Por Rafael Torres
Atenção, esta postagem é repetida. A original ficou tão grande, que o hospedador do site não me deixava editar uma vírgula sequer, sem gerar uma enorme comoção.
Se não o fez, leia a Idade Média I - aqui. A partir de agora, vamos ter que nos entender. Por exemplo, se música romântica ficar enorme (e vai), terei que dividi-lo em partes. A postagem se chamará, por exemplo, Romantismo, Os Períodos da História da Música IV - Parte 4.
Os vídeos que colocarei, até agora, serão sempre curtos, como uma amostra.
Aproveite o texto!
Agora é tempo de versar a respeito deste período que tem tanto em comum com a Idade Média e, ao mesmo tempo, tão pouco. É infinitamente mais complexo, cheio, sonoro; usa 4 vozes, quando, na Idade Média, costumavam usar 3 (estou me referindo a linhas melódicas, chamadas vozes, não a cantores: 1 só voz pode ser cantada por toda uma sessão de cantores; 4 vozes, por, no mínimo, 4 cantores, ou um piano, cravo, violão, alaúde etc.). E, ainda assim, soa natural aos ouvidos.
A sociedade da Idade Média estava, digamos, em um estado de escuridão. Imagine as cidades sujas, cheias de doenças, esgoto passando nas ruas, ladrões, assassinos, moscas, comida estragada, poças de lama, porcos por todo lado, pobreza em todo lugar e, ainda por cima, guerras eclodindo sem parar. Por mais que eu goste da Idade Média, eu não queria estar lá. Pode até ser que o mito da "Idade das Trevas", esta visão de que eu falei, seja um exagero. Mas eu não queria estar lá.
Várias pendências medievais na evolução musical, foram pormenorizadamente sanadas na Renascença, tais como: o aprimoramento na criação da melodia, harmonia, ritmo, forma e, até mesmo, notação (a escrita da partitura); a consagração do Contraponto e seu melhor regramento; a melhor interação entre Música Sacra e Profana, que passaram a compartilhar uma evolução cúmplice; várias famílias de instrumentos foram aperfeiçoadas (e algumas novas, surgiram).
A Música Renascentista intriga e fascina músicos desde a época do Barroco (e musicólogos, desde o Século XX), é fonte incessante de descobertas e raiz de inesgotável deleite.
Notação Mensural
Agora, o compositor é capaz de produzir uma partitura mais amigável e pode por nela instruções mais detalhadas. Fizeram evoluir, do final da Idade Média, um tipo de escrita musical extremamente preciso. Chamava-se "Notação Mensural" (leia direito), pois, com ela, os músicos eram capazes de anotar e ler até mesmo as menores medidas de tempo. Este tipo de escrita foi usado até o Séc. XVII, quando, no Barroco, foi substituída pela Notação Moderna. Observe, abaixo:
A Renascença
Trata-se de um período que, ele sim, é transicional entre a Idade Média (Sécs. V a XV) e a Idade Moderna (a partir dos Sécs. XVII e XVIII, com o Iluminismo). Digo isso porque os Renascentistas ficavam fazendo pouco caso da Idade Média, dizendo que ela tinha sido uma mera pausa entre a Antiguidade Clássica e seu "Renascimento". Para eles, o mundo ia bem até a queda do Império Romano e, depois, era o caos da Idade Média. Sim, as pessoas da renascença acreditavam que estavam fazendo Renascer os áureos tempos das Antigas Roma e Grécia.
Como eu tinha explicado, períodos como o Classicismo e o Romantismo da música não correspondem às divisões históricas que damos a esses mesmos períodos. Por exemplo, o Classicismo, historicamente, é a antiguidade clássica (Europa central, entre os Sécs. VIII a.C. e V d.C.), enquanto que, na música, é em entre 1750 e 1810. O Romantismo, na música, equivale a todo o Séc. XIX (até mais), quando, na literatura, foi mais ou menos de 1780 a 1840. Mas a Idade Média e a Renascença, não. Estes são períodos históricos tanto quanto períodos na história da música.
Humanismo
O Humanismo Renascentista era uma movimento intelectual muito popular nos Sécs. XIV, XV e XVI. Evitemos confusão: Século XIV, ou 14 = anos 1.301 a 1.400. Século 15, de 1.401 a 1.500. Etc.
O Humanismo Renascentista, que tinha pensadores como Erasmo de Roterdã, Dante Alighieri e Petrarca, serviu de suporte filosófico e mentor moral ao povo europeu. Eles almejavam a purificação e reciclagem de Igreja Católica. Desejavam, também (sendo o Humanismo Renascentista inspirado no conceito Romano de Humanitas) o retorno às leituras bíblicas, compreender melhor (ou traduzir melhor) os Evangelhos, o Novo Testamento etc.
Tudo isso, sem ter que ficar preso às regras cada vez mais complicadas da Igreja Católica. Este movimento valoriza o ser humano como nunca, antes. Através dessa prática, ele descobre que, ao simplesmente raciocinar (sobre uma pedra, que seja), ele é capaz de compreender e capturar o que, antes, não era possível. Isso, reunido com a redescoberta da literatura clássica dos Antigos Gregos (Sócrates, Platão e Aristóteles) os levou a uma receptividade mental que se transformou na sua arte - a música, a poesia, a arquitetura, a literatura, a pintura...
Muitos se declararam adeptos do Humanismo, desde papas até a nobreza (o espaço entre papas e nobreza era um pouco menor do que o atual). Essa corrente de pensamento se originou no Séc. XIV, na Itália, e, de lá, foi se alastrando. A sua maior contribuição ao homem Renascentista está em seu próprio nome. Assim como o Heliocentrismo prega que o Sol é o centro do universo; e, no Geocentrismo, a Terra é que está; o Humanismo propôs que, no centro do universo, está o homem (acho que a mulher, também, mas só em teoria). Esse poderoso pensamento dota o ser de confiança, podendo ele, agora, questionar a natureza, a realidade, e se dando a oportunidade de se valorizar.
Traços da Renascença
A Renascença surgiu em Florença, possivelmente devido à grande concentração de intelectuais (inclusive, graças à migração de Eruditos Gregos, refugiados da queda de Constantinopla), aliada à estabilidade política da região e aos grandes patronos da Itália, a Família Medici, que apreciava patrocinar as artes;
Na Renascença, existiram Leonardo da Vinci e Michelangelo;
Também viveu William Shakespeare;
Johannes Gutemberg criou a imprensa (!), cujo impacto cultural foi (e é) gigante;
Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral esbarraram nas Américas (sem querer. Exterminaram milhares de ingígenas, também, sem querer);
Aconteceram a Reforma Protestante e sua reação, a Contrarreforma;
A Guerra dos 100 Anos terminou;
Joana d'Arc foi covardemente estuprada e morta;
Surgiu, já com medo das possibilidades que o Humanismo abria, o Individualismo. Era uma espécie de sub-corrente de pensamento que, entre outras coisas, punha o indivíduo no centro de suas próprias preocupações, em vez de Deus, como sempre havia sido;
Com o Individualismo, o ser passa a olhar para si e ser capaz de se compreender e de compreender o mundo;
A nobreza amava esta corrente de pensamento, pois, basicamente, dizia que ela, a nobreza, podia, até deveria, "cuidar" das suas proriedades, sem se preocupar com a pobreza que a cercava;
Este pensamento prevalece em metade do Brasil;
O Universalismo existiu no começo da Renascença, um período de construção e expansão de escolas e universidades;
A doutrina reconhecia o valor humano em suas mais diversas formas de saber, inclusive estimulando o saber em várias áreas, possibilitando o surgimento dos polímatas, aqueles que exercem vários ofícios (como Leonardo da Vinci, que foi pintor, botânico, poeta, geólogo e muitas outras coisas);
Outros artistas (não músicos) que apareceram na Renascença foram: Dante Alighieri, Miguel de Cervantes, Luís de Camões, Nicolau Maquiavel, Caravaggio, Sandro Botticelli, Rafael Sanzio, Jan van Eick, Ticiano, Hieronymus Bosch, Fra Angelico, Tintoretto, Donatello, entre outros;
Técnicas de pintura desenvolvidas na Renascença: Chiaroscuro, Cangiante, Perspectiva, Proporção, Sfumato;
As mulheres (mesmo as "nobres") estavam em péssimas condições: não podiam ser vistas pela janela para não despertar o interesse dos homens (estes, podiam violentá-las, afinal, foram "convidados"); não podiam tocar instrumentos de sopro, pois, acreditava-se, deformava os lábios, sendo que uma mulher só era valorizada se fosse bonita; eram meros acessórios que pertenciam legalmente aos maridos; os ajudavam, quer eles tivessem um restaurante (elas cozinhavam) ou uma alfaiataria (elas costuravam); as que não se casavam jamais, adquiriam emancipação (ficavam na casa dos pais ou viravam freiras);
Assim como hoje, existia um punhado de muito ricos e um número absurdo de pobres.
A Música Renascentista
A Música Renascentista não apagou a da Idade Média e nem a ignorou. Na verdade, ela evoluiu a partir da outra. Os coros ficaram maiores, os instrumentos, mais eficientes (em termos de afinação e durabilidade) e os estilos foram sedimentados. Na escrita contrapontística, as vozes ganharam maior independência melódica e rítmica.
Evoluiu o Cantus Firmus, que é quando uma melodia preexistente é usada como base para a confecção de outra(s). Outra técnica herdada da Idade Média foi o Fauxbourdon, ou Faux-Bourdon (Falso Bordão), que consiste na aplicação de saltos de oitava e ornamentação para embelezar a música.
No final da renascença, surgiu a afinação* moderna. Até então, utilizava-se um sistema de afinação diferente. Ou vários (como, por exemplo, a afinação pitagórica). Para os ouvidos atuais, parece desafinado.
* Afinação nada mais é do que uma maneira de dividir, em intervalos, uma oitava, o intervalo entre uma nota e si mesma mais aguda ou mais grave (Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si são as primeiras sete notas, em Dó maior, e Dó, ele mesmo, é a oitava). Acontece que, tecnicamente, este espaço é infinito. Muito gradualmente, chegamos a uma maneira mais ou menos boa de dividi-lo, com o chamado Temperamento Igual. É um sistema de afinação que, mesmo sem você saber, seu ouvido conhece muito bem.
A Música Instrumental começou a ser feita por compositores sérios. Refiro-me àqueles do ocidente que sistematizaram, anotaram e trataram de espalhar sua música.
Quanto aos instrumentos, muitos têm origem na Idade Média e foram evoluídos na Renascença. Para sumir (ou evoluir) no Barroco. Alguns dos mais comuns:
A família de Violas da Gamba Renascentistas, instrumentos de Corda com Arco com 6 cordas (ou 7, dependendo da região). Pesquise sobre os instrumentistas modernos Hille Perl, John Dornenburg e Jordi Savall. O som é doce, menos áspero e rouco que o da família dos Violinos;
A das Flautas Doces Renascentistas, que cresceu descontroladamente (veja vídeo abaixo). A Flauta Doce Renascentista tem construção melhor, som mais forte e mais versatilidade do que a Medieval;
O Cravo, na Renascença, tornou-se um instrumento potente que tanto acompanhava quanto tocava solo;
Evoluiu o Órgão, de modo que, muitos sobrevivem. Com dois ou mais teclados e uma pedaleira, pode ter metros e metros de tamanho (já que seus tubos não ficam, necessariamente, perto do teclado);
Havia, ainda:
A Sacabuxa, o antepassado do Trombone;
A Mandora, um pequeno Alaúde Soprano;
O Alaúde, o mais importante instrumento de cordas pinçadas da época;
O Cistre, análogo a um Alaúde, mas com o fundo reto;
A Charamela, instrumento de sopro de palheta dupla que seria, no Barroco, substituído pelo Oboé;
A Flauta Transversa, que ainda era de madeira, mas acabou "vencendo" da flauta doce em potência e afinação;
O Virginal, instrumento da família do Cravo, mas bem menor e com apenas um teclado. O instrumento para o qual compuseram William Byrd, John Bull e Orlando Gibbons;
A Espineta, uma espécie de Cravo compacto. Sua cauda fica na diagonal, tornando-a ainda menor;
O Violino. Surgiu no final da Renascença, mas só foi crescer em popularidade no Barroco.
O Alaúde
A família das Flautas Doces Renascentistas
A Mandora
O Órgão
As Flautas Transversas
O Virginal
O Consort (família de instrumentos) da Viola da Gamba
O Cravo Renascentista
Vemo-nos na parte 2 da parte II. Obrigado.
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