Por Rafael Torres
Maestra Ligia Amadio
Ligia Amadio não é uma regente mulher. Ela é uma maestra, e ponto. E das boas. Estamos quase em 2025 e ainda chama a atenção uma mulher no pódio, comandando dezenas de músicos.
Lembro-me de quando descobri que a Filarmônica de Viena não aceitava mulheres, por melhor que tocassem, no conjunto. Lembro da Filarmônica de Berlim, no início dos anos 80, quando Karajan tentava emplacar a clarinetista Sabine Meyer e a orquestra vetou.
Isso tudo abriu espaço para as audições às cegas, em que o músico é avaliado sem ser visto. Ao menos, um passo foi dado.

O seu currículo fala por si: entre 1996 e 2009, regeu a Orquestra Sinfônica Nacional; em 2009, foi titular da Sinfônica Municipal de Campinas (cargo que já foi do lendário Benito Juarez); entre 2010 e 2014, comandou a Orquestra Sinfônica de Mendoza (Argentina), em 2014 assumiu a Orquestra Sinfônica de Bogotá, a principal orquestra Colombiana. Regeu a Orquestra Sinfônica de Montevidéu, a Orquestra Sinfônica da USP e, em 2023, tornou-se a Regente Titular da Sinfônica de Minas Gerais.


Ouça a agradável troca que tivemos com Ligia.
Olá, Ligia. A Arara Neon vem te convidar para uma empreitada que constitui em mais um passo em nossa sina de povoar todo o país de orquestras sinfônicas. Acredito que o progresso está aí.
Ligia, é uma honra falar com você. Espero que as perguntas agradem.
Por favor, sinta-se à vontade para ignorar uma ou mais perguntas, especialmente se considerar que alguma resposta superou seu assunto ou invadiu o campo da pergunta em questão.
Entrevista
1. Como foi seu primeiro contato com a música?
Meu primeiro contato com a música deu-se no ventre de minha mãe (importantíssimo, eu - Rafael, aqui - e a Flaviana, minha esposa, tocávamos muita música clássica pra Bia no útero. Hoje, ela é das crianças mais musicais que conheço). Minha mãe canta maravilhosamente bem. É uma das vozes mais belas que já tive o privilégio de ouvir. Desde bem pequenina, eu a acompanhava aos ensaios do coro. Impressionava-me o belo órgão de tubos da igreja e pedi para estudar aquele instrumento. Fui iniciada no piano aos 5 anos de idade. Minha professora não só me ensinou piano, mas me alfabetizou, antes mesmo de eu entrar na escola.
2. Você sentiu dificuldade ou facilidade a partir de quando se propôs a se profissionalizar?
Quando decidi viver para a música, me encontrava em meio ao curso de Engenharia de Produção da Escola Politécnica de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP). Concluí o curso e ingressei no Curso de Regência da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Embora houvesse cursado o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo até o início da Faculdade de Engenharia, sentia-me “atrasada” em relação a meus colegas, pois era 5 anos mais velha que a maioria. E então foram mais 6 anos de faculdade, período integral. Me graduei com 28 anos, mas logo consegui trabalho e não parei mais.
3. Dentre as dezenas de disciplinas da graduação, qual te deu mais trabalho?
Termodinâmica, sem dúvida, na POLI. Na faculdade de música, nunca senti que alguma disciplina fosse particularmente mais difícil que outra.
4. Você toca bem algum instrumento?
Sou pianista. Mas estudei um pouco de violino, violoncelo e sax alto.
5. Qual seu repertório de preferência? O tempo que sobra para a família é suficiente?
Meu repertório de preferência vai do classicismo à música contemporânea. Não me atrevo (herança maldita do Movimento Hip, que convenceu todo mundo que música da idade média, renascença e barroca era só com eles) a reger obras barrocas, exceto muito raramente. O tempo para a família nunca é suficiente para quem trabalha nesta profissão. Ser regente titular (e, além disso, regente convidado de várias orquestras pelo mundo afora) é uma responsabilidade permanente. Não há sábados, domingos, feriados ou férias para nós. Qualquer colega meu poderá testemunhar.
6. Quando você vai preparar, por exemplo, uma sinfonia de Schumann, costuma recorrer às partituras mais antigas que puder achar? Inclui a leitura de biografias?
O estudo de uma obra requer a máxima pesquisa possível, seja de distintas edições (nem sempre as mais antigas são as melhores...), seja de teses a respeito, de obras de análise e, obviamente, obras biográficas e musicológicas.
7. Um maestro viaja muito, a agenda é caótica. Chega a ser uma desvantagem?
Evidentemente. Como eu já afirmei anteriormente, a vida pessoal e, também, a saúde, ficam muito comprometidas.
8. Sobre o trabalho com a Sinfônica de Minas Gerais, está ansiosa?
Ansiosa por quê? Não entendo a pergunta. Há um belo trabalho a ser feito, e é o que estou fazendo há dois anos, com muita receptividade tanto por parte dos músicos, como por parte do público, graças a Deus.
9. Quando chegar a hora de fazermos a Filarmônica do Ceará (provavelmente estarei à frente) você acha que conseguiremos arregimentar um bom time? Falo dos músicos, claro, é o mais importante, mas também do pobre time que vai convencer governadores, deputados etc.?
Claro que conseguirão uma ótima equipe! Há músicos excelentes em todo o território brasileiro, e o nordestino é particularmente talentoso! Desde já lhes desejo imenso sucesso.
10. Você teve suporte integral das orquestras em que trabalhou para realizar seu projeto ideal?
Se você se refere ao apoio dos músicos, sempre tive bastante apoio. Em relação às condições de trabalho (condições salariais para músicos, equipe de apoio e regentes, orçamento para programação e compra de equipamentos e partituras, completude do efetivo orquestral, condições acústicas, disponibilidade de datas de teatro tanto para ensaios como para concertos), sempre foi uma luta, às vezes maior, às vezes mais compensadora. Ou seja, nunca tive suporte integral para realizar meu projeto ideal, mas não desisto. O importante é seguir sonhando e lutando em prol de um ideal artístico.
Obrigado mais uma vez, Lígia. A Arara agradece demais.



Veja Ligia regendo o 3º Concerto para Piano de Beethoven, com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e o pianista Luiz Guilherme Pozzi.
A Arara agradece muitíssimo à maestra pela prontidão em nos conceder a entrevista e as fotos.
Esperamos que todos tenham gostado de conhecer mais esse talento brasileiro.
E não deixe de comentar.