Por Rafael Torres
O meu querido e finalizado livro Contos Medonhoa e Desarranjados (Vol. 1) (cuja campanha de arrecadação coletiva para a publicação eu vou divulgar na Arara, nos próximos dias), costumo definir como um livro de contos em que um depende do outro; ou como um romance cujos capítulos são contos. Desarranjados, porque a ordem em que estão propostos não segue uma linha temporal estrita.
Falo isso porque, quando eu vou escrever sobre algum período da história da música, adoto esta mesma abordagem. No Romantismo, brotava compositor em cada esquina. A música ficou tão complexa que tinha compositor só de música para piano. Ou só de ópera. A história toda é centrada na Alemanha e na Áustria, mas, vez por outra, surge um Tcheco, um Norueguês...
Portanto, paciência. A gente tenta dar um fio para essa história, abre um parêntesis aqui, uma nova sessão acolá e dá certo. No fim, vocês entendem.

Como dito anteriormente, nos escritos sobre o Classicismo, não há consenso a respeito do ano exato do começo do Romantismo. Isso é normal, não se pode imaginar que todos os compositores fizessem algum tipo de votação em que vencesse o Romantismo, assim, de chofre. Eu considero duas datas: 1806, quando Ludwig van Beethoven apresentou a primeira obra claramente romântica: sua 3ª Sinfonia, apelidada “Eroica”; e a década de 1820, quando toda a Europa já compunha música plenamente romântica.
Os críticos tendem a atribuir a chegada do Modernismo à dissolução do sistema tonal. Nesse caso, peço que ouçam este pequeno trecho de uma Suíte do Barroco Georg Muffat. Ela é, no mínimo, politonal (muda de tom várias vezes) e meio atordoadora de se acompanhar.
Outro em quem se vêem quebras de paradigmas é o clássico Wolfgang Amadeus Mozart. O que sabemos sobre o compositor que Mozart seria em dez anos é o que podemos especular da sua obra nos seus anos finais de vida, e não mirarmos no conservador Joseph Haydn. O que dizer das cadências que ficam como pendentes nesse despretensioso Minueto? Embora perfeitamente tonal, suas implicações são ambíguas, com seu excesso de cromatismos.
Liszt, o próprio Romântico Franz Liszt, chegou a escrever uma Bagatela sem Tonalidade. Ele atinge a atonalidade do jeito que se propunha, em sua época: através dos cromatismos.
Cromatismos são escalas (escala cromática) que não selecionam notas. Por exemplo: Dó Maior = Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá. Si, Dó. Você não deve ter percebido, mas, das doze notas, cinco foram omitidas. Nenhuma tecla preta do piano foi tocada. Desse modo, uma escala cromática começando em dó ficaria: Dó, Dó Sustenido, Ré, Ré Sustenido, Mi, Fá, Fá Sustenido, Sol, Sol Sustenido, Lá, Lá Sustenido, Si, Dó. Doze notas, se repetirmos o Dó.

(Parêntesis para Beethoven
Vimos que Beethoven chegou a Viena em 1792, pianista, clássico e dentro dos padrões da música da época. Teve aulas com Haydn, Salieri, escreveu uns Quartetos de Cordas e Trios com Piano, Sonatas e, até, Sinfonias, tudo dentro do que se pode identificar como classicismo.

Mas Beethoven tinha algo que ninguém mais tinha. Era um compositor freelancer, isto é, não compunha para a igreja, nem para as poucas realezas que sobreviveram à Revolução Francesa etc. Beethoven escrevia para Beethoven, o que queria: e sempre evoluindo. E ele sempre foi vanguardeiro.
Ludwig van Beethoven nasceu em Bonn, Alemanha, em 1770, filho do complicado Johann von Beethoven. Ele pretendia treinar o jovem Ludwig até o ponto de torná-lo um "novo Mozart", um menino-prodígio. Mentia sobre a idade do filho. E, depois que sua esposa morreu, em 1887, tornou-se alcoólatra, chegando ao ponto de parar de trabalhar. Ludwig foi à justiça obter uma ordem judicial para que Johann fornecesse sustento aos filhos (ele tinha dois irmãos: Karl e Johann, ambos mais novos que ele). Johann pai, sabe-se, batia nos filhos.
De qualquer forma, ele foi o primeiro instrutor de música de Ludwig. Depois, entre 1780 e 1781, teve aulas com Christian Gottlob Neefe. Beethoven compôs obras ainda em Bonn, como Musik zu einem Ritterballett, para balé, e um Octeto de Sopros (que, em Viena, ele retrataria como Quarteto de Cordas)...
Vamos dar uma olhada nas três fases de Beethoven, que são uma espécie de consenso universal.
Primeiro Período
O primeiro período de Beethoven começa com a sua chegada em Viena, em 1792. Obviamente, existe um período anterior, o de Bonn, mas pouca música sobreviveu. Na Áustria, ele era uma espécie de imitador, chegando a dizer que tinha dominado o 'Estilo Vienense' (de Mozart e Haydn). Mesmo assim, sua música já era difícil para o público e longa demais.
Compôs os Seis primeiros Quartetos de Cordas, Op. 18; as Duas primeiras Sinfonias, Opp. 21 e 36; os Três primeiros Concertos para Piano e Orquestra, Opp. 15, 19 e 37 e umas 12 Sonatas para Piano.
Aqui, Beethoven começou a sentir os sintomas de uma surdez progressiva que carregaria até a morte. Obedecendo ordens médicas, retirou-se para a pequena cidade de Heiligenstadt, na Áustria (entre abril e outubro de 1802), onde escreveu o famoso Testamento de Heiligenstadt, do qual um trecho você vê abaixo. Em Alemão.

Nesta carta, destinada aos seus irmãos, ele relata, com sofrimento, a perda do seu principal sentido na arte de compor. Menciona, inclusive, suicídio,
Ele escreve o nome do irmão Karl várias vezes, mas nunca o do irmão Johann. Simplesmente deixa em branco. Mas, principalmente, ele fala de uma resolução que teve. De continuar vivendo através e para a sua arte.
Acontece que, para um músico treinado, a surdez não o impede de compor. Mas impede de tocar piano, de reger, coisas que eram muito mais rentáveis, na época.
De modo que ele tinha quer criar uma sonoridade especial, característica, nas composições. Foi então que ele começou a se reinventar.
Segundo Período
O segundo período, chamado, antigamente de Fase Heróica, começou com essa mudança de atitude.
"Eu não estou satisfeito com o trabalho que fiz até aqui. De agora em diante eu pretendo seguir um novo caminho."
É o seu período mais conhecido. Ee compôs suas Sinfonias 3 a 8, os dois últimos Concertos para Piano e Orquestra; diversas Sonatas, incluindo as famosas Nos. 18 'A Caça', 21 'Waldstein' e 23 'Appassionata'; e sua única ópera, 'Fidélio'.
Detenhamo-nos em sua 3ª Sinfonia, em Mi Bemol menor, conhecida como 'Eroica'. Foi sua primeira Sinfonia após o retorno de Heiligenstadt. É altamente revigorante, com muitas dissonâncias (no tempo forte), intensificações de dinâmica nos tempos fracos, um comprimento imenso (cerca de 45-50 minutos) e a famosa Orquestra Romântica (com as cordas, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes e 2 fagotes, 3 trompas, 2 trompetes e tímpanos) (ele utilizava flautas e clarinetes, oboés e fagotes), que seria incrementada ao longo do século XIX. O público, mesmo um tanto confuso, amou a obra.

Veja, abaixo, a 'Eroica' inteira (não recomendo: ouça trechos do primeiro movimento), com a Orquestra Sinfônica da Rádio de Frankfurt, regida pelo colombiano Andrés Orozco-Estrada.
Terceiro Período
A partir de 1810 o compositor fica um tanto errático, de modo que, em 1812, inicia-se o seu último período. A propósito, esta divisão da carreira de Beethoven em 3 fases não é ideia minha. Em 1818 já se falava nisso e essa convenção é adotada por todos os biógrafos.
Nessa fase tardia, ele estuda o contraponto de Giovanni da Palestrina, Johann Sebastian Bach e Georg Friedrich Händel. E o aplica abundantemente, através de fugas, a forma mais complexa de contraponto. Escreve seus últimos Quartetos de Cordas; a 'Grosse Fuge', para quarteto de cordas; as Variações Diabelli, para piano; as últimas Sonatas para Piano e a 9ª Sinfonia, que incorpora cantores solistas e um coral, no último movimento.
Nesse período, Beethoven é imprevisível, entregando partituras experimentais, de durações inéditas e com conotações surreais. Ele morreu em sua cama, em Viena, aos 56 anos, em 1827. O fígado estava ruim. Seu cortejo fúnebre levou mais de 10.000 pessoas às ruas de VIena.

Tenho lido por aí que Beethoven não tinha, necessariamente, um talento musical extraordinário. Mas quem afirma isso terá de se virar para explicar o conteúdo completamente novo de suas obras. Verdade que inovar não é, especificamente, o objetivo de um compositor, mas ele encontrou a música parada e a sacudiu até quase esgotá-la.
Os contemporâneos de Beethoven
Beethoven era um homem difícil e arrogante (que podia ser doce e generoso). Seu ídolo de adolescência era o escritor e polímata Johann Wolfgang von Goethe. Beethoven escreveu a ele, uma carta educada e reverente, afirmando já ter os direitos de 18 obras do escritor. Na carta, seguia a música incidental para a peça Egmont. Eles se encontraram no Resort de Teplitz, em 1912.
Escute a abertura da Música Incidental de 'Egmont', com a Orquestra do Gewandhaus de Leipzig, regida por Kurt Masur.
Wolfgang Amadeus Mozart
Não há evidências em primeira mão a respeito de um encontro entre os dois. Mas, também, não há nada que impeça que tal coisa tenha ocorrido. O que se sabe é que, em 1787, Beethoven passou 6 meses e Viena. E que tinha ido para lá para ter aulas com Mozart.
Beethoven teve que voltar a Bonn, pois sua mãe estava doente e morreu naquele mesmo ano. Quando o compositor pôde, finalmente, voltar a Viena, em 1792, Mozart é quem havia morrido no ano anterior.
Joseph Haydn
Com seu professor Joseph Haydn (a partir de 1890) a relação foi mais complicada. Quando Ludwig escreveu seus 3 Trio com Piano, Op.1, o austríaco Haydn sugeriu de bom grado que ele assinasse Ludwig van Beethoven, pupilo de Haydn. Isto, só, lhe garantiria público para a apresentação, já que Haydn tinha fama em toda a Europa.
Beethoven teria dito que "apesar de ter tido aulas com Haydn, nunca aprendeu nada útil com ele". Já na apresentação, Haydn sugeriu que não fosse publicado o Trio, Op. 1 - Nº 3, pois certamente não agradaria o público.
O terceiro era o Trio favorito de Beethoven, e ele insistia que Haydn queria escondê-lo por inveja, O que me faz pensar: Beethoven era cearense? Porque aqui o povo pensa mais ou menos nesses termos...
O que consta em várias fontes históricas é que Haydn admirava a música do aluno. E vale lembrar que o Trio com Piano (para Piano, Violino e Violoncelo) havia sido 'elaborado' e era especialidade de Haydn, tendo ele escrito cerca de 20 peças, geralmente com três movimentos; e de Mozart, que escreveu 6 deles.
Beethoven escreveria 11, dos quais o 4º, chamado 'Trio Fantasma' (1809) e o 7º, 'Arquiduque' (1811), são os mais famosos.
É inútil tentar ouvir o Op. 1 - Nº 3 agora e tentar encontrar o que Haydn achou desagradável. A verdade é que o trio é encantador. Ademais, enquanto os Trios tinham 3 movimentos, no classicismo, os de Beethoven tinham 4, com a sua insistência de incluir um 'Scherzo' ou um 'Minueto'.
No final das contas, Beethoven manteve até o fim de sua vida que Haydn era um compositor de estatura e importância igual à de Bach e à de Mozart.
Clique aqui para escutar o Trio. (Spotify)
Antonio Salieri
A sua relação com o italiano Antonio Salieri, aquele mesmo que dizia ter matado Mozart, era das menos problemáticas. Antigo Diretor de Ópera Italiana e, posteriormente, Compositor da Corte do imperador Joseph II, da Áustria (da família Habsburgo), Salieri tinha escrito mais de 20 óperas, era um homem erudito e humilde, dava aulas de música de graça a alunos dotados de talento, mas não de dinheiro. Por muitos anos, Salieri havia ganho dinheiro como poucos na corte, e soubera economizar.
Beethoven procurou Salieri, a princípio, para aprender música vocal. Conta-nos Ferdinand Ries, compositor, amigo e contemporâneo de Beethoven: "Eu os conhecia muito bem; eles valorizavam muito Beethoven. Diziam que o aluno era tão cabeça-dura e autossuficiente, que tinha que aprender muito através da dura experiência, que ele tinha se recusado a aceitar quando era apresentada a ele como matéria de estudo."
Mesmo sabendo que as aulas com Salieri eram gratuitas, Beethoven fazia questão de pagar, demonstrando seu interesse em aprender aspectos técnicos e sua pretensão de se tornar um compositor completo.
Em 1799, Beethoven dedicou a Salieri suas 3 Sonatas para Violino e Piano, Op. 12.
Luigi Cherubini
Em 1805, Beethoven conheceu o compositor italiano Luigi Cherubini. Beethoven estimava enormemente o italiano, considerando-o o maior compositor de sua época (Cherubini era 10 anos mais velho que ele). O italiano escrevia, principalmente, ópera (cerca de 36!) e música sacra (música cantada), enquanto Beethoven era um sinfonista e compositor de música para piano e conjuntos de câmara. Réquiens? Cherubini escreveu 2. Um deles, para seu próprio funeral. Beethoven, nenhum.
Era Cherubini que não gostava de Beethoven. Ao menos de sua música. Chegou a Viena em 1803 e assistiu a algumas récitas da Ópera Fidelio, a única de Beethoven. Desdenhou dela e do toque ao piano de Beethoven, considerando-o rústico.
Não se sabe se ele sabia, ou se ainda teria dito essas coisas caso soubesse, que Beethoven não escutava quase nada, mais. Seu piano e sua fala eram rudes porque ele mesmo precisava se ouvir.

Ferdinand Ries
Nascido em 1784, o compositor Ferdinand Ries tornou-se pupilo e ajudante de Beethoven. Compostor prolífico, compôs oito sinfonias (41, como Mozart e 104, como Haydn, ninguém jamais conseguiria, ao menos no alto romantismo).
Ries escreveu, junto com Franz Wegeler, em 1838, um livro de memórias sobre Beethoven.
Johann Nepomuk Hummel
Hummel é muito mais importante do que costumamos pensar. Pianista virtuose, compositor inovador, aluno de Mozart, Salieri, Haydn e Muzio Clementi, amigo de Beethoven e Schubert. Hummel é muito conhecido entre músicos (e até gravado). A maior parte de sua obra é para piano solo ou piano com orquestra (são 8).
Stephen Hough interpreta o 1º movimento da Sonata em Fá Sustenido Menor, de J N Hummel.
Hummel influenciaria Franz Schubert, na sua "Wanderer Fantasy" e Robert Schumann, na sua Fantasia, Op. 17Com Johann Nepomuk Hummel a situação era completamente diferente. Hummel, 8 anos mais jovem que Beethoven, havia sido uma criança prodígio e aluno de Mozart. Os dois (Hummel e Beethoven) travaram uma amizade de anos.
Gioachino Rossini
Rossini já era um compositor famoso, tavez o mais famoso da Europa, quando seus esforços para conhecer Beethoven deram frutos. Beethoven o reconheceu e elogiou pela ópera 'O Barbeiro de Sevilha', acrescentando que ele nunca deveria escrever algo diferente de opera buffa (comédia operística), pois isso iria contra a natureza de Rossini. O poeta Giuseppe Carpani, que arranjou o encontro, lembrou a Beethoven que Rossini já tinha composto várias óperas sérias. "Sim, eu dei uma olhada nelas. Opera seria não combina com os italianos. Vocês não sabem lidar com o drama real."
Franz Liszt
Franz Liszt, nascido em 1811, conta (ele que conta) o seguinte:
"Eu tinha cerca de onze anos quando meu altamente estimado professor Czerny me apresentou a Beethoven. Czerny já o tinha contado sobre mim e pedido que ele me ouvisse. Mas Beethoven tinha aversão a prodígios e, por um longo tempo, se recusou a me ouvir. Finalmente, como se persuadido pelo meu incansável professor Czerny, disse: 'Então, pelo bem de deus, traga o pequeno patife'."
"Era uma manhã, cerca de dez horas, quando eu entrei nas duas salinhas do Schwarzspanierhaus, onde Beethoven vivia. Eu estava bem embaraçado - mas Czerny gentilmente me encorajou. Beethoven estava sentado à janela em uma longa e estreita mesa, trabalhando. Por um momento, ele olhou para nós com uma cara séria, disse duas palavras rápidas a Czerny, mas ficou em silêncio quando o meu querido professor me sinalizou que sentasse ao piano."
"Primeiro, eu toquei uma pecinha de (Ferdinand) Ries. Quando eu terminei, Beethoven me perguntou se eu podia tocar uma fuga de Bach. Eu escolhi a Fuga em Dó menor, do Cravo Bem Temperado. 'Você pode transpor essa fuga?" Beethoven perguntou."
"Felizmente, eu podia. Após o acorde final eu olhei para cima. Os olhos profundos e brilhantes de Beethoven descansaram em mim - mas, de repente, um leve sorriso percorreu sua outrora séria face. Ele se aproximou e bateu na minha cabeça várias vezes, com afeto."
"'Bem - eu fui surpreendido' - ele sussurrou, 'um demoniozinho tão pequeno'. Minha coragem subiu, repentinamente: Posso tocar uma de suas peças?, perguntei com audácia. Beethoven fez que sim, com um sorriso. Eu toquei o primeiro movimento do seu Concerto para Piano em Dó Menor (o 1º). Quando eu terminei, Beethoven esticou os braços, beijou-me a testa e disse, suavemente:"
"Você pode ir, agora. Você é um dos sortudos. Será seu destino trazer alegria e júbilo a muitas pessoas e essa é a maior alegria que se pode atingir."
Franz Schubert
Shcubert era bem mais novo que Beethoven, tendo nascido e 1897. Isso não o impediu de morrer apenas um ano depois do ídolo, em 1828, aos 31 anos de idade. Morou a maior parte de sua vida em Viena, mas, por pura timidez, jamais se aproximou de Beethoven ou lhe mostrou algum trabalho.
Sabe-se que conheceu o mestre alemão em 1822. Foi com o também compositor Anton Diabelli à casa de Beethoven com a intenção de lhe oferecer uma cópia de sua peça 'Variações Sobre uma Canção Francesa'. Mas, tímido que era, gaguejou e quase desmaiou quando Beethoven apontou um pequeno problema na obra.
Anos depos, em 1827, Beethoven já dava a vida como finda, e seu amigo (e futuro biógrafo) Anton Schindler, a fim de distraí-lo, entregou-lhe algumas partituras de lieds (canções: voz e piano) de Schubert. Beethoven teria dito: "Realmente, a faísca do gênio divino reside nesse Schubert!". "... vai ser uma grande sensação no mundo".
Carl Maria von Weber
Weber era um pouco mais novo que Beethoven (17 anos), primo de Mozart, através da esposa desde, Constanze Weber. Excelente pianista, regente e crítico musical, não gostava, no princípio, da música de Beethoven. Os dois eram figuras colossais no mundo da música europeia, Beethoven, na música instrumental, Weber, na ópera em alemão.
No final, Weber se tornaria um grande admirador de Beethoven. Já este, sem saber e sem querer, era tão importante e central que ofuscava os demais. Eles se conheceram e 1823, em um almoço, em que Weber pediu que Beethoven desse uma olhada em sua ópera Euryanthe.
"Nós passamos o meio-dia juntos, muito alegres e felizes. Este homem rude realmente fez corte a mim, serviu-me à mesa com cuidado, como se eu fosse uma dama etc."
Espero que esses parágrafos mostrem com fidelidade a importância de Beethoven. É muito difícil cravar "quando", exatamente, acabou o período Barroco. Igualmente difícil é definir quando terminou o Classicismo. Mas na minha concepção, o Classicismo foi derrubado à força. E por um homem só. Vou insistir na Sinfonia Eroica e fazê-los comparar com uma obra contemporânea a ela. Quero que ouçam apenas o início dos trechos a seguir:
Beethoven - Sinfonia Nº 3 'Eroica'
Haydn - Concerto para Trompete
Na 'Eroica', escrita em 1802, chamam-nos a atenção imediata os dois acordes iniciais. Agressivos, expoentes do que eu chamo de "a raiva de Beethoven". O Tema A aparece logo depois, nos Violoncelos e é rudemente interrompido pelos Violinos.
No Concerto, escrito em 1796, não há nada nesse sentido. Nada acontece fora do previsto pelas convenções musicais da época.
É ruim ser convencional? Não. Haydn era, mesmo, um gênio. Mas, se fosse por ele, ainda estaríamos por aí, com Sinfonias, Sonatas e Concertos de 15 minutos.
A 'Eroica' dura 50 minutos, tempo suficiente para o compositor fazer tudo o que sabe e, ainda, elevar a exigência do público.
Fecha Parêntesis para Beethoven)
E em Paralelo a Beethoven?
A música é uma arte que nunca parou de evoluir. Havia, nós sentimos, hoje, uma certa escassez de sinfonistas. Mas, primeiro, havia muitos compositores escrevendo sinfonias e concertos, basta lembrar dos citados acima. Johann Nepomuk Hummel, Gioachino Rossini (este, especializado em ópera), Carl Maria von Weber (tem 2 sinfonias e 6 concertos) e Ferdinand Ries, que foi um compositor fértil e criativo (compôs 8 sinfonias, 9 concertos para piano etc.)
Mas só isso? Sim, na Alemanha, só. Mas na Itália e, especialmente, na Espanha, crescia um movimento, iniciado por Luigi Boccherini e Nicolò Paganini, de especialização em um instrumento que só agora vai aparecer (embora vivamos cercados por ele): o violão.
A Música Descritiva
Sei que acabamos de sair de Beethoven, mas teremos que voltar. É que música descritiva era uma novidade e, ao mesmo tempo, não.
Lembram-se das Quatro Estações de Vivaldi? Do Barroco? São 4 Concertos para Violino e, cada um, descreve, com uma orquestra de cordas e um violino solo, uma estação do ano.
Veja o 3º Movimento do "Verão", na interpretação de Ashot Tigranyan e da Classical Concert Chamber Orchestra. É uma tempestade.
E o compare ao 3º Movimento do "Outono", tocado por Oliver Braut e a Orquestra Barroca de Cleveland.
É incrível. Eu diria até prodigioso. Existem, de autoria de Vivaldi (ou não), 4 Sonetos que a música vai acompanhando. O 1º Movimento do Verão, por exemplo, tem um "langor, causado pelo calor"... No Outono, aos 37s do segundo vídeo, o solista imita as trompas de caça. Imagino que a cadência (2m40s) do Violino Solo (esse solista não é muito bom) aluda à morte da fera (abaixo).
No 3º movimento do Outono, o poema diz: "Os caçadores emergem com a aurora / E com trompas e cães e armas, partem para sua caça / Os bichos correm no encalço das suas trilhas / Assustados e cansados do grande barulho / De armas e cachorros a fera, ferida, ameaçada / Languidamente para voar, mas atormentada, morre."
No Barroco e no Classicismo existia, sim, música descritiva. Basta lembrarmos das Fantasias para Piano de Mozart. Mas precisamos ter em mente que elas não descrevem algo exato. São sensações, sentimentos etc.
András Schiff interpreta a Fantasia em Dó Menor, K. 475, de Wolfgang Amadeus Mozart.
Aberturas de Óperas
Desde o Barroco, existiam as aberturas de ópera. No começo, eram isso, mesmo, peças tocadas apenas pela orquestra, antes da ópera. Mas, eis que, no Classicismo, a abertura passa a ser tocada em concertos, apenas com a orquestra, sem os cantores. Era usada como um cartão de visita da ópera. Ex. Mozart: aberturas de Don Giovanni, Cosi fan Tutte, A Flauta Mágica.
Abertura de Concerto
No Romantismo, passa a existir a abertura de concerto. Ela independe de Ópera. É o caso da abertura de "Sonho de uma Noite de Verão", "Mar Calmo e Viagem Próspera" e "As Hébridas", de Felix Mendelssohn. Beethoven escreveu "Egmont", "Coriolano", "Rei Estêvão". Todas estas sem ópera. Hector Berlioz teve enorme importância por causa de sua Sinfonia Fantástica e as aberturas "Les Francs-Juges" e "Le Corsaire".
Poema Sinfônico
O conceito de Poema Sinfônico é muito parecido com o da Abertura de Concerto. É uma peça longa, geralmente descritiva, com um só movimento (no geral).
Franz Liszt foi o primeiro a usar o termo poema sinfônico (ele publicou 13 peças com esse nome). Dentre estes temos: Tasso: Lamento et Triunfo, Les Préludes e Mazzeppa.
Georg Solti rege Les Préludes, com a Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara.
A partir de então, poema sinfônico se tornou a principal forma de composição (com excessão da sinfonia), influenciando compositores como Antonín Dvořák, Edward Elgar e César Franck.
O Violão
Começou na Renascença, com o alaúde. Até hoje, grava-se muito John Dowland, que escrevia para alaúde, em transcrições para violão. Depois, veio o violão barroco, para o qual pouco foi esccrito.
O primeiro virtuose do violão e compositor de cerca de 400 obras para o instrumento, foi o napolitano Ferdinando Carulli (1770-1841). Seguiram-no Mauro Giuliani (1781-1829) e o espanhol Fernando Sor (1778-1839).
Confira, abaixo, o Estudo Op. 35 Nº 22, de Fernando Sor, por David Jaggs.
Hoje em dia, toca-se música de Johann Sebastian Bach ao violão. Mas é importante que lembremos que se tratam de transcrições. As peças não foram escritas para violão. Algumas, para alaúde, outras para violino, violoncelo, cravo, órgão etc.
Um bom exemplo é a Tocata e Fuga em Ré Menor, para órgão, transcrita para violão por Edson Lopes e executada, abaixo, por Tariq Harb.
Ainda no Classicismo
Luigi Boccherini (1743-1805)
Ainda no Classicismo, o violão moderno começava a aparecer, com, por exemplo, Luigi Boccherini. Ele escreveu uma dúzia de obras de câmara com violão. Mas ainda não havia repertório específico para (apenas) violão.
No Romantismo
Fernando Sor (1778-1839)
O catalão Fernando Sor foi o primeiro grande compositor a se dedicar ao instrumento. O primeiro de muitos. O romantismo é a era do violão. Ele compôs obras exclusivamente para o instrumento: 4 Sonatas, diversas Fantasias, música didática, além das normais Sinfonias e obras de câmara.
René Lacôte interpreta a Fantasia, Op. 7 de Fernando Sor.
Sor estudou no Mosteiro de Montserrat entre seus 12 e 15 anos. Mas foi quando voltou a Barcelona, que ele resolveu se dedicar ao violão, criando técnicas, componto exclusivamente para o instrumento e estabelecendo técnicas que são usadas até hoje. Por exemplo: ele evitava usar o dedo mínimo da mão direita. Quando o fazia, era em acordes, jamais na melodia.
Usamos estes preceitos até hoje.
Mauro Giuliani (1781-1829)
O italiano Mauro Giuliani era um prodígio. Tocava violoncelo, violão, compunha e cantava.
Ana Vidovic toca a Grande Abertura, Op. 61, de Mauro Giuliani.
Nicolò Paganini (1782-1840)
Muito mais conhecido como compositor para violino e violinista, Paganini era considerado um prodígio do violão. Escreveu pouco para o instrumento solista (por exemplo: 5 Peças para Violão, de 1800), mas é considerado o primeiro virtuose do instrumento, tanto quanto do violino.
Luigi Attademo toca a Romanza da "Grande Sonata" de Nicolò Paganini.
Matteo Carcassi (1792-1853)
Outro compositor importante para o violão, Matteo Carcassi teve fama tardia. Insistiu no violão, fez alguns concertos de sucesso pela Europa.
Alexandra Whittingham toca o Estudo Nº 7 dos 25 Estudos, Op. 60, de Matteo Carcassi.
Francisco Tárrega (1852 – 1909)
O espanhol Francisco Tárrega é um dos compositores de música para violão mais gravados e bem sucedidos de todos os tempos. É dele a famosíssima peça "Recuerdos de la Alhambra", assim como "Oremus" e o "Capricho Árabe".
Pepe Romero toca "Lágrima", de Francisco Tárrega.
O violão seguiu sua trajetória de instrumento solista no modernismo (especialmente com Heitor Villa-Lobos) e até hoje (tendo uma tradição extraordinária no Brasil e com o cubano Leo Brower).
O Piano
Até o início do Classicismo, os principais instrumentos de teclado eram o órgão e o cravo*. No primeiro, de certa forma, pode-se controlar a intensidade do som, mas não de notas individuais. Já no cravo, o máximo que se pode fazer é alternar entre os teclados (cravos costumam ter dois ou mais teclados). Por exemplo: fica a mão esquerda no teclado de baixo, que aciona todas as cordas (cada nota aciona duas ou três cordas), enquanto a direita, vai ao teclado de cima, que geralmente, aciona apenas uma corda para cada nota e tem um som mais doce.
* As obras para órgão e cravo de J S Bach, por exemplo, podem ser executadas ao piano, mas isso exige uma transcrição, feita, geralmente por compositores (F Liszt, F Busoni). Elas podem até ser tocadas por uma orquestra moderna inteira, como nas transcrições de Leopold Stokowski e Ottorino Respighi.
Eis que, no século XVIII, Bartolomeo Cristofori criou um instrumento em que o músico podia controlar a intensidade da nota de maneira imediata, o Fortepiano. Ele tem esse nome porque pode-se tocar forte e fraco (piano) apenas controlando o toque.
Não foi uma grande revolução, a princípio. W A Mozart chegou a escrever concertos para cravo. Mas foi graças a ele, a Haydn e a Beethoven que o Fortepiano se consolidou.
Frédéric Champion toca, em um Fortepiano, o Rondó em Ré Maior, KV 485, de W A Mozart.
Esse era o Fortepiano da época de Mozart. Sobre o piano moderno, é muito difícil dizer quando nasceu. Ele foi evoluindo a partir do Fortepiano, ganhando pedais - especialmente o de sustentação, que permite que as notas tocadas continuem a soar mesmo que se tire a mão.
Com o tempo e a evolução, o Fortepiano passou a ser chamado de, apenas, Piano.
Ludwig van Beethoven escreveu suas 32 sonatas para piano (até hoje estão entre as mais gravadas) e ajudou a consolidar o instrumento.
Petra Somlai toca a Sonata Nº 8, Op. 13, "Pathétique", de Ludwig van Beethoven, em um Fortepiano réplica de um instrumento de 1795.
A mesma peça, tocada em um piano moderno, por Anastasia Huppmann.
A Sinfonia
A sinfonia, tal como a conhecemos, existe desde o Classicismo, sendo um meio de o compositor demonstrar seu virtuosismo. São famosas várias sinfonias de Joseph Haydn, de Wolfgang Amadeus Mozart e de Carl Philipp Emanuel Bach. Mas foi no início do Séc. XIX que Beethoven (especialmente a partir de sua 3ª Sinfonia, "Eroica") atribuiu à sinfonia o status de obra sinfônica mais importante do repertório.
A partir da "Eroica", surgiram a "Sinfonia Fantástica", de Hector Berlioz, as 4 Sinfonias (são 5, mas a segunda não é uma sinfonia) de Félix Mendelssohn, as 4 de Robert Schumann, ao menos 2 das Sinfonias de Franz Schubert (a 8ª, "Inacabada", e a 9ª "A Grande") e, posteriormente, as 6 (ou 7, ou 8) de Tchaikovsky, as ao menos 4 das 9 de Antonín Dvořák, a Sinfonia em Ré Menor, de César Franck e uma infinidade de outras. A sinfonia persiste como principal meio de comunicação entre o compositor e o ouvinte.
Abaixo, a Sinfonia Fantástica, de Hector Berlioz, com a Orquestra Sinfônica da Rádio de Frankfurt, regida por Andrés Orozco-Estrada.
A Orquestra Romântica
Enquanto na Idade Média e Renascença prevaleciam os Consorts (grupos de instrumentos de uma mesma família), a partir do Barroco começou-se a consolidar a Orquestra. Geralmente, com (poucas) cordas, e dois oboés.
No Classicismo, ela cresceu. Eram mais cordas em uníssono, agora, com o contrabaixo, fagotes e oboés ou flautas. No final do Classicismo, Mozart implementou o clarinete.
A Orquestra Romântica é muito parecida com a atual. As cordas: cerca de 12 Violinos I, 10 Violinos II, 8 Violas, 8 Violoncelos e 4 a 8 contrabaixos. As madeiras: 2 Flautas, 2 Oboés, 2 Clarinetes e 2 ou 3 fagotes. Os metais: 4 Trompas, 3 Trompetes, 3 Trombones. As percussões: 4 Tímpanos. E alguns instrumentos extras, como o Clarinete em Mi Bemol, o Clarone, o Contrafagote, o Piano, a Celesta etc.

Abaixo, o regente Paavo Järvi rege a Sinfonia Nº 9, "Do Novo Mundo", de Antonín Dvořák., com a Tonhalle-Orchester Zürich.
Fim da parte 1 - Parte dois vem logo.
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