte das faixas está creditada a Léonin/Pérotin juntos. Elas pertencem, todas, ao Magnus Liber, uma compilação de obras de Organum em que acredita-se que ambos tenham trabalhado. Ouvimos, também, as bem-vindas vozes de um coro infantil. O disco, mais um com o Orlando Consort, foi gravado em 1996.



- Pérotin, com obras interpretadas por The Hilliard Ensemble, dirigido por Paul Hillier - O disco é assim, mesmo. Intitulado, simplesmente, Pérotin, o compositor de quase todas as peças do mesmo disco. O que acontece com Pérotin (e, também, com seu mestre Léonin) é que, por ser muito antigo, não é possível rastrear suas obras e provar ou descartar sua autoria. Como dito, sua própria existência só nos é comprovada por citações sobre ele em alguns livros. Mais interessantemente na obra de um escuso monge inglês, que trabalhava em Paris. Ele escrevia sob o pseudônimo de Anonimous IV. Por isso, há obras que não são, no disco, atribuídas a ele e têm o autor nomeado anônimo. Agora, quanto ao álbum: trata-se de música muito refinada e complexa, especialmente em sua harmonia. As peças são todas Polifônicas, Polifonia que é lograda através do uso da técnica Organum. Poucas vezes ouvi música coral tão estimulante. E o Hilliard Ensemble, sob Hillier, está um nível acima dos outros desta lista. Eles montam sua interpretação em torno das dinâmicas (do piano ao forte). O resultado é sensorialmente magnífico. Foi gravado em 1989.

https://open.spotify.com/album/5kZW1eLPUuntVmdiph4BwB?si=ao_szGwKR4KUO7J59ERg6g



- Troubadors - Música dos Trovadores, com o Clemencic Consort, sob a direção de René Clemencic - A música dos Trovadores franceses (Troubadours), enfim. É um disco leve e animado. Que não se procure aqui a profundidade de Guillaume de Machaut ou a transcendência de Hildegard von Bingen. Em compensação, a experiência de estar ouvindo o que a maior parte da população da Idade Média ouvia é ímpar. O próprio Clemencic Consort contribui para isso, executando a música de maneira (apropriadamente) crua, sem muito refinamento. Há trechos em que os poemas são narrados (em uma língua que pode ser o francês ou o provençal antigos), entrecortados por música instrumental. Temos, também, vozes femininas e diversos instrumentos de acompanhamento. O disco é de 2009.



 

Espero que esse texto seja útil. Aguarde pelas próximas partes: Música Renascentista, Música Barroca, Música do Classicismo, Música do Romantismo e Música do Modernismo.



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