Por Rafael Torres
Pode-se dizer que o Período Clássico foi um apêndice (mas um belo apêndice) na história da Música Erudita. Você sabia que, tecnicamente, Música Clássica é a de um período ínfimo, cerca de 50 anos, entre o Barroco e o Romantismo? A gente deu para chamar toda a tradição musical escrita, independente do tempo de que provinha, de Música Clássica. Debussy? Música Clássica. Stravinsky? Música Clássica.
Só que não é assim. Na verdade, só tem dois compositores do Período Clássico em si que você provavelmente deve conhecer. Joseph Haydn e Wolfgang Amadeus Mozart. Tem uma infinidade de outros compositores, mas a maioria deles é relativamente pouco tocada.
Agora, acho bobagem ficar corrigindo quem chama tudo de Música Clássica - é Música Erudita. Bobagem. Chame do que quiser. Mas saiba que vamos agora entrar nesse período específico, o Período Clássico propriamente dito, que vai de 1750 até cerca de 1810. (Alguns estudiosos entendem que vai até, mais ou menos, 1820. Eu discordo. Para mim, ele acaba em 1803).
Origens
Tudo começou (lembre-se que as artes e a arquitetura quase sempre estão ligadas) quando, na metade do século XVIII, as artes começaram a se voltar mais uma vez à estética e aos ideais da Roma Antiga e, sobretudo, da Grécia Antiga. Esteticamente, a limpeza da arquitetura, disfarçada de simplicidade, e a organização desta em estruturas claras e evidentes, chamou a atenção da Europa, nesse momento. Isso se tornou um movimento que foi chamado de Neoclassicismo. Até hoje não se sabe quem começou com isso, mas, se você leu sobre a Idade Média e a Renascença, percebeu que essa inclinação europeia a idolatrar este seu longínquo passado sempre existiu. Para falar a verdade, era uma ingênua idealização.
Continuemos. Consideravam a arquitetura Grega limpa, simples, com suas colunas Dóricas, Iônicas, Coríntias. E resolveram que era seu dever simplificar também as obras de arte. Na música, isso significava uma verdadeira operação de "desbarrocamento". Sendo a Música Barroca dada a barroquismos, ornamentações e polifonia, com muitas vozes e melodias ocorrendo ao mesmo tempo, a Música do Classicismo se viu inclinada a fazer o oposto. Seria clara, a música teria simplesmente uma melodia e o acompanhamento. E contracantos, bem mais simples de fazer do que o contraponto. E pronto.
Também, agora, cada movimento teria partes (já tinha, mas agora, com mais clareza) e a divisão entre essas partes deveria ser de fácil reconhecimento. Além disso, ela viria com contrastes mais evidentes entre o forte e o fraco. As modulações eram importantíssimas, mas, geralmente, predeterminadas.
Fixou-se a orquestra, também. Enquanto no Barroco a orquestra era dotada dos instrumentos que o músico tivesse à sua disposição, seja na corte, na igreja, escola etc., no Classicismo tínhamos uma coisa bem mais organizada: as cordas (Violinos I, Violinos II, Violas, Violoncelos e Contrabaixos), com a família dos Violinos sobrepujando a das Violas da Gamba de vez; duas Flautas, dois Oboés; três Fagotes; duas Trompas; Trompetes e Tímpanos. Tal conjunto era a orquestra base, à qual podiam ser acrescentados Trombones, Clarinetes e alguns poucos outros instrumentos. Ela era, também, substancialmente maior que a Barroca, especialmente no número de cordas em cada naipe.
Modelos da Orquestra Barroca e da Orquestra Clássica. Clique para ver mais.
Outras Influências
Não podemos nos esquecer que os compositores estavam a par do que acontecia na Europa. E duas coisas muito importantes aconteceram durante esse período: o Iluminismo e, posteriormente, a Revolução Francesa.
O Iluminismo foi um movimento intelectual que pregava que a razão deveria ser a maior autoridade a conduzir as ações. Defendia, também, a liberdade, a fraternidade, a tolerância, o progresso, o governo constitucional e o afastamento da Igreja dos assuntos do Estado. Era a primeira vez que o homem pensava assim, que o outro era igual a si, que a igreja não deveria ditar a vida das pessoas etc. O Iluminismo começou ainda no século XVII, mas foi no século XVIII que ele se entranhou no imaginário da população.
Já a Revolução Francesa, alimentada pelos princípios de Liberté, Égalité e Fraternité (obviamente, Liberdade, Igualdade e Fraternidade) ocorreu muito depois, em 1789. Foi um levante social que foi fomentado principalmente pela incapacidade do Ancien Régime (obviamente, Regime Antigo), no caso, o rei Louis XVI, de lidar com inquietações e demandas da população. Havia muita pobreza e a França vivia uma forte crise econômica. Louis XVI (e Maria Antonieta e muitos outros) foi executado em 1793. Tudo isso seria inimaginável acontecer sem o Iluminismo.
Agora, essas ideias e ações, tão revolucionárias, truculentas, violentas, refletiram-se em uma música, não raro, branda, pacata e delicada. A Música do Classicismo é, eu diria, destituída de conflitos.
Mas nesse ponto, com a aristocracia se enfraquecendo e a burguesia se fortalecendo, a população começou a querer ouvir música, também. Surgiram os teatros urbanos, não pertencentes a nenhum rei ou duque. Talvez também por isso a música tenha se simplificado. Era um novo público, não habituado a música que não fosse a popular, tocada por músicos de rua. Para eles, uma música como a Barroca soaria completamente indecifrável.
Características da Música do Classicismo
As principais características da Música do Período Clássico são:
Sobretudo: homofonia, com uma melodia sendo ditada por algum instrumento e a harmonia (os acordes de acompanhamento), tocados por outros;
O prevalecimento gradual, mas quase irreversível do Piano sobre o Cravo como principal instrumento de teclado. Além de se tornar o principal instrumento solista, era o instrumento do compositor, onde grande parte deles compunham;
Mas o Cravo ainda permaneceu, pelo menos, até o final do Classicismo, como "instrumento do maestro", que dirigia a orquestra ao mesmo tempo em que tocava um. Há relatos de Haydn procedendo assim no final de sua carreira, já no século XIX;
Na orquestra, foi desaparecendo o Baixo Contínuo, tão caro ao Barroco. A linha do baixo, agora, era escrita na partitura com os outros instrumentos. E os instrumentos que deveriam tocá-la (geralmente os Violoncelos e os Contrabaixos) eram especificados. O Cravo que acompanhava as Sinfonias, como mencionado acima, embora se assemelhe a um Baixo Contínuo, não o é, por um simples motivo: não é obbligato, ou seja sua inclusão é opcional e o que ele toca não tem importância à música, a não ser a de emprestar à orquestra seu som incisivo;
Houve mudanças em todos os gêneros de música: Ópera, Música para Instrumento Solo; Música de Câmara, Música Sacra e Música Sinfônica;
Na Música Sinfônica, surge a Sinfonia, obra de grande porte, com 3 ou 4 movimentos;
Na Música para Piano, por exemplo, surge a Sonata, uma espécie de Sinfonia para um instrumento só, já que tinha os mesmos 3 ou 4 movimentos e a mesma estrutura formal do seu equivalente orquestral;
Na Música de Câmara, estabelecem-se como principais formações o Quarteto de Cordas, o Trio com Piano (Piano, Violino e Violoncelo) e o duo Violino e Piano;
Na Ópera, há um crescimento, por demanda popular, da Ópera Bufa, que era mais leve e cômica.
Principais Compositores
Joseph Haydn (1734-1809);
Michael Haydn (1737-1806) (irmão de Joseph);
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791);
Johann Christian Bach (1735-1782);
Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788);
Wilhelm Friedman Bach (1710-1784) (os três últimos, filhos de Johann Sebastian Bach);
Muzio Clementi (1752-1832);
Antonio Salieri (1750-1825);
Mauro Giuliani (1781-1829);
Ludwig van Beethoven (1770-1827) (considero Clássica apenas a primeira das três fases de Beethoven. Já no começo do século XIX ele partiu para o Romantismo);
Franz Schubert (1797-1828) (também o considero uma figura de transição, mais Romântico do que Clássico).
Quanto a Beethoven e Schubert, listei porque a maior parte dos autores os incluem no Classicismo. Mas, a meu ver, pertencem muito mais ao Romantismo.
História
Traçar as origens do Estilo Clássico, adivinhar quem mudou o que, e por que, é tarefa complicadíssima. Deixemos isto aos musicólogos. Mas vocês devem lembrar, ainda no Barroco, de quando eu falei da Arte Rococó e do Estilo Galante. Vou cometer a heresia de copiar uns pequenos parágrafos da outra postagem.
Vigente entre os anos 1720 e 1770, o Rococó foi um estilo totalmente diverso do Barroco e serviu de transição entre este e o Classicismo. Estilo Galante é o nome da vertente musical do Rococó.
Suas características eram, muitas vezes, antagônicas às do Barroco. Essa oposição se manifestava, sobretudo, na forma de uma atitude simplista, sem usar contraponto, com importância dada à clareza melódica e, no acompanhamento, poucos e simples acordes.
Nem todos os compositores aderiram, e se o fizeram foi no final ou início da carreira. Dentre estes contamos com Georg Philipp Telemann, Giovanni Battista Sammartini, Guiseppe Tartini, Johann Joachim Quantz, Baldassare Galuppi e os começos das carreiras dos Clássicos Joseph Haydn e de Wolfgang Amadeus Mozart.
Percebemos que já existia, desde 1720, uma vontade, tanto do público quanto, possivelmente, dos músicos, de simplificar a música. Como eu sempre digo, na Música Barroca acontece muita coisa ao mesmo tempo. Vocês não imaginam quantos anos de estudo um músico dedica se quiser apreender contraponto. Daí, aboliram o coitado. Do Contraponto. Lembram? Trata-se da arte de conciliar duas ou mais melodias para que soem ao mesmo tempo sem entrar em nenhum tipo de conflito. Mas ele nunca foi esquecido. A coisa mais comum, quando eu leio a biografia de um compositor, mesmo sendo ele bem posterior ao século XVIII, é observar que, no final da sua vida, ele se volta ao estudo do contraponto.
Minha teoria é que o Estilo Galante foi ficando, sofrendo transformações, recebendo influências até que se transformou na Música do Classicismo. Nesse pequeno período, praticamente a segunda metade do século XVIII, a sociedade mudou muito. Agora, os músicos tinham que lidar com dois públicos: a aristocracia, que tinha preferência por música instrumental, e a população geral, que queria ouvir Ópera.
Não subestimemos a possibilidade de que isso, só isso, tenha acarretado mudanças. Precisamos de uma orquestra maior; precisamos de obras que contenham musiquinhas para o povo assoviar na rua; essa harmonia serve; essa, não; ficou longo demais; curto demais...
Lembrem-se, também, que os músicos que viviam naquela época podiam achar que um tipo de música era "antigo" e que um outro estava "em voga", mas eles não tinham um panorama histórico, nem a consciência de que estavam entrando em um "novo período". Eles sequer chamavam a Música Barroca de Música Barroca.
O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que também era músico, publicou, em 1768, seu Dictionnaire de Musique. No verbete Música Barroca podemos ler:
"Uma música barroca é aquela na qual a harmonia é confusa, carregada com modulações e dissonâncias, a melodia é áspera e pouco natural, a entonação (afinação) é difícil e o movimento é restrito".
Mas ele estava definindo um tipo de música. Ou então considerava Música Barroca um adjetivo. Jamais um período inteiro na história da música. O termo só seria aceito amplamente como a denominação de um período musical em meados do século XX. A fim de facilitar o ensino de História da Música, várias definições, obviamente, sempre com precedentes históricos, se sedimentaram.
Então, no fim, os compositores se viram em um ambiente inteiro que sugeria uma música mais simples (não estou dizendo "mais suave" "música clássica para estudar" etc., que detesto). E, aos poucos, aproveitando um bocado da estética do Estilo Galante, a Música do Classicismo foi surgindo.
Não dá para dizer quando ela começou, de fato. Mas é possível apontar que, uma vez cruzados alguns limites, já estávamos no Classicismo. Estou falando especificamente de duas inovações decisivas: a Forma-Sonata e a Sinfonia. Pode-se dizer que, quando já se compunham Sinfonias no modelo moderno e com o primeiro movimento em Forma-Sonata, já havia chegado o Classicismo.
A Forma-Sonata
Realmente ela facilita muito as coisas. Claro que não surgiu de repente. Não existe um inventor. Ela foi se desenvolvendo, até rapidamente, nessas décadas do fim do século XVIII. Trata-se de um esquema, um esqueleto, uma fôrma. Você chega com suas ideias e a fôrma lhe diz que você tem que apresentar o Tema A, fazer uma transição que não fuja de certas regras, apresentar o Tema B, mais uma transição, e partir para o desenvolvimento. Nele, você trabalha as ideias, ou seja, transforma e faz interagirem os dois temas, da maneira que sua criatividade permitir. Depois, faz nova transição e apresenta novamente, sem transformações, o Tema A e o Tema B (este, sofrendo uma modulação, isto é, tocado em outro tom). Agora, só falta o Coda, que é a finalização da música.
E que músicas são em Forma-Sonata?
Ela é onipresente. É quase obrigatória em Sinfonias e Sonatas para Piano. Geralmente, em uma Sinfonia de 4 movimentos, ao menos o primeiro (mas muitas vezes o quarto, também) é em Forma-Sonata. Também é quase certo aparecer em primeiros movimentos de Sonatas para Piano, Sonatas para Piano e Violino, Trios com Piano, Quartetos de Cordas... Enfim, em todas as formas de Música de Câmera. Vamos esmiuçar?
Vou apresentar a Forma-Sonata utilizando, para as partes, uma nomenclatura que, na verdade, só apareceu bem depois, um século depois. Mas é como se analisa musica hoje. Também vou exemplificar como o primeiro movimento de uma Sinfonia.
Parte 1 - Introdução: É um trecho opcional, nem todo movimento em Forma-Sonata tem Introdução. Como o nome indica, é um trecho, geralmente curto, de música livre, que normalmente é bem mais lenta do que o resto do movimento e cria uma atmosfera inicial;
Parte 2 - Exposição: Aqui o compositor apresenta, de maneira ordenada, utilizando transições apropriadas e relações entre tonalidades bem regradas, seus temas principais, que geralmente são dois, o Tema A e o Tema B, mas podem ser três, até mais. Os dois temas costumam ser contrastantes em caráter, humor ou estilo. Além disso, o Tema B é em tonalidade diferente da do Tema A (este é necessariamente no mesmo tom da Sinfonia). A transição nada mais é que um trecho musical em que o compositor prepara o ouvinte para um novo tema ou uma nova parte. A exposição costumava ser repetida, a fim de que o público se habituasse aos temas;
Parte 3 - Desenvolvimento: Depois que os temas são todos apresentados, uma codetta (trecho de finalização) conduz a música ao Desenvolvimento. É considerada a parte mais apropriada para o compositor exibir sua habilidade, porque é nela que ele vai usar técnica e criatividade para transfigurar os temas, podendo, por exemplo, tocá-los de trás para frente, de cabeça para baixo (acredite, é possível), começar a frase com um tema e terminar com o outro, as possibilidades são infinitas;
Parte 4 - Recapitulação: Essa parte, que também vem após uma transição, é bem semelhante à Exposição. Depois do Desenvolvimento, uma parte totalmente imprevisível, ela traz a música de volta ao seu comportamento inicial. São reapresentados o Tema A e o Tema B de forma quase idêntica àquela em que apareceram na Exposição. A principal diferença é que, agora, o Tema B se apresenta no mesmo tom do Tema A, a tônica da Sinfonia. As transições também podem ser diferentes. Enquanto a Exposição terminava na codetta, a Recapitulação conduz a um Coda, maior e de caráter mais assertivamente finalizador;
Parte 5 - Coda: O Coda não tem duração definida. Você sabe que a obra está acabando (por vezes, ficando mais frenética), mas o compositor pode prolongá-lo. O Coda encerra o movimento.
Essas regras eram tácitas, ou seja, não eram necessariamente ensinadas desta forma. Mas de alguma maneira, entraram no inconsciente dos compositores desde então (ainda hoje se compõe em Forma-Sonata).
E, também, não era para serem quebradas. Tinham que ser seguidas à risca. Só que eram quebradas o tempo todo. Não por todos os compositores, em todas as suas obras. Mas há exemplos notáveis de "desobediência" do esquema harmônico e até mesmo no manejo das partes.
Outras Formas
Vamos seguir o modelo mais comum de uma Sinfonia Clássica.
1º Movimento - Forma-Sonata;
2º Movimento - Movimento lento, sem forma definida, mas geralmente em duas partes, com a primeira retornando no fim (A-B-A);
3º Movimento - Aqui, Haydn implementou o Minueto e Trio. Ele também segue o padrão A-B-A, sendo A um Minueto, que se originou de uma dança presente em Suítes Barrocas, e B, um Trio (o Trio, ao menos no início, era literalmente um trecho em que três instrumentos, ou grupos de instrumentos, dialogavam entre si). O Minueto confere maior leveza à Sinfonia, pois geralmente seu caráter é leve e gracioso. Ele pode sofrer algumas alterações, a depender da vontade do compositor. Por exemplo: quando volta a Parte A, ela pode vir diferente, de diversas maneiras; ou então pode-se acrescentar uma nova parte (Parte C) antes do Minueto final etc.;
4º Movimento - Podia ser em várias formas, sendo as mais comuns a Forma-Sonata e o Rondó. Rondó é um movimento de caráter geralmente leve e alegre, cuja estrutura prescreve que haja uma Parte A, a principal, e outras partes secundárias (B, C, D...). O importante é que entre cada uma das partes secundárias seja tocada novamente a Parte A. O esquema fica, portanto, A-B-A-C-A-D-A... As partes secundárias podem bem mais de três.
A Obra Fica Assim
Desse modo, as formas mais populares para os movimentos eram:
1º Movimento - Forma-Sonata;
2º Movimento - Movimento lento, geralmente em esquema A-B-A;
3º Movimento - Minueto e Trio;
4º Movimento - Rondó.
A Sinfonia
O gênero mais nobre de música orquestral desde então, mas não o único, a Sinfonia ficou encrustada no imaginário dos compositores. Tornar-se-ia, mais de uma vez, a maior obsessão de homens que nela vislumbravam uma forma de atingir a imortalidade. Mas quando Mozart e Haydn estavam "brincando" de desenvolvê-la, ano após ano, inovação após inovação, a Sinfonia era inofensiva, não passava de mais um gênero, dentre os vários com que lidavam. Acho importante vocês saberem o que um músico do Classicismo compunha.
Música para Piano:
Sonata, a principal forma (não confundir com Forma-Sonata, a Sonata é mais ou menos equivalente a uma Sinfonia para Piano);
Tema com Variações;
Minuetos;
Peças (podem ser Sonatas) para Piano a 4 mãos;
E para 2 Pianos;
Etc.
Música de Câmera:
Quarteto de Cordas (estabeleceu-se desde o início com a formação com 2 Violinos, Viola e Violoncelo);
Quinteto de Cordas (este foi um pouco mais confuso. Alguns compositores adotaram o formato com 2 Violinos, Viola e 2 Violoncelos, outros foram compondo para 2 Violinos, 2 Violas e Violoncelo, e ainda 2 Violinos, Viola, Violoncelo e Contrabaixo);
Trio com Piano (Piano, Violino e Violoncelo);
Quarteto com Piano (geralmente Piano, Violino, Viola e Violoncelo);
Sonata para Piano e Violino;
Várias formações envolvendo Sopros;
Formações com Sopros e Piano;
Etc.
Música para Piano:
Sonata, a principal forma (não confundir com Forma-Sonata, a Sonata é mais ou menos equivalente a uma Sinfonia para Piano);
Tema com Variações;
Minuetos;
Peças (podem ser Sonatas) para Piano a 4 mãos;
E para 2 Pianos;
Etc.
Música Orquestral:
Sinfonia;
Serenata;
Divertimento;
Concerto (para qualquer instrumento solista e orquestra, mas, diferente do Barroco, geralmente apenas um. Os mais comuns eram o Concerto para Piano e o Concerto para Violino);
Etc.
Música Sacra:
Missas;
Oratórios;
Réquiens.
Ópera.
Tanto na Música Sacra quanto na Ópera, o compositor deveria possuir a habilidade de compor para orquestra, coro SABT, ou seja, com vozes Soprano, Contralto, Tenor e Baixo (às vezes usava-se o coro duplo, que consiste, literalmente, em dois coros SABT) e um número variável de cantores solistas.
Os cantores solistas também podem ser Soprano, Contralto, Tenor e Baixo, mas as especializações são ainda mais específicas, como a Mezzo-Soprano, voz feminina não tão aguda quanto a Soprano, mas não tão grave quanto a Contralto; o Barítono, voz masculina não tão aguda quanto o Tenor, nem tão grave quanto o Baixo. Existe o Baixo-Barítono; o Contratenor, voz masculina que canta mais ou menos no registro da Contralto; e outras as mais diversas que você puder imaginar: Soprano-Colatura, Soprano Leggero, Soprano Dramático, Soubrette (Soprano), Tenor Leggero, Tenor Lírico, Tenor Lírico-Ligeiro, Tenor Spinto, Baixo Cantante, Baixo Buffo, Baixo Profundo (Basso Profondo) etc.
Enquanto a Ópera era a grande diversão da burguesia e, por outro lado, da realeza, a aristocracia (um conde, por exemplo) se deliciava com jantares "intimistas" para 120 pessoas ao som de sua orquestra pessoal. Veja bem, era um jantar. Não queremos aborrecer nossos convidados com contraponto. Não deve ser música à qual você precise prestar atencão. E os aristocratas criaram a "música ambiente". E Haydn fez dela a música ambiente mais prodigiosa que poderia sair da cabeça de alguém.
O nome Sinfonia circulava pela Europa há milênios. Milênios, mesmo. Dos Gregos Antigos. Para eles, a palavra symphōnía significava concordância de sons. Mas, enquanto palavra, esta teve uma jornada imensa, que não cabe aqui esmiuçar. Basta dizer que na Antiguidade e na Idade Média, Sinfonia era um entrelaçamento de sons bonito, harmonioso. Ao contrário da dissonância, o som de notas que não simpatizavam (tente apertar três teclas imediatamente vizinhas do seu Piano e entenderá o sentido). Já foi também o nome de qualquer instrumento capaz de tocar mais de uma nota de uma só vez (desde que em consonância).
Mas, de alguma forma, ela foi parar no lugar que lhe definiria o futuro. No começo de uma Ópera, como um prelúdio. Ocorre que os compositores, ainda no Barroco, costumavam fazer uma espécie de preâmbulo puramente instrumental da obra. Os italianos inventaram a chamada Abertura Italiana. Por algum motivo, ela tinha um segundo nome: Sinfonia. Uma particularidade crucial dessa aberturinha era que ela tinha três movimentos - rápido, lento, rápido.
Os primeiros a enxergar as possibilidades de uma música instrumental com três índoles diferentes não foram Haydn e Mozart. Foram Giovanni Battista Sammartini, compositor italiano de transição Barroco-Clássico, e Carl Philipp Emanuel Bach, o segundo filho de Johann Sebastian Bach, ainda com Maria Barbara. Cada um deles escreveu um número expressivo do que podemos chamar de Sinfonia já no sentido moderno. Claro que, inaugurais, suas Sinfonias eram menos ambiciosas, geralmente em três movimentos, escritas para orquestra de cordas e com durações de 10 a 15 minutos.
Joseph Haydn começou a escrever Sinfonias aos 27 anos, em 1759. E, desde o começo, ele já utilizava instrumentos de sopro. A partir de sua 3ª Sinfonia, começou a usar (ainda que esporadicamente, no início) um novo movimento, passando a obra a ter 4. Era o Minueto, movimento baseado em uma dança de origem francesa, de caráter leve e ingênuo. A 5ª Sinfonia, possivelmente escrita antes da 3ª (a catalogação dessas obras é mais difícil do que imaginamos), traz o Minueto de forma alterada e da maneira definitiva. O Minueto e Trio. É uma forma A-B-A, pois se toca Minueto-Trio-Minueto.
O Piano e Suas Consequências
Ainda no final do século XVII, em 1687, o luthier italiano, construtor de Cravos, Bartolomeo Cristofori criou o que, primeiramente, foi chamado de Cravo que faz o piano (suave, em italiano) e o forte. Passou-se, então, a chamar o estranho objeto de Fortepiano.
O Fortepiano de Cristofori demorou um absurdo de tempo para "pegar". Acho que principalmente por três motivos. (1) Instrumentistas e compositores eram muito apegados ao Cravo, tendo passado a vida o desvendando e fazendo o máximo dele. Não entendiam, no começo, que poderiam reaproveitar tudo do Cravo no Fortepiano; (2) acho que demoraram a ver as novidades que o novo instrumento permitia; (3) e o Fortepiano, maior e mais complicado que o Cravo, era caro.
Em 1711, uma simples crítica em um jornal veneziano chamou atenção para o instrumento. Mas o modelo de Cristofori ainda era incipiente, precisava evoluir. Uma evolução veio através do pedal abafador, invenção do próprio Cristofori, que suprimia algumas cordas (cada tecla tocava 2 ou 3 cordas - com este pedal, apenas uma, reduzindo a potência do som) para que a nota saísse mais suave.
Em 1730, com apoio do rei Frederico II, da Prússia, o luthier Gottfried Silbermann trouxe o Fortepiano para o território germânico, montando uma fábrica em Friburgo. E criou mais uma evolução: o pedal de sustentação. Você pressiona uma nota (ou quantas quiser) e tira o dedo da tecla, caso mantenha o pedal pressionado, a nota continuará soando. Não é possível explicar satisfatoriamente o quanto essa invenção revolucionou não só o instrumento, mas a música.
Só uma curiosidade. Em 1736, Johann Sebastian Bach tem a oportunidade de experimentar um Fortepiano Silbermann. E detesta, principalmente pela fraqueza do som nos agudos e pela ação muito pesada do teclado. Era um dentre milhares de instrumentos que Bach sentara para testar. Mas em 1747, Bach visita o rei Frederico II, em Potsdam. O rei tinha vários Fortepianos, tanto de Cristofori quanto de Silbermann (que tinha ajustado o seu ao analisar com mais minúcia o modelo do colega italiano).
Nessa ocasião, Frederico II, acompanhado de Carl Philipp Emmanuel Bach, filho do grande mestre e também compositor e tecladista, músico da corte de Frederico II, ofereceu a Bach o "Tema do Rei", um tema belo, mas especificamente complicado para fazer contraponto. E era justamente para testar as habilidades contrapontísticas de Bach que o tema fora pensado (alguns estudiosos sugerem que quem, de fato, compôs o Tema, foi CPE Bach, pois é bastante complexo e bem acabado - era uma armadilha bem-humorada para seu pai). Bach sentou, justamente, ao Silbermann e improvisou uma Ricercare a 3 vozes (uma Fuga a 3 vozes), para admiração de todos. O rei, então, pede que Bach improvise uma a 6 vozes. Mas Bach, aos 62 anos, disse estar muito cansado (não tivera tempo de descansar da viagem). Duas semanas depois, já em casa, em Leipzig, o compositor envia ao rei uma peça milagrosa sobre a qual falarei aqui, em breve: "Uma Oferenda Musical". Ela abre com o "Tema do Rei" tocado da maneira que o Rei havia lhe entregue, tem, segue com o Ricercare a 3 vozes que ele havia improvisado, o Ricercare a 6 vozes tal como o rei havia pedido, vários cânones, e a Sonata sopr'il Soggetto Reale (Sonata Sobre o "Tema do Rei"), um trio sonata que inclui a flauta, instrumento que Frederico II tocava muito bem. Tudo composto sobre o "Tema do Rei".
E Bach rasgou elogios ao Fortepiano Silbermann, dando sua completa aprovação.
Apenas nos anos 1760 o Fortepiano iria suplantar o Cravo de vez. Tanto que Mozart nascido em 1756, mas era um prodígio, provavelmente escreveu para Cravo os 3 Concertos para Teclado K. 107. Estes nem mesmo são contados entre os 27 Concertos para Piano dele.
O sucessor de Silbermann, seu aluno Johann Andreas Stein, de Augsburgo foi muito elogiado e seus Fortepianos, aparentemente, venderam muito. O martelo viajava pouco e produzia um som potente. Isso também permitia que a ação do teclado, chamada de "Ação Vienense" fosse muito leve (ação é, basicamente, a força com que se tem que tocar a tecla), permitindo velocidades (andamentos) aceleradíssimas com pouco esforço.
E os compositores foram começando a usar as novas possibilidades. Uma novidade era que o Fortepiano tinha expressão, podia fazer fraseados. Por exemplo, a famosa "frase em forma de arco", ideal de tantos músicos - a frase começa suave, cresce, torna-se mais forte, decresce e termina suave. No novo instrumento era possível, ao contrário do Cravo. Com o pedal de sustentação você podia, por exemplo, tocar uma nota grave, com bastante força, segurá-la com o pedal e ir com as duas mãos para a parte mais aguda do instrumento. Nesse caso, você tem um efeito interessante, porque enquanto toca o que quiser com as duas mãos, a nota grave permanece soando. Isso vai fazendo a própria música evoluir e se transformar. Uma boa parcela da responsabilidade pelo surgimento da Música Romântica é do Fortepiano, não tenham dúvida disso. Inclusive, o potencial era tamanho que só foi explorado ao máximo no Romantismo.
O Fortepiano começou a ser usado em recitais solo e, principalmente, nos recém inventados Concertos para Piano e Orquestra. Mozart, o principal compositor do formato escreveu 21! Desde os 17 anos até o último ano de sua vida. O mais comum é vermos caixas de CD com os 27 Concertos para Piano de Mozart. Acontece que os 4 primeiros são, em grande parte, exercícios, transcrições de sonatas de outros compositores. Até mesmo quem grava o ciclo inteiro não costuma gravar esses 4. O 7º é um Concerto para 3 Pianos e o 10º, para 2. Os outros, todos, são gravados com grande frequência e também aparecem nos programas das salas de concertos o tempo todo.
E sim, existem caixas com os 27 Concertos de fato! Alguns exemplos de quem gravou todos os 27: Murray Perahia, tocando Piano e regendo a English Chamber Orchestra; Vladimir Ashkenazy, também tocando e regendo a Orquestra Philharmonia; Karl Engel (Piano), Leopold Hager (maestro), Mozarteum Orchester Salzburg. E temos também gravações em instrumentos da época, inclusive o Fortepiano: Malcolm Bilson (Fortepiano), John Eliot Gardiner (maestro) e a English Baroque Soloists, Jos van Immerseel (Fortepiano e regência) com a orquestra Anima Eterna.
Vou deixar os links do Spotify de uma versão moderna e uma das de época.
Murray Perahia tocando Piano e regendo a English Chamber Orchestra (Concertos 21 e 27):
Christopher Hogwood regendo a Academy of Ancient Music, com Robert Levin ao Pianoforte (Concertos 22 e 23):
Considerações finais de agora
A música do classicismo é aquela com que você tem mais possibilidade de esbarrar por aí, num desenho animado numa propaganda de qualquer coisa. Por futilidade, mas não dela. Para se acostumar, escute a lista abaixo. Vai adorar.
- Joseph Haydn - Sinfonias nosº 45, 92, 99.
- Wolfgang Amadeus Mozart - Sinfonias nosº 25, 29, 30, 31.
- Wolfgang Amadeus Mozart - Concertos para Piano nosº 19, 20, 21, 23, 24, 25 e 27.
Exemplos de Gravações
No começo do Movimento HIP (Interpretações Historicamente Informadas) tínhamos poucos conjuntos dedicados exclusivamente a gravar Mozart e Haydn: eram, na Inglaterra, a Academy of Ancient Music, dirigida por Christopher Hogwod e, na Bélgica, a Anima Aeterna Brugge, com Jos van Immerseel. Mesmo assim, estes e outros compositores pós barrocos eram domínio das orquestras de câmara - conjunto um pouco menor que o sinfônico e de sonoridade mais seca. É aos Conjuntos HIP e Orquestras de Câmara que essa postagem se dedicará.
- Wolfgang Amadeus Mozart - Concertos para Piano nos. 23 e 22 - Com Academy of Acient Music, regida por Christopher Hogwood e Robert Levin ao fortepiano - De todos os concertos de Mozart, o que melhor ressoa no fortepiano é o 23. Obra doce, cálida, mas com momentos intranquilos, assombrados. Os HIP nos mostram que era comum que o compositor/pianista (geralmente eram o mesmo) tocasse com a orquestra na introdução desta (fazendo nada demais, uns arpejos, escalas, células temáticas que já apareceram...). O toque de cada um desses instrumentos exige uma técnica, para nós, nova, especialmente para afinar.
- Wolfgang Amadeus Mozart - Serenatas para Sopros "Gran Partita", em Mi Bemol, em Dó Menor e Divertimentos - Se você quer ver a escrita para sopros de Mozart (excetuando-se a flauta), comece pela famosa "Gran Partita". O som poderoso e interessante dos sopros clássicos está todo aqui. A "Gran Partita" é escrita para 2 Clarinetes, 2 Oboés, 4 Trompas, 2 Basset Horns, 2 Fagotes e 1 Contrabaixo (ou Contrafagote). E muito bem escrita. Seu terceiro movimento lança a teoria do Universo Derretido, em que tudo se derrete, no fim. O sexto movimento (Tema Con 6 Variazioni) é o melhor para você conferir a sonoridade da orquestra. E o 7º, Finale, Tem o mesmo vigor dos finales de suas sinfonias de juventude.
- Joseph Haydn - Sinfonias nos. 92, 93 e 97 a 99 - Sinfônica de Londres, com Colin Davis na regência. A Sinfonia nº 92, apelidada de "Sinfonia Oxford", é um trabalho genial. É quando você percebe que, mesmo repetitivo, austero e um tanto frio, Haydn era mesmo um gênio. Ouvir a Sinfônica de Londres (Clique. Não vou mentir, uma das melhores do mundo) é um alívio. O maestro Davis está certeiro, repare no tom da alternância de humores do segundo movimento da Sinfonia Nº 93. A Sinfonia nº 98 pode ser considerada alto romantismo.
- Mozart - Concertos para Piano nos. 20 e 21 - Anima Aeterna Brugge, com Jos van Immerseel na regência e ao pianoforte - Jos van Immerseel, embora dispusesse de um fortepiano de som menos agradável que o de Robert Levin, tinha um senso de dramaticidade mais apurado. Prova disso é a sua leitura do Concerto nº 20, considerado um dos mais amargos de Mozart.
- Mozart - Concertos para Piano nos. 20 e 21 - Orquestra de Câmera Inglesa, com Jeffrey Tate na regência e Mitsuko Uchida ao piano - Os mesmos concertos da indicação interior, mas em uma interpretação moderna. Mitsuko não toca quando o piano não está anotado. O som da orquestra, sobretudo das cordas, é muito mais aveludado. Você decide qual prefere.
- Mozart - Sonatas nos 11 e 14 e 2 Fantasias - As Fantasias de Mozart, essas duas, em específico, estão entre as obras mais assombrosas do repertório pianístico. Não há nada igual à sua retratação fúnebre e obscura da mente do compositor. As duas sonatas estão entre as mais conhecidas. Maria João Pires incluiu a nº 14, igualmente arrepiante, mesmo que pelo simples fato de ser em tom menor, e a famosíssima nº 11, que inclui o Rondo alla Turca. Maria João, para variar, está incrível.
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