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Renascença - Os períodos da História da Música II

Atualizado: 11 de dez. de 2023

Por Rafael Torres

Se não o fez, leia a parte 1 - Idade Média aqui!

Atenção, os vídeos que colocarei serão sempre curtos, como uma amostra.

Aproveite o texto!


 

Agora é tempo de versar a respeito deste período que tem tanto em comum com a Idade Média e, ao mesmo tempo, tão pouco. É infinitamente mais complexo, cheio, sonoro; usa 4 vozes, quando, na Idade Média, costumavam usar 3 (estou me referindo a linhas melódicas, chamadas vozes, não a cantores: 1 só voz pode ser cantada por toda uma sessão de cantores). E, ainda assim, soa natural aos ouvidos.


A sociedade da Idade Média estava, digamos, em um estado de escuridão. Imagine as cidades sujas, cheias de doenças, esgoto passando nas ruas, ladrões, assassinos, moscas, comida estragada, poças de lama, porcos por todo lado, pobreza em todo lugar e, ainda por cima, guerras eclodindo sem parar. Por mais que eu goste da Idade Média, eu não queria estar lá.


Várias pendências medievais na evolução musical, foram pormenorizadamente sanadas na Renascença, tais como: o aprimoramento na criação da melodia, harmonia, ritmo, forma e, até mesmo, notação (a escrita da partitura); a consagração do Contraponto e seu melhor regramento; a melhor interação entre Música Sacra e Profana, que passaram a compartilhar uma evolução cúmplice; várias famílias de instrumentos foram aperfeiçoadas (e algumas novas, surgiram).


A Música Renascentista intriga e fascina músicos desde a época do Barroco, e musicólogos, desde o Século XX, é fonte incessante de descobertas e raiz de inesgotável deleite.



 

Notação Mensural


Agora, o compositor é capaz de produzir uma partitura mais amigável e pode pôr nela instruções mais detalhadas. Fizeram evoluir, do final da Idade Média, um tipo de escrita musical extremamente preciso. Chamava-se "Notação Mensural" (leia direito), pois, com ela, os músicos eram capazes de anotar e ler até mesmo as menores medidas de tempo. Este tipo de escrita foi usado até o Séc. XVII, quando, no Barroco, foi substituída pela "Notação Moderna". Observe, abaixo:


Notação Mensural

Notação Moderna, depois de editada

 

A Renascença


Trata-se de um período que, ele sim, é transicional entre a Idade Média (Sécs. V a XV) e a Idade Moderna (a partir dos Sécs. XVII e XVIII, com o "Iluminismo"). Digo isso porque os Renascentistas ficavam fazendo pouco caso da Idade Média, dizendo que ela tinha sido uma mera pausa entre a Antiguidade Clássica e seu "Renascimento". Para eles, o mundo ia bem até a queda do de Roma e depois era caos de Idade Média. Sim, eles acreditavam que estavam fazendo Renascer os áureos tempos das Antigas Roma e Grécia.


Como eu tinha explicado, períodos como o Classicismo e o Romantismo da música não correspondem às divisões históricas que damos a esses mesmos períodos. Por exemplo, o Classicismo, historicamente, é a antiguidade clássica (entre os Sécs. VIII a.C. e V d.C.), enquanto que, na música, é em entre 1750 e 1810. O Romantismo, na música, equivale a todo o Séc. XIX (até mais), quando, na literatura, foi mais ou menos de 1780 a 1840. Mas a Idade Média e a Renascença, não. Estes são períodos históricos tanto quanto períodos na história da música (e outras artes).


Humanismo

O Humanismo Renascentista era uma movimento intelectual muito popular nos Sécs. XIV, XV e XVI.


O Humanismo Renascentista, que tinha pensadores como Erasmo de Roterdã, Dante Alighieri e Petrarca, serviu de suporte filosófico e mentor moral ao povo europeu. Eles almejavam a purificação e reciclagem de Igreja Católica. Desejavam, também (sendo o Humanismo Renascentista inspirado no conceito de Humanitas Romano) o retorno às leituras bíblicas e a tentativa de compreender melhor, traduzir melhor os Evangelhos, o Novo Testamento, tudo isso sem ter que ficar preso às regras cada vez mais complicadas e aos grilhões da Igreja Católica. Essa teoria valoriza o ser humano como, antes, nunca. Através dessa prática, ele descobre que, ao simplesmente raciocinar (sobre uma pedra, que seja), ele é capaz de compreender e capturar o que antes não era possível. Isso, reunido com a redescoberta da literatura clássica dos Antigos Gregos (Sócrates, Platão e Aristóteles) os levou a uma receptividade mental que se transformou na sua arte - a música, a poesia, a arquitetura, a literatura, a pintura...


Muitos se declararam adeptos do Humanismo, desde Papas até a Nobreza. Essa corrente de pensamento se originou no Séc. XIV, na Itália, e, de lá, foi se alastrando. A sua maior contribuição ao homem Renascentista está em seu próprio nome. Assim como o Heliocentrismo prega que o Sol é o centro do universo; e, no Geocentrismo, a Terra é que está, o Humanismo propôs que, no centro do universo, está o homem. Esse poderoso pensamento dota o ser de confiança, podendo questionar a natureza, a realidade, e se dando a oportunidade de se valorizar.



Traços da Renascença

  • A Renascença surgiu em Florença, possivelmente devido à grande concentração de intelectuais (inclusive graças à migração de Eruditos Gregos refugiados da queda de Constantinopla), aliada à estabilidade política da região, e os seus grandes patronos, a Família Medici, que apreciava patrocinar as artes);

  • Na Renascença existiram Leonardo da Vinci e Michelangelo;

  • Também viveu William Shakespeare;

  • Johannes Gutemberg criou a imprensa (!);

  • Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral esbarraram nas Américas;

  • Aconteceram a Reforma Protestante e a Contrarreforma;

  • A Guerra dos 100 Anos terminou;

  • Joana d'Arc foi covardemente massacrada;

  • O Individualismo era uma corrente de pensamento que punha o indivíduo no centro de suas próprias preocupações, em vez de Deus, como sempre havia sido;

  • Com o Individualismo, o ser passa a olhar para si e ser capaz de se compreender e de compreender o mundo;

  • O Universalismo existiu no começo da Renascença, um período de construção e expansão de escolas e universidades;

  • A doutrina reconhecia o valor humano em suas mais diversas formas de saber, inclusive estimulando o saber em várias áreas, possibilitando o surgimento dos Polímatas, aqueles que exercem vários ofícios (como Leonardo da Vinci, que foi pintor, botânico, poeta, geólogo e muitas outras coisas);

  • Outros artistas (não músicos) que apareceram na Renascença foram: Dante Alighieri, Miguel de Cervantes, Luís de Camões, Nicolau Maquiavel, Caravaggio, Sandro Botticelli, Rafael Sanzio, Jan van Eick, Ticiano, Hieronymus Bosch, Fra Angelico, Tintoretto, Donatello, entre outros;

  • Técnicas de pintura desenvolvidas na Renascença: Chiaroscuro, Perspectiva, Proporção, Sfumato;

  • As mulheres estavam em péssimas condições: não podiam ser vistas pela janela para não despertar o interesse dos homens; não podiam tocar instrumentos de sopro, pois, acreditava-se, deformava os lábios, sendo que uma mulher só era valorizada se fosse bonita; eram meros acessórios que pertenciam legalmente aos maridos; os ajudavam, quer eles tivessem um restaurante (elas cozinhavam) ou uma alfaiataria (elas costuravam); as que não se casavam jamais, adquiriam emancipação (ficavam na casa dos pais ou viravam freiras);

  • Assim como hoje no Brasil, existia um punhado de muito ricos e um número absurdo de pobres.


Caravaggio - Vocação de São Matheus - Óleo Sobre Tela

 

Humanismo

O Humanismo Renascentista era uma movimento intelectual muito popular nos Sécs. XIV, XV e XVI.


O Humanismo Renascentista, que tinha pensadores como Erasmo de Roterdã, Dante Alighieri e Petrarca, serviu de suporte filosófico e mentor moral ao povo europeu. Eles almejavam a purificação e reciclagem de Igreja Católica. Desejavam, também (sendo o Humanismo Renascentista inspirado no conceito de Humanitas Romano) o retorno às leituras bíblicas individuais e a tentativa de compreender melhor, traduzir melhor os Evangelhos, o Novo Testamento, tudo isso sem ter que ficar preso às regras cada vez mais complicadas e aos grilhões da Igreja Católica. Essa teoria valoriza o ser humano como, antes, nunca. Através dessa prática, ele descobre que, ao simplesmente raciocinar (sobre o céu, que seja), ele é capaz de compreender e capturar o que antes não era possível. Isso, reunido com a redescoberta de um montante de literatura clássica dos Antigos Gregos (Sócrates, Platão e Aristóteles) os levou a uma receptividade mental que se transformou na sua arte - a música, a poesia, a arquitetura, a literatura, a pintura...


Muitos se declararam adeptos do Humanismo, desde Papas até a Nobreza. Essa corrente de pensamento se originou no Séc. XIV, na Itália, e, de lá, foi se alastrando. A sua maior contribuição ao homem Renascentista está em seu próprio nome. Assim como o Heliocentrismo prega que o Sol é o centro do universo; e o Geocentrismo, em que a Terra é que está, o Humanismo propôs que, no centro do universo, está o homem. Esse poderoso pensamento dota as pessoas de confiança, podendo questionar a natureza, a realidade, e se dando a oportunidade de se valorizar.


 


A Música Renascentista


A Música Renascentista não apagou a da Idade Média e nem a ignorou. Na verdade, ela evoluiu a partir da outra. Os coros ficaram maiores, os instrumentos, mais eficientes (em termos de afinação e durabilidade) e os estilos foram sedimentados. Na escrita contrapontística, as vozes ganharam maior independência melódica e rítmica.


Evoluiu o Cantus Firmus, que é quando uma melodia preexistente é usada como base para a confecção de outra(s). Outra técnica herdada da Idade Média foi o Fauxbourdon, ou Faux-Bourdon (Falso Bordão), que consiste na aplicação de saltos de oitava e ornamentação para embelezar a música.


A Música Instrumental começou a ser feita por compositores sérios. Quanto aos instrumentos, muitos deles têm origem na Idade Média e foram evoluídos na Renascença. Alguns deles eram:

  • A família de Violas da Gamba Renascentistas, instrumentos de Corda com Arco com 6 cordas (ou 7, dependendo da região). Pesquise sobre os instrumentistas modernos Hille Perl, John Dornenburg e Jordi Savall. O som é doce, menos áspero e rouco que o da família dos Violinos;

  • A das Flautas Doces Renascentistas, que cresceu descontroladamente (veja vídeo abaixo). A Flauta Doce Renascentista tem uma construção mais arquitetônica, som mais forte e mais versatilidade do que a Medieval;

  • O Cravo, que, na Renascença, tornou-se um instrumento potente que tanto acompanhava quanto tocava solo. Na Renascença se utilizava um sistema de afinação diferente, que, para os nossos ouvidos atuais, parece desafinado;

  • O Órgão de Igreja, com dois ou mais teclados e uma pedaleira. O suntuoso Órgão tem metros e metros de tamanho, já que seus tubos não ficam necessariamente perto do teclado;

  • A Sacabuxa, o antepassado do Trombone;

  • A Mandora, um pequeno Alaúde Soprano;

  • O Alaúde, o mais importante instrumento de cordas pinçadas da Renascença;

  • O Cistre, análogo a um Alaúde com o fundo reto;

  • A Charamela, instrumento de sopro de palheta dupla que foi, no Barroco, substituído pelo Oboé;

  • A Flauta Transversa, que ainda era de madeira, mas havia ganho em potência e afinação;

  • O Virginal, instrumento da família do Cravo, mas bem menor e com apenas um teclado. O instrumento para o qual compuseram William Byrd, John Bull e Orlando Gibbons;

  • A Espineta, uma espécie de Cravo compacto. Sua cauda fica na diagonal, tornando-a ainda menor;

  • O Violino. Surgiu no final da Renascença, mas só foi crescer em popularidade no Barroco.


O Alaúde


A família das Flautas Doces Renascentistas


A Mandora


O Órgão de Igreja


As Flautas Transversas


O Virginal


O Consort (família de instrumentos) da Viola da Gamba


O Cravo Renascentista


 

Divisões da Música da Renascença



A Música Renascentista costuma ser dividida em partes. A divisão mais comum a reparte por séculos, mas tem que ser em italiano: trecento (Séc. XIV), quattrocento (Séc. XV) e cinquecento (Séc. XVI). Mas não me apetecem, pois não explicam absolutamente nada. Até porque muitos compositores viveram nas viradas dos séculos. Portanto, decidi apresentar os compositores após o outro, sem divisão, sem período. No máximo um começo e o resto. Que acham da minha transgressão?


Por falar nisso, a partir de agora, é mais prudente contar a história da música a partir de seus compositores. Enquanto na Idade Média a música parecia evoluir à sua revelia, agora eles assumem o protagonismo.


 

O Início


O início se caracteriza pelo fato de que alguns dos compositores também eram ativos no final da Idade Média. Um deles é o inglês John Dunstaple, famoso, que havia sido crucial na Música Medieval. Outros incluem Johannes Ockeghem, Oswald von Wolkenstein, Gillles Binchois e Guillaume Du Fay.


A música, nessa época, ainda era marcada por formas antigas, como as Chansons (Rondeau, Ballade e Virelai), Antífonas, Motetos e outros, mas utilizando técnicas novas, como o acréscimo de vozes em intervalos de terça e sexta no Oganum (de Dunstaple) e o Fauxbourdon.


Dentre os outros compositores, Leonel Power era um veterano da Idade Média, como Dunstaple e, como Dunstaple, tinha ajudado a estruturar e formar a Escola da Borgonha; Oswald von Wolkensteit foi um dos mais importantes compositores da Primeira Renascença alemã e Gilles Binchiois era um compositor Holandês, também da Escola da Borgonha, que propunha obras simples e claras.


A Escola de Borgonha foi uma reunião de compositores que punham em prática certos preceitos e conferiam o prevalecimento das Formes Fixes (Rondeau, Ballade e Virelai). A escola foi a primeira etapa na implantação da Escola Franco-Flamenga, que, esta sim, se disseminou por toda a Europa e tratou de fazer evoluir o contraponto e, também, o modelo de harmonia.


Abaixo, de Guillaume Du Fay, da Escola de Borgonha, o Moteto "Je Me Complains Piteusement", na interpretação do Grupo Gilles Binchois. Todos os exemplos que colocarei aqui serão curtos, como amostras. As obras dos compsitores na Renascença costumam durar mais de meia hora.


 

John Dunstaple (1390-1453)


Nascido na Inglaterra e ainda na Época Medieval, Dunstaple foi o compositor mais famoso de Europa, quando estava no auge de sua atividade. Sua obra é apenas vocal, polifônica e repleta de Isorrítmos (explicados adiante). Ele foi um dos pioneiros em utilizar, na escrita do Organum, os intervalos de terça e sexta. Antes eram quarta e sexta.


Era influente até mesmo no continente, sendo muito importante na criação da Escola da Borgonha. E era um dos principais defensores de um certo estilo que apelidaram de Contenance Angloise, o Maneirismo Inglês, (que ninguém sabe direito o que é, mas possivelmente se refira a) uma forma de escrever Música Polifônica com acordes bem cheios, utilizando seus intervalos favoritos, o de terça e o de sexta.


Era um homem de rigorosa e refinada educação, tendo, também, sido astrônomo e matemático. Sua obra consiste em Chansons, Motetos e Missas.


Entre suas obras principais estão os Motetos: Ave Regina Celorum, Descendi in Ortum Meum, Quam Pulchra Es, Sancta Maria, Speciosa Facta Es, Veni Sancte Spiritus.


Observe este Moteto a Três Vozes chamado Quam Pulchra Es, interpretado pelo Hilliard Ensemble. Repare como as vozes já têm (ao contrário do que ocorria na Idade Média) sua independência. Uma linha vai se trançando na outra de forma sublime. Ah, e não fiquem confusos com o nome dele: aparece em várias grafias. As mais comuns: Dunstaple e Dunstable.


 

Guillaume Du Fay (1397-1474)


Se John Dunstaple era o compositor mais conhecido de sua época, Du Fay viria a se tornar um dos grandes nomes da história da música. Enquanto hoje Dustaple é pouco conhecido, apreciado principalmente por músicos e estudiosos, Du Fay (ou Dufay) continua sendo mais e mais apreciado desde que a música antiga voltou a aparecer em concertos (a partir dos anos 1950). Nascido na França, Du Fay era compositor e musicólogo. Foi uma das primeiras pessoas no mundo que podiam se considerar apenas e simplesmente um compositor.


Composer Guillaume Du Fay

Recebeu sua educação na Velha Catedral de Cambrai e foi ordenado padre em Bolonha. Estabeleceu-se em Roma em 1428 como cantor no prestigiado Coro Papal. Em Roma ele escreveu vários Motetos. Retornou a ao Papa em 1434, que dessa vez estava fixado em Florença. Criativamente, passou a alternar entre a escrita de Motetos e grandes Missas Cíclicas. A participação no Coro do Papa o tornou conhecido em toda a Europa - travava-se da principal organização de execução de música da época. Quando o Papa Eugênio se estabeleceu com sua comitiva em Bolonha, Du Fay debandou novamente e foi formar-se em direito.


A partir de 1437, Du Fay conseguiu o apoio de um grande Mecenas, o Sr. Nicolò III, Marquês de Ferrara. Isso ainda seria útil. Até por que, anos depois, quando Nicolò III morreu, em 1441, Du Fay visitou a Casa de Este, que o pertencia, e ficou surpreso em saber que o próximo Marquês havia, não apenas, dado continuidade ao patrocínio como havia copiado e distribuído algumas de suas obras.


Du Fay morreu em 1774. Em seu velório foi executado o seu lendário Réquiem (um dos primeiros Réquiens do mundo), que agora está perdido. Ele deixou composições em todos os estilos comuns na época: Missas, Motetos, Magnificats, Hinos, Antífonas e, falando agora em Música Profana, Rondeux, Ballades e Virelais. Todas as suas obras são corais, algumas delas, com possibilidade de acréscimo de instrumentos.


Suas obras mais emblemáticas são: Rondeux e Ballades, as Missas Se La Face Ay Pale, L'homme Armé, Ecce Ancilla Domini, Ave Regina Celorum; e vários Magnificats e vários Motetos, como Ave Maris Stella, Apostolo Glorioso, Flors Florum, Nuper Rosarum Flores, Aurea Luce, Vasilissa Ergo Gaude, Virgo Virga Virens, dentre tantos outros.


Fique com o sensacional Moteto "Nuper Rosarum Flores", de Guillaume Du Fay, que em sua época foi interpretado por 120 músicos. Aqui, a interpretação é do Cantica Symphonia. É uma peça relativamente comprida, mas eu sugiro que ouça, pois temos uma peça de grande porte, com instrumentos, genial e muito bem interpretada.


 

Johannes Ockeghem (1419-1497)


Nascido na atual Bélgica e conhecido por ter escrito o mais antigo Réquiem que chegou a nós, Ockeghem foi uma necessária influência musical entre as vidas de Guillaume Du Fay e Josquin des Prez.


Talvez você não perceba, mas quando eu digo que um compositor é importante, é porque ele já passou por umas duas triagens, aqui na minha cabeça. Esses de que eu escrevo aqui, são os mais importantes diante de uma lista enorme.


Perceba a dimensão da lista de compositores da Renascença. A da Idade Média era igual. Quando eu seleciono um para falar, é sabendo que estou omitindo dezenas. Mas que, pelo menos, selecionei os mais importantes. Por sinal, nesta sessão vou falar um pouco de outro músico, que era amigo de Ockeghem, o compositor, cantor e poeta francês Antoine Busnois (1430-1492)


Então, Johannes Ockeghem. Ele foi um dos compositores, junto a Busnois, da Escola Franco-Flamenga, assim como havia sido Guillaume Du Fay. Essa escola se caracterizava pela produção de Motetos a 4 vozes (o normal sendo três), de textura bem grave, bem como pela igualdade entre essas vozes (não havia uma principal).


Em uma boa parte de suas Missas ele fazia uso do Cantus Firmus (uma melodia preexistente que servia de base para a criação de outras vozes de uma composição polifônica). Busnois também usava essa técnica nas suas Missas. Nos dois, as vozes faziam várias variações rítmicas, como foma de manter o interesse.


As maiores contribuições técnicas de Ockenghem para a música foram a Missa Prolationum, que utiliza apenas Cânons de Medição *. E a Missa Cuiusvis Toni, que vai variando os Modos (escalas) que utiliza ao longo da execução.


* Em um Cânon normal, uma voz principal começa a cantar e vai sendo progressivamente imitada com exatidão pelas outras vozes. No Cânon de Medição, as vozes seguem a primeira, mas com diversas variações rítmicas, cada uma.


As obras mais importantes de Antoine Busnois são: a primeira Missa L'homme Armé de verdadeira influência, a Missa O crux lignum triumphale, os Motetos In Hidraulis Quondam Pythagora, Anima Mea Liquefacta Est, Bel Acueil Le Sergent d'Amours, o Madrigal Fortuna Desperata e dezenas de Chansons, como Accordes Moy, Advegne Que Venir Pourra, Amours, Amours, Amours Nous Traite, Au Pauvre Par Nessecité, Bonne Chére e L'autrier Que Passa.


Ja as obras mais importantes de Johannes Ockeghem são: a Missa Prolationum, a Missa Cuiusvis Toni, a Missa 'Mi-Mi', as Chansons Flors Seulement, Ma Bouche Rit, L'autre d'Antan, Ma Maistresse, Prenez Sur Moi, um Salve Regina, um Ave Maria, o Motet-Chanson Mort tu as navré e o Réquiem.


Como exemplo, ofereço esse Cânon a 36 Vozes (!), chamado Deo Gratias a 36, interpretado pelo Huelgas Ensemble. É um Cânon (as vozes vão entrando e se acumulando) a 36 vozes, ou seja, existem 36 linhas melódicas nesta minúscula obra.


 

Josquin des Prez (1455-1521)


Josquin montou seu estilo em cima dos de Guillaume Du Fay e Johannes Ockegheim. Ele era francês e pertencia (adivinha) à Escola Franco-Flamenga de música. Era reputado como O Maior Compositor da Europa em vida.


Josquin deixou completamente para trás a música homofônica Medieval e foi abrindo novas veredas. Foi (além de tudo) o compositor mais influente de contraponto na Renascença. No Barroco (Séc. XVIII), seria superado nesse quesito por Johann Sebastian Bach.


Josquin não era partidário do canto melismático (você canta notas e mais notas, mas a letra permanece na mesma sílaba, a letra não avança) que era característico da Parte I da Renascença e acabou adotando um estilo próprio, com frases curtas e repetidas.


Foi funcionário de três Papas, Inocêncio VIII, Alexandre VI e Luís XII. Também foi empregado do Duque Hércules I do Leste. Grande parte de suas obras foram publicadas pelo impressor italiano Ottaviano Petrucci (que hoje nome a um site que distribui a partitura de milhares de obras, com um acervo monstruoso). Petrucci sempre inseria obras de Josquin em antologias, além de fazer uma antologia só sua. É considerado o primeiro compositor a permanecer influente mesmo após a morte.


Mas voltando ao seu estilo: ele utilizava o Cantus Firmus e, nos Motetos, começou a se aproximar do tonalismo (a música vigente era e sempre havia sido modal), fazendo uma verdadeira revolução nos Motetos. Na Música Modal há os Modos da Igreja que nada mais são do que escalas distintas. São 8 escalas, cada uma com uma combinação de notas diferente.

  • Dórico (Ré Mi Fá Sol Lá Si Dó Ré);

  • Hipodórico (Lá Si Dó Ré Mi Fá Sol Lá - Uma Escala Menor);

  • Frígio (Mi Fá Sol Lá Si Dó Ré Mi);

  • Hipofrígio (Si Dó Ré Mi Fá Sil Lá Si);

  • Lídio (Fá Sol Lá Si Dó Ré Mi Fá);

  • Hipolídio (Dó Ré Mi Fá Sol Lá Si Dó - Uma Escala Maior)

  • Mixolídio (Sol La Si Dó Ré Mi Fá Sol);

  • Hipomixolídio (Ré Mi Fá Sol Lá Si Dó Ré).

A Música Modal é utilizada ainda hoje, mas de outros jeitos, as escalas são vagamente diferentes e algumas têm outros nomes. Agora, deixe-me explicar: vê o Dórico, ali? E o Hipomixolídio? São iguais. Mas o fato é que eles têm uma diferença crucial: todos os modos cujo nome começa em Hipo, recebem o tratamento harmônico dos não Hipo. Outra coisa. Não há sustenidos e bemóis? , nas transposições das escalas. Elas são apresentadas de modo a mostrar apenas seu modo natural.


Sobre Josquin, suas obras principais são as Missas Missa ad Fugam, Missa de Beata Vergine, Missa Gaudeamus, Missa Lá Sol Fá Ré Mi, Missa Pange Lingua e outras; Motetos Ave Maria, Ave Maria Virgo Serena, Inviolata, Integra Et Casta Es Maria e Miserere; e as Chansons Seculares Adieu Mes Amours, El Grillo e La Déploration de Johannes Ockeghem, uma Chanson Fúnebre em lamentação à morte de Johannes Ockeghem.


Apresento abaixo a Chanson linda de morrer "Mille Regretz", interpretada magistralmente pelo grupo Profeti Della Quinta.


 
 

O Restante


Chamo de Restante essa parte que vai de 1530 a 1600, mas não de modo pejorativo. Aqui vivem os maiores compositores que a Renascença produziu. Tem o nascimento de um lendário coro com orquestra, em Veneza. Seu estilo era o Policoral Veneziano. Seu nome era Capela São Marco. Tão magnífico era, e tão grandiosa sua sonoridade que compositores de toda a Europa queriam compor para ele. Os músicos tocavam e cantavam de vários pontos da cidade, gerando um som quadrafônico que deve ter sido surreal escutar.


Em Roma, tem também a volta da Igreja Católica a tentar regrar e controlar novamente a música. Havia um grupo de compositores, a Escola Romana, que tinha ligações com o Vaticano. Seu compositor de maior destaque histórico foi Giovanni Pierluigi da Palestrina.



Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594)


Palestrina, juntamente com Orlande de Lassus e Tomás Luis de Victoria, formava o trio de compositores mais disputados da Escola Romana. Palestrina teve grande influência no desenvolvimento da Música Sacra e da Música Profana.


Ele nasceu na cidade de Palestrina e seu primeiro emprego foi o de organista na Catedral de São Agapito. Após 7 anos, o Papa o nomeou como Diretor Musical da Capela Giulia, que fica na Basílica de São Pedro, no Vaticano.


Seu primeiro casamento lhe trouxe 4 filhos, mas o que nos interessa é o segundo casamento. Ele se casou com uma viúva. E ela tinha dinheiro suficiente para que ele pudesse parar de circular de capela em capela e finalmente pudesse bancá-lo como compositor.


Em 1594, quando morreu, Palestrina nos deixou 105 Missas, 140 Madrigais e 300 Motetos. Sua maior causa, como músico, foi tentar fazer a igreja banir a polifonia, que ele via como complexa e ininteligível, por um estilo mais consonante e claro. Inclusive ele costumava escrever dissonâncias apenas nos tempos fracos, com isso em vista. Outra característica sua é era a de utilizar o Cantus Firmus com notas longas (semibreves).


O Contraponto estilo Palestrina que aprendemos na faculdade é, na verdade, uma recriação do compositor Barroco Johann Joseph Fux, que, partindo de seus estudos da obra de Palestrina, elaborou o Contraponto em Cinco Espécies no seu influente livro "Gradus ad Parnassum".


Dentre as obras principais de Palestrina estão as Missas In Festis Apostolorum, In Semiduplicibus Majoribus, Tu Es Petrus, Ecce Ego Joannes, Assumpta Est Maria, Missa Brevis, os Motetos Beata Es Virgo Maria, Regina Coeli, a série de Motetos Canticum Cantocorum, o Stabat Mater e 2 Livros de Madrigais Espirituais a 5 vozes e mais 3 Livros de Madrigais Profanos.


Observe que maravilha é o Madrigal Cruda Amarilli, interpretado pelo Concerto Italiano.


 


Orlande de Lassus (1532-1594)


Orlande De Lassus teve grande influência no desenvolvimento da Música Sacra e da Música Profana. Seu nome pode ser grafado (e pronunciado) de várias formas, as mais comuns sendo Orlando di Lasso e Orlande de Lassus.


Orlande de Lassus

Ele nasceu em Mons, na atual Bélgica e sempre foi musical. Conta-se que, enquanto trabalhava de corista, foi sequestrado 3 vezes por conta da beleza de sua voz. Aos 12 anos, saiu do seu país e foi para a Itália, em Milão. ele conheceu músicos famosos. Andou por Nápoles, onde teve seu primeiro emprego, como compositor e cantor, depois foi a Roma, onde, em 1553, ele conseguiu um emprego sério. Era o posto de Maestro di Cappella (uma espécie antiga de regente e preparador de coro) da Basílica de São João de Latrão. Lassus tinha 21 anos e o emprego tinha muito prestígio.


Mas ele não queria emprego fixo, ele gostava de viajar. Falava francês, italiano, alemão, latim e outras. Em uma dessas viagens, para Munique, em 1558, ele passou a trabalhar para o Duque da Baviera. Acabou flertando e, depois, casando com a filha de uma Dama de Honra da Duquesa, Regina Wackinger, com quem teve dois filhos (que acabariam se tornando músicos).


As viagens terminaram quando, em 1563, ainda em Munique, foi apontado como Maestro di Cappella de Alberto V, o próprio Duque da Baviera. Lassus assentou lá e lá ficou para o resto da vida.


Ele ainda seria feito Cavaleiro do Esporão de Ouro pelo Papa Gregório XIII e pelo Rei da França, Charles IX e recebeu um Título de Nobreza pelo Imperador Maximiliano II, um Imperador Sagrado Romano que se tornou rei, de fato, da Boêmia, da Alemanha, da Hungria, da Croácia e, no final, Rei do Sacro Império Romano. Isso tudo atesta o alcance da fama de Lassus, mesmo fora dos meios musicais.


Lassus é autor de 2000 obras, dentre as quais se incluem: vários Madrigale Spirituale, sendo o mais famoso "Lagrime di San Pietro"; 530 Motetos; 150 Chansons (no estilo francês e em francês), 90 Lieder (no estilo alemão e em alemão). Agora a música sacra: 60 Missas, dentre as quais, "Missa Entre Vous Filles", "Tous les Regretz", "Missa Osculetur Me", "Missa Vinum Bonum" e "Missa Vanatorum"; os Motetos que formam o livro "Prophetiae Sibyllarum"; "A Paixão Segundo São Mateus", "A Paixão Segundo São Marcos", "A Paixão Segundo São Lucas" e "A Paixão Segundo São João"; "De Profundis" (salmos) e muitíssimo mais.


Ouça abaixo a bela e multipolifônica "Musica Dei Donum Optimi", um Moteto para 2 Sopranos, Contralto, 2 Tenores e Baixo. Lembrem-se que cada uma dessas vozes pode ser cantada por mais de uma pessoa. A obra é de 1576 e ele já usa polifonia avançada, com elementos de contraponto e de escrita harmônica. Aqui temos o grupo coral Tenebrae, regido por Nigel Short.


 

William Byrd (1540-1623)


E agora, para algo completamente diferente. William Byrd é outra coisa. Embora tenha uma vasta obra coral, ele é o primeiro compositor instrumental que veremos. Pertencia à Escola Virginalista Inglesa (que escrevia para um instrumento de teclado chamado Virginal).


A forma musical pela que ele é mais lembrado são as Pavanas e Galhardas para Virginal. A Pavana é inspirada em uma dança muito lenta da Renascença, quase estática, enquanto a Galharda também é uma dança, mas apressada e alegre.


Byrd nasceu em Londres, em uma família abastada e em que corria a música. Não se sabe muito a respeito de sua infância (de nenhum deles, na verdade - mal sobreviveram as músicas!). Provavelmente foi aluno de Thomas Tallis na Chapel Royal, a Capela Real Britânica, que é um lugar em que se produz música para cerimônias religiosas e da realeza. E, segundo evidências, assim que Byrd mudou a voz ele assumiu o cargo de assistente de Tallis.

William Byrd

Em 1563 ele assumiu o posto de organista e mestre dos coristas da Catedral de Lincoln, em Lincoln, outra cidade. Em 1569 William casou com Juliana Birley, com quem viria a ter sete filhos e uma vida feliz. Mas em 1572 ele volta a Londres, onde foi nomeado Cavalheiro pela Chapel Royal e, depois, organista. Sendo que o de organista não era um cargo pago. Byrd foi mudando de cargos, adquiriu, ao lado de Tallis, o monopólio da impressão de música em Londres, foi conhecendo a realeza, inclusive a rainha Elisabeth I.


Ele viveu na época de William Shakespeare! Muito estudioso, aprendeu grego, latim e provavelmente francês, italiano e hebreu. Mas, em um mundo todo voltado à religião, ele demorou muito a adquirir sua fé. Quando adquiriu, ela veio na forma de Católica. Acontece que a Inglaterra era oficialmente Anglicana (protestante). Escrever missas musicais era proibido. Ele jamais abandonou a fé, que chamavam de recusante, e veio a escrever muita música sacra.


A sua família chegou a ser acusada de seduzir pessoas para a causa católica. A própria música de Byrd era "tão fora de moda quanto sua fé". No final das contas ele acabava escrevendo 2 tipos de Música Sacra: a anglicana e a católica.


Apesar de estarmos aqui dando o perfil religioso de sua música, ele é muito mais conhecido por suas músicas seculares, especialmente as instrumentais. Vou perfilar primeiro suas obras para coro e, em seguida, as instrumentais.


Suas principais obras corais incluem: a Missa a 4 Vozes, a Missa a 5 Vozes, a Missa a Três Vozes, 2 Livros de Canções Sacras, dezenas de Salmos, e muitas outras obras, predominantemente, canções.


Suas principais obras instrumentais incluem: "My Ladye Nevells Booke", de obras para teclado; "Fitzwilliam Virginal Book" para Virginal, mas hoje se toca ao Cravo ou ao Piano; e obras para consort. Geralmente, consort de Violas da Gamba.


Escute abaixo "In Nomine à 4", para consort de Violas da Gamba, em uma bela interpretação do grupo The Voice of the Viol, que pertence ao grupo Voices of Music.


E aqui, uma Galliard, do Livro Fitzwilliam de Virginal, interpretada por Ernst Stolz.


 

Tomás Luis de Victoria (1548-1611)



Um dos mais conhecidos compositores do período final da Renascença, o espanhol Victoria era padre. Por isso mesmo, sua música é toda coral, polifônica, sacra e sob textos em latim. Sua música era considerada intensa como raramente se via na época. Mas vamos do início.


Catedral de Ávila

Tomás nasceu nas beiradas da cidade de Ávila, em Castela, na Espanha Contrarreformista. Ele foi menino cantor, aos 7 ou 9 anos, na suntuosa Catedral de Ávila. Era um exímio organista.


Em 1565, aos 19 anos, Victoria partiu, a pedido do Rei Philip II da Espanha. Partiu para Roma, como cantor e estudante no Collegium Germanicum et Hungaricum, fundado por Santo Inácio de Loyola e a mais antiga Universidade da cidade de Roma. Lá ele estudou Filosofia, teologia e, possivelmente, música com o grande Giovanni Pierluigi da Palestrina. Em 1573 Victoria fica se desdobrando com dois empregos: um como professor no Collegium Germanicum e o outro no Pontifício Seminário Romano. Lá ele foi Maestro di Cappella e professor de Cantochão.


Victoria foi ordenado padre em 1574 e, em 1975, foi nomeado Maestro di Capella da Igreja de São Apolinário. Depois, voltou à Espanha, quando Felipe II o chamou para ser Capelão de sua irmã, a Imperatriz Viúva Maria. Ele a acompanhou até a morte dela, por 17 anos.

É dito que sua música reflete sua personalidade, expressando seu misticismo e sua religião, sendo uma obra quase íntima demais. Ele tinha como característica a tendência de sobrepor e dividir coros com muitas vozes. As suas linhas melódicas em si eram complexas e o órgão sempre tinha grande importância, acompanhando o coro. Ademais, ele preferia que a obra soasse harmônica, pensando sempre na vertical, aos contrapontos elaborados de seus contemporâneos. Por fim, Victoria fazia uso abundante de dissonâncias.


Sua última obra é um Réquiem para a Imperatriz Maria.


Seus trabalhos mais importantes incluem: as Missas "Laetatus Sum", "Quarti Toni", "De Beata Maria Virgine" e "Vidi Speciosam"; vários "Magnificat"; várias "Lamentações"; 54 Motetos para 4, 5, 6, até 8 vozes; uma "Paixão Segundo São Mateus"; uma "Paixão Segundo São João" e os "Tenebrae Responsories", que são uma série de 18 Motetos a 4 vozes acappella.


Escute, abaixo, o Moteto a 4 vozes "O Vos Omnes", em interpretação do coral Tenebrae regido por Nigel Short.


 


John Dowland (1563-1626)



John Dowland foi um compositor, alaudista e cantor elizabetano que viveu no final da Renascença. Suas peças mais conhecidas costumam ser as para voz e alaúde, assim como as para alaúde solo, que, hoje, são tocadas majoritariamente ao violão moderno. É famoso, sobretudo, por suas Canções de Melancolia.


Do pouco que se conhece sobre sua infância, é possível supor que tenha nascido em Londres - mas pode ter sido em Dublin. O que se sabe é que, em 1580, foi para Paris para servir ao Embaixador da Corte Francesa. Nesse período ele se tornou católico. Neste momento ele já compunha bastante e publicava suas obras na Inglaterra.


John Dowland

Em cerca de 1584 ele voltou à Inglaterra e, logo, casou e teve um filho, Robert. Em 1588, John é graduado Bacharel em Música pela Universidade de Oxford.


Assim como William Byrd, é um católico em um país protestante. Isso trazia dificuldades. Por exemplo: em 1594 surge uma vaga de alaudista na corte. Mas sua aplicação foi deferida e ele sempre pensou ter sido por causa do seu Catolicismo, frente ao Protestantismo da Rainha Elizabeth I.


Quatro anos depois assume uma vaga na corte do Rei Christian IV, da Dinamarca. O rei era fascinado por música e o salário que ele entregava a Dowland era fabuloso. Mas, certa vez, Dowland, a pedido da corte dinamarquesa, foi à Inglaterra para comprar instrumentos musicais. Ocorre que, resolvendo problemas de publicação de suas obras, acaba ficando tempo demais em Londres, desagradando os patrões. Foi demitido em 1606 e voltou, mais uma vez, a Londres.


Em 1612 ele conseguiu o cargo de alaudista na corte de James VI, rei da Escócia. A partir daí suas composições começaram a escassear e John morre em 1626.


Suas obras principais incluem: 1 Livro de Salmos; 3 Livros de Canções para Alaúde e Coro ou Alaúde e Voz; Lacrimae, or Seven Tears, um Livro de Músicas Instrumentais para 5 Violas da Gamba e Alaúde e a sua última obra, A Pilgrim's Solace, para Violas da Gamba, Alaúde e Voz ou Coro.


Ouça abaixo a linda e famosa "Flow My Tears", uma de suas Canções de Melancolia, extraída do Segundo Livro de Canções. Os intérpretes são Phoebe Jevtovic Rosquist, a soprano e David Taylerdo, alaúde, eles pertencem ao grupo Voices of Music.


 

Claudio Monteverdi (1567-1634)


Claudio Monteverdi, por Bernardo Strozzi, em 1630

Claudio Monteverdi foi um compositor, regente de coro e instrumentista de corda do que agora podemos chamar de Transição de Renascença para o Barroco. Alguns estudiosos já querem catalogá-lo como Barroco. E tudo isso por causa de uma invenção que ele trouxe. Algo que era completamente inesperado enquanto ele estava vivo - não que ele tenha criado. Algo que encantaria multidões por, pelo menos 400 anos. A Ópera.


Mas vamos a Monteverdi. Ele nasceu em Cremona, Itália. Teve 5 irmãos e irmãs. Sua educação musical é toda incerta. Mas em 1613 ele foi Mestre do Coro da Capela de São Marcos, em Veneza. Aos 15 anos já havia composto 23 Motetos e outras obras.


Entre 1604 e 1646, Monteverdi escreve óperas. Muitas delas. L'Orfeu, uma de suas mais gravadas e tocadas nas salas de ópera, foi composta em 1607. Suas partituras não foram bem conservadas, de modo que das dez óperas que lhe são atribuídas, apenas 3 nos chegaram intactas: L'Orfeu, Il Ritorno d'Ulisse in Patria (de 1640) e L'incoronazione di Poppea (de 1643). Das outras, faltam pedaços da música ou do libretto.


Mas ele era consistente, também, em Música Sacra. Escreveu 8 Livros de Madrigais e Selva Morale e Spirituale, constituída por Motetos, Salmos, três Salve Regina, duas Missas e dois Magnificat.


Monteverdi morreu doente, em Veneza, em 29 de Novembro de 1643. Foi um músico respeitado, famoso e com a reputação de não ter medo de quebrar regras. E era moderno.


Veja, abaixo, trecho de Vespro Della Beata Vergine, com o Coro Monteverdi, regido por John Eliot Gardiner.


 

Maneirismo


Maneirismo foi um estilo artístico que apareceu na Itália e se desenvolveu entre (cirurgicamente) 1520 e 1600. Ou seja, nos últimos suspiros da Renascença. Era uma expressão, em especial, da escultura, da pintura e da arquitetura, mas se alastrou por todas as artes e também por toda a Europa. É possível que o movimento tenha sido engatilhado pela descoberta, em 1506, de uma escultura helenística em Roma (sim, helenística em Roma), chamada Laocoön. Também foi influenciado por artistas da própria Renascença e ainda vivos, especialmente Michelangelo e Benvenuto Cellini (este, converteu-se em um magistral escultor Maneirista).


Calcado no Humanismo Renascentista e naquela velha vontade que eles tinham de reviver, em muitos aspectos, a Antiguidade Clássica, e, também, em uma autopercepção de intelectualidade explícita, o Maneirismo era uma abordagem exagerada de elementos da arte. Tomemos a escultura como exemplo. A conduta Maneirista consistia em distorcer as características físicas do objeto (da escultura), muitas vezes com apuro técnico bastante alto, em aplicar artificialidade nas expressões e na aparência do objeto, em utilizar a técnica "Figura Serpentinata", que se originou ainda na Grécia Antiga e consistia em fazer, aplicando movimento à escultura, com que sua forma geral fosse espiralada e repleta de curvas. Tudo isso com o objetivo de tornar a obra mais expressiva, elegante ou autoritária.


O Rapto da Sabina, 1583, do flamengo Giambologna

Na música o Maneirismo tinha pouco cabimento: o contraponto estava em seu auge, e era uma técnica altamente regrada, quadrada e com pouco espaço para expressão. E aconteceu que o Maneirismo foi menos sentido pelos compositores. O que não significa que não tenha sido sentido. Mas é confuso. Denominar um compositor ou uma obra de Maneirista chega a ser polêmico. Não há consenso entre os musicólogos.


Há quem sugira que é Maneirista a música que utilize intervalos anômalos, harmonias experimentais e até que ensaie implantar o Temperamento Igual (tema que será abordado no Barroco). Mas não seria isso, simplesmente, a música tentando evoluir? De fato, encontramos esses elementos na música da época, assim como encontramos evoluções em todas as décadas desde o final da Idade Média.


De modo que eu vou lhes deixar um exemplo de música nesses moldes e vocês decidirão se é ou não Maneirista.


Fique com o Madrigal do Sexto Livro de Madrigais a Cinco Vozes do excepcional compositor e infame feminicida (link externo) Carlo Gesualdo. É "Io Parto, e Non Più Dissi". Nesse trecho tão mínimo de música você encontrará dissonâncias, algumas altamente radicais, e mudanças súbitas e igualmente futuristas na harmonia. A interpretação é do grupo Les Arts Florissants, dirigido por William Christie.


 

Considerações Finais


Se a Idade Média viu séculos de estagnação, a Renascença foi objetivamente mais inovadora. Hoje se enxerga a Idade Média com mais cautela e contextualização, tirando o veneno que, em boa parte, foi aplicado pelos Renascentistas. Mas, como disse, não há como negar a potência dos novos ares, parece que, bastou virar do ano 1399 para 1400, e o excesso de tragédia foi suavizado e as pessoas se tornaram mais pensadoras, progressistas e perfeccionistas. Ponderando que as mudanças ocorreram gradualmente, desde o fim da Idade Média até o fim da Renascença.


Gostaria de lembrar alguns progressos obtidos durante a Renascença (no que tange à música):

  • Maior utilização e organização da Polifonia, sobretudo do Contraponto;

  • Aprimoramento dos instrumentos musicais e surgimento de novas famílias;

  • Inovações na harmonia;

  • Utilização mais ampla e certeira das dissonâncias;

  • Melodias mais elaboradas;

  • Aprimoração da notação (escrita de partituras);

  • Surgimento da ópera;

  • Surgimento da editoração musical.

Mais do que podemos exigir de um período de apenas 200 anos. A Música Antiga é um período fascinante. De estudar, mas, principalmente, de ouvir.


Em uma próxima postagem veremos o Barroco.


 

Discos Interessantes de Música Renascentista



- Johannes Ockeghem - Réquiem, Missa "Mi-Mi", Missa Prolationum, 2 Salve Reginas e algumas obras menores, interpretados pelo Hilliard Ensemble, regido por Paul Hillier - O Réquiem mais antigo cuja partitura sobreviveu é uma obra fantástica. Apenas para coro, a obra tem 9 movimentos e dura cerca de 37 minutos. Embora não seja dramática, emotiva, é muito bonita. A Missa "Mi-Mi", curta e melismática, é uma maravilha. A Missa Prolationum, para 4 vozes, tal qual as anteriores, é uma obra ainda mais séria, comprida e digna de atenção.


- Guillaume Du Fay - Missa "Se la Face ay Pale", Magnificat "Quinti Toni", Missa "Ecce Ancilla Domini", na interpretação do Boston Church of the Advent Choir conduzido por Edith Ho - O Coro Adventista de Boston faz um trabalho impecável interpretando obras complicadas de Du Fay. O som do disco, de 2015, foi capturado com muito zelo e, ao mesmo tempo, deixando o coro se expressar. "Se la Face ay Pale" é uma obra tão complexa que é difícil acompanhar. O Magnificat, com menos de 6 minutos, tem igual complexidade e talvez uma pitada a mais de profundidade. Já "Ecce Ancilla Domini" é uma missa cheia de contraponto e com um caráter luminoso.


- Giosquino: Josquin des Prez in Italia - "Praeter Rerum Seriem", Missa "Hercules dux Ferrariae", "Tu Solus qui Facis Mirabilia", "Fortuna d’un Gran Tempo", "O Virgo Prudentissima", "Inviolata, Integra et Casta", "La Bernardina", "Salve Regina", "Huc Me Sydereo", com o Odhecaton, o Gesualdo Six e a direção de Paolo da Col - O contraponto de Josquin tem um tempero. As harmonias também contêm momentos bem complicados. São obras que representam muito bem a Renascença. O disco é de 2021.


- Thomas Tallis - "Spem in Alium" (moteto a 40 vozes), Missa "Salve Intemerata" e outras obras menores, interpretados pela Oxford Camerata, dirigida por Jeremy Summerly - Com coro masculino e feminino, o Moteto "Spem in Alium" é uma daquelas peças em que você parece que vai flutuar, pela meditatividade e pura beleza da obra. A Missa "Salve Intemerata" é engenhosa, utilizando às vezes apenas dois cantores, e outras vezes o coro inteiro (também misto). Imagino que a Oxford Camerata seja famosa pela sua sessão de baixos. Tem expressividade e precisão. O disco é de 2005. - Giovanni Pierluigi da Palestrina - Livro de Madrigais Sacros, Vol. 2, com o Corvina Consort, regido por Zoltan Kalmanovits - Também aplicando o coro misto, Palestrina cria Madrigais que podem soar menos cheios, como se as vozes estivessem esvaziados, mas eu digo isso no bom sentido. A textura é mais clara e se entende perfeitamente o que cada voz está cantando. O disco é de 2014.


- Orlande de Lassus - Inferno: "Cantica Sacra Sex et Octo Vocibus", "Audi Tellus", "Ad Dominum Cum Tribularer", "Media Vita in Morte Sumus", "Circumdederunt Me Dolores Mortis", "Libera Me Domine" e outros, interpretados pela Capella Amsterdam, regida por Daniel Reuss - Essa miscelânea de Motetos Profanos macabros, reunidos pela temática da penitência, nos traz música de qualidade ímpar. A interpretação do coro misto Capella Amsterdam é impecável, sóbria e pálida sem, jamais, soar apagada. O álbum é de 2020.


- William Byrd - Música Virginal e para Consorts (incluindo Pavanas e Galhardas), interpretadas por Skip Sempé, tocando no cravo, e pelo Cappricio Stravagante - Um disco mais vibrante, este aqui tem, também, maior variedade timbrística, variando entre um belo consort de Violas da Gamba e o lépido cravo de Sempé. Boa parte das músicas está no formatos mais cultivados por Byrd e pelos compositores de Música Virginal Elizabetana: a Pavana e a Galharda. O repertório, secular, é mais leve do que o de outros discos da lista, mas também não lhe falta profundidade e intimidade. É de 1997.

- Tomás Luis de Victoria - Réquiem, interpretado pelo Musica Ficta, regido por Raúl Mallavibarrena - O Requiem a 6 vozes de Victória é ainda mais organizado e encaixado que o de Ockeghem, gerando momentos de beleza ainda maior. O coro é misto e as vozes femininas estão próximas da perfeição. Contendo apenas o Requiem, o disco é curto, com 10 movimentos e quase 39 minutos de duração. É de 2017.


- John Dowland - Mel da Colmeia: Canções para Seus Patronos, cantadas por Emma Kirkby, acompanhada ao alaúde por Anthony Rooley - Cantado pela excelente soprano inglesa Emma Kirkby, especialista em música anterior ao Romantismo, o disco traz uma seleção de canções de Dowland, em vez de interpretar livros inteiros dele, como geralmente se faz. O canto de Emma e de cantores de sua linhagem não utiliza o vibrato, recurso tão comum e levado ao exagero por cantores modernos de ópera, música sacra ou lied. Isso vale para compositores a partir de Mozart. É de 2005.


- John Dowland - Lachrimae, ou Sete Lágrimas, com o grupo de Jordi Savall - Lachrimae ou Seven Tears é uma ambiciosa obra instrumental de Dowland. A música tem 21 movimentos, para Cinco Violas da Gamba (ou instrumentos da família do Violino) e alaúde. Foi composta em 1606 e é uma peça profunda e melancólica. As Sete Lágrimas são sete Pavanas (danças lentas, preguiçosas) que permeiam e sustentam a obra. Por entre as Pavanas, temos movimentos um pouco menos estáticos, como Allemandes, Galhardas, mais Pavanas e o funeral. Dowland disse: "As Lágrimas que a Música chora podem ser prazerosas. Nem são as lágrimas de tristeza, mas de felicidade e alegria." O disco é de 1987 e Savall e sua turma estão perfeitos.



 

Espero que esse texto seja útil. Teremos: Idade Média, Renascença, Barroco, Classicismo, Romantismo e Modernismo (e, talvez, Música Contemporânea).



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