top of page

História da Música 4 - Romantismo, Vol. 2 - Beethoven

  • Foto do escritor: Rafael Torres
    Rafael Torres
  • há 6 dias
  • 16 min de leitura

Por Rafael Torres


Vimos que Beethoven chegou a Viena em 1792, pianista, clássico e dentro dos padrões da música da época. Teve aulas com Haydn, Salieri, escreveu uns Quartetos de Cordas e Trios com Piano, Sonatas e, até, Sinfonias, tudo dentro do que se pode identificar como classicismo.


Caricatura de Beethoven usando um trompete de ouvido para aguçar o som.
Caricatura de Beethoven usando um trompete de ouvido para aguçar o som.

Mas Beethoven tinha algo que ninguém mais tinha. Era um compositor freelancer, isto é, não compunha para a igreja, nem para as poucas realezas que sobreviveram à Revolução Francesa etc. Beethoven escrevia para Beethoven, o que queria. E sempre evoluindo. Ele sempre foi vanguardeiro.


Ludwig van Beethoven nasceu em Bonn, Alemanha, em 1770, filho do complicado Johann van Beethoven. Ele pretendia treinar o jovem Ludwig até o ponto de torná-lo um "novo Mozart", um menino-prodígio. Mentia sobre a idade do filho. E, depois que sua esposa morreu, em 1887, tornou-se alcoólatra, chegando ao ponto de parar de trabalhar. Ludwig foi à justiça obter uma ordem judicial para que Johann fornecesse sustento aos filhos (ele tinha dois irmãos: Karl e Johann, ambos mais novos que ele). Johann pai, sabe-se, batia nos filhos.


De qualquer forma, ele foi o primeiro instrutor de música de Ludwig. Depois, entre 1780 e 1781, teve aulas com Christian Gottlob Neefe. Beethoven compôs obras ainda em Bonn, como Musik zu einem Ritterballett, para balé, e um Octeto de Sopros (que, em Viena, ele restauraria como Quarteto de Cordas)...


Vamos dar uma olhada nas três fases de Beethoven, que são uma espécie de consenso universal.

 

Primeiro Período


O primeiro período de Beethoven começa com a sua chegada em Viena, em 1792. Obviamente, existe um período anterior, o de Bonn, mas pouca música sobreviveu. Na Áustria, ele era uma espécie de imitador, chegando a dizer que tinha dominado o 'Estilo Vienense' (de Mozart e Haydn). Mesmo assim, sua música já era difícil para o público e longa demais.


Compôs os Seis primeiros Quartetos de Cordas, Op. 18; as Duas primeiras Sinfonias, Opp. 21 e 36; os Três primeiros Concertos para Piano e Orquestra, Opp. 15, 19 e 37 e umas 12 Sonatas para Piano.


Aqui, Beethoven começou a sentir os sintomas de uma surdez progressiva que carregaria até a morte. Obedecendo ordens médicas, retirou-se para a pequena cidade de Heiligenstadt, na Áustria (entre abril e outubro de 1802), onde escreveu o famoso Testamento de Heiligenstadt, do qual um trecho você vê abaixo. Só que em Alemão, com uma caligrafia não muito, digamos, exemplar. E, ainda, só um trecho.


Testamento de Heiligenstadt
Testamento de Heiligenstadt

Nesta carta, destinada aos seus irmãos, ele relata, com sofrimento, a perda do seu principal sentido na arte de compor. Menciona, inclusive, suicídio,


Ele escreve o nome do irmão Karl várias vezes, mas nunca o do irmão Nikolaus Johann (possivelmente porque o compositor, "raivosão", não gostou de duas escolhas deste irmão mais novo: ele queria se chamar Johann, para honrar o pai - o que irritava profundamente o compositor - e a sua escholhida para casar: uma "diaba", "Fettlümmerl" - algo como cabeça gorda). Ele simplesmente deixa em branco. Mas, principalmente, ele fala de uma resolução que teve. De continuar vivendo através e para a sua arte.


Acontece que, para um músico treinado, a surdez não o impede de compor. Mas impede de tocar piano, de reger, coisas que eram muito mais rentáveis, na época.


De modo que ele tinha quer criar uma sonoridade especial, característica, nas composições. Foi então que ele começou a se reinventar.


Segundo Período


O segundo período, chamado, antigamente de Fase Heróica, começou com essa mudança de atitude.


"Eu não estou satisfeito com o trabalho que fiz até aqui. De agora em diante eu pretendo seguir um novo caminho."

É o seu período mais conhecido. Ee compôs suas Sinfonias 3 a 8, os dois últimos Concertos para Piano e Orquestra; diversas Sonatas, incluindo as famosas Nos. 18 'A Caça', 21 'Waldstein' e 23 'Appassionata'; e sua única ópera, 'Fidélio'.



Detenhamo-nos em sua 3ª Sinfonia, em Mi Bemol menor, conhecida como 'Eroica'. Foi sua primeira Sinfonia após o retorno de Heiligenstadt. É altamente revigorante, com muitas dissonâncias (no tempo forte), intensificações de dinâmica nos tempos fracos, um comprimento imenso (cerca de 45-50 minutos) e a famosa Orquestra Romântica (com as cordas, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes e 2 fagotes, 3 trompas, 2 trompetes e tímpanos) (ele utilizava flautas e clarinetes, oboés e fagotes), que seria incrementada ao longo do século XIX. O público, mesmo um tanto confuso, amou a obra.


Tamanho médio de uma orquestra para tocar a Sinfonia "Eroica".
Tamanho médio de uma orquestra para tocar a Sinfonia "Eroica".

Temos, abaixo, a 'Eroica' inteira (mas não recomendo que assista agora: ouça apenas trechos do primeiro movimento), com a Orquestra Sinfônica da Rádio de Frankfurt, regida pelo colombiano Andrés Orozco-Estrada.


Terceiro Período


A partir de 1810 o compositor fica um tanto errático, de modo que, em 1812, inicia-se o seu último período. A propósito, esta divisão da carreira de Beethoven em 3 fases não é ideia minha. E nem moderna. Em 1818 já se falava nisso e essa convenção é adotada por praticamente todos os biógrafos.


Nessa fase tardia, ele estuda o contraponto de Giovanni da Palestrina, Johann Sebastian Bach e Georg Friedrich Händel. E o aplica abundantemente, através de fugas, a forma mais complexa de contraponto. Escreve seus últimos Quartetos de Cordas; a 'Grosse Fuge', para quarteto de cordas; as Variações Diabelli, para piano; as últimas Sonatas para Piano e a 9ª Sinfonia, que incorpora cantores solistas e um coral, no último movimento.


Nesse período, Beethoven é imprevisível, entregando partituras experimentais, de durações inéditas e com conotações surreais. Ele morreu em sua cama, em Viena, aos 56 anos, em 1827. O fígado estava ruim. Seu cortejo fúnebre levou mais de 10.000 pessoas às ruas de Viena.


ree

Tenho lido por aí que Beethoven não tinha, necessariamente, um talento musical extraordinário. Mas quem afirma isso terá de se virar para explicar o conteúdo completamente novo de suas obras. Verdade que inovar não é, especificamente, o objetivo de um compositor, mas ele encontrou a música parada e a sacudiu até quase esgotá-la.


 

Os contemporâneos de Beethoven


Beethoven era um homem difícil e arrogante (que podia ser doce e generoso). Seu ídolo de adolescência era o escritor e polímata Johann Wolfgang von Goethe. Beethoven escreveu a ele, uma carta educada e reverente, afirmando já ter os direitos de 18 obras do escritor. Na carta, seguia a música incidental para a peça Egmont. Eles se encontraram no Resort de Teplitz, em 1912.


Escute a abertura da Música Incidental de 'Egmont', com a Orquestra do Gewandhaus de Leipzig, regida por Kurt Masur, regente alemão com uma grande contribuição para a música no Brasil.



Wolfgang Amadeus Mozart


Não há evidências em primeira mão a respeito de um encontro entre os dois. Mas, também, não há nada que impeça que tal coisa tenha ocorrido. O que se sabe é que, em 1787, Beethoven passou 6 meses e Viena. E que tinha ido para lá para ter aulas com Mozart.


Beethoven teve que voltar a Bonn, pois sua mãe estava doente e morreu naquele mesmo ano. Quando o compositor pôde, finalmente, voltar a Viena, em 1792, Mozart é quem havia morrido no ano anterior.



Joseph Haydn


Com seu professor Joseph Haydn (a partir de 1890) a relação foi mais complicada. Quando Ludwig escreveu seus 3 Trio com Piano, Op.1, o austríaco Haydn sugeriu de bom grado que ele assinasse Ludwig van Beethoven, pupilo de Haydn. Isto, só, lhe garantiria público para a apresentação, já que Haydn tinha fama em toda a Europa.


Beethoven teria dito que "apesar de ter tido aulas com Haydn, nunca aprendeu nada útil com ele". Já na apresentação, Haydn sugeriu que não fosse publicado o Trio, Op. 1 - Nº 3, pois certamente não agradaria o público.


O terceiro era o Trio favorito de Beethoven, e ele insistia que Haydn queria escondê-lo por inveja, O que me faz pensar: Beethoven era cearense? Porque aqui o povo pensa mais ou menos nesses termos...


O que consta em várias fontes históricas é que Haydn admirava a música do aluno. E vale lembrar que o Trio com Piano (para Piano, Violino e Violoncelo) havia sido 'elaborado' e era especialidade de Haydn, tendo ele escrito cerca de 20 peças, geralmente com três movimentos; e de Mozart, que escreveu 6 deles.


Beethoven escreveria 11, dos quais o , chamado 'Trio Fantasma' (1809) e o , 'Arquiduque' (1811), são os mais famosos.


É inútil tentar ouvir o Op. 1 - Nº 3 agora e tentar encontrar o que Haydn achou desagradável. A verdade é que o trio é encantador. Ademais, enquanto os Trios tinham 3 movimentos, no classicismo, os de Beethoven tinham 4, com a sua insistência de incluir um 'Scherzo' ou um 'Minueto'.


No final das contas, Beethoven manteve até o fim de sua vida que Haydn era um compositor de estatura e importância igual à de Bach e à de Mozart.


Escute, abaixo, qualquer movimento de um dos trios que Beethoven dedicou a Haydn.




Antonio Salieri


A sua relação com o italiano Antonio Salieri, aquele mesmo que dizia ter matado Mozart, era das menos problemáticas. Antigo Diretor de Ópera Italiana e, posteriormente, Compositor da Corte do imperador Joseph II, da Áustria (da família Habsburgo), Salieri tinha escrito mais de 20 óperas, era um homem erudito e humilde, dava aulas de música de graça a alunos dotados de talento, mas não de dinheiro. Por muitos anos, Salieri havia ganho dinheiro como poucos na corte, e soubera economizar.


Beethoven procurou Salieri, a princípio, para aprender música vocal. Conta-nos Ferdinand Ries, compositor, amigo e contemporâneo de Beethoven: "Eu os conhecia muito bem; eles valorizavam muito Beethoven. Diziam que o aluno era tão cabeça-dura e autossuficiente, que tinha que aprender muito através da dura experiência, que ele tinha se recusado a aceitar quando era apresentada a ele como matéria de estudo."


Mesmo sabendo que as aulas com Salieri eram gratuitas, Beethoven fazia questão de pagar, demonstrando seu interesse em aprender aspectos técnicos e sua pretensão de se tornar um compositor completo.


Em 1799, Beethoven dedicou a Salieri suas 3 Sonatas para Violino e Piano, Op. 12.



 

Luigi Cherubini


Em 1805, Beethoven conheceu o compositor italiano Luigi Cherubini. Beethoven estimava enormemente o italiano, considerando-o o maior compositor de sua época (Cherubini era 10 anos mais velho que ele). O italiano escrevia, principalmente, ópera (cerca de 36!) e música sacra (música cantada), enquanto Beethoven era um sinfonista e compositor de música para piano e conjuntos de câmara. Réquiens? Cherubini escreveu 2. Um deles, para seu próprio funeral. Beethoven, nenhum.


Era Cherubini que não gostava de Beethoven. Ao menos de sua música. Chegou a Viena em 1803 e assistiu a algumas récitas da Ópera Fidelio, a única de Beethoven. Desdenhou dela e do toque ao piano de Beethoven, considerando-o rústico.


Não se sabe se ele sabia, ou se ainda teria dito essas coisas caso soubesse, que Beethoven não escutava quase nada, mais. Seu piano e sua fala eram rudes porque ele mesmo precisava se ouvir.



Ferdinand Ries



ree



Nascido em 1784, o compositor Ferdinand Ries tornou-se pupilo e ajudante de Beethoven. Compostor prolífico, compôs oito sinfonias (41, como Mozart e 104, como Haydn, ninguém jamais conseguiria, ao menos no alto romantismo).


Ries escreveu, junto com Franz Wegeler, em 1838, um livro de memórias sobre Beethoven.











Johann Nepomuk Hummel


Hummel é muito mais importante do que costumamos pensar. Pianista virtuose, compositor inovador, aluno de Mozart, Salieri, Haydn e Muzio Clementi, amigo de Beethoven e Schubert. Hummel é muito conhecido entre músicos (e até gravado). A maior parte de sua obra é para piano solo ou piano com orquestra (são 8).


Stephen Hough interpreta o 1º movimento da Sonata em Fá Sustenido Menor, de J N Hummel.



Hummel influenciaria Franz Schubert, na sua "Wanderer Fantasy" e Robert Schumann, na sua Fantasia, Op. 17Com Johann Nepomuk Hummel a situação era completamente diferente. Hummel, 8 anos mais jovem que Beethoven, havia sido uma criança prodígio e aluno de Mozart. Os dois (Hummel e Beethoven) travaram uma amizade de anos.



Gioachino Rossini


Rossini já era um compositor famoso, tavez o mais famoso da Europa, quando seus esforços para conhecer Beethoven deram frutos. Beethoven o reconheceu e elogiou pela ópera 'O Barbeiro de Sevilha', acrescentando que ele nunca deveria escrever algo diferente de opera buffa (comédia operística), pois isso iria contra a natureza de Rossini. O poeta Giuseppe Carpani, que arranjou o encontro, lembrou a Beethoven que Rossini já tinha composto várias óperas sérias. "Sim, eu dei uma olhada nelas. Opera seria não combina com os italianos. Vocês não sabem lidar com o drama real."



Franz Liszt


Franz Liszt, nascido em 1811, conta (ele que conta) o seguinte:


"Eu tinha cerca de onze anos quando meu altamente estimado professor Czerny me apresentou a Beethoven. Czerny já o tinha contado sobre mim e pedido que ele me ouvisse. Mas Beethoven tinha aversão a prodígios e, por um longo tempo, se recusou a me ouvir. Finalmente, como se persuadido pelo meu incansável professor Czerny, disse: 'Então, pelo bem de deus, traga o pequeno patife'."
"Era uma manhã, cerca de dez horas, quando eu entrei nas duas salinhas do Schwarzspanierhaus, onde Beethoven vivia. Eu estava bem embaraçado - mas Czerny gentilmente me encorajou. Beethoven estava sentado à janela em uma longa e estreita mesa, trabalhando. Por um momento, ele olhou para nós com uma cara séria, disse duas palavras rápidas a Czerny, mas ficou em silêncio quando o meu querido professor me sinalizou que sentasse ao piano."
"Primeiro, eu toquei uma pecinha de (Ferdinand) Ries. Quando eu terminei, Beethoven me perguntou se eu podia tocar uma fuga de Bach. Eu escolhi a Fuga em Dó menor, do Cravo Bem Temperado. 'Você pode transpor essa fuga?" Beethoven perguntou."
"Felizmente, eu podia. Após o acorde final eu olhei para cima. Os olhos profundos e brilhantes de Beethoven descansaram em mim - mas, de repente, um leve sorriso percorreu sua outrora séria face. Ele se aproximou e bateu na minha cabeça várias vezes, com afeto."

"'Bem - eu fui surpreendido' - ele sussurrou, 'um demoniozinho tão pequeno'. Minha coragem subiu, repentinamente: Posso tocar uma de suas peças?, perguntei com audácia. Beethoven fez que sim, com um sorriso. Eu toquei o primeiro movimento do seu Concerto para Piano em Dó Menor (o 1º). Quando eu terminei, Beethoven esticou os braços, beijou-me a testa e disse, suavemente:"
"Você pode ir, agora. Você é um dos sortudos. Será seu destino trazer alegria e júbilo a muitas pessoas e essa é a maior alegria que se pode atingir."

 

Franz Schubert


Shcubert era bem mais novo que Beethoven, tendo nascido e 1897. Isso não o impediu de morrer apenas um ano depois do ídolo, em 1828, aos 31 anos de idade. Morou a maior parte de sua vida em Viena, mas, por pura timidez, jamais se aproximou de Beethoven ou lhe mostrou algum trabalho.


Sabe-se que conheceu o mestre alemão em 1822. Foi com o também compositor Anton Diabelli à casa de Beethoven com a intenção de lhe oferecer uma cópia de sua peça 'Variações Sobre uma Canção Francesa'. Mas, tímido que era, gaguejou e quase desmaiou quando Beethoven apontou um pequeno problema na obra.


Anos depos, em 1827, Beethoven já dava a vida como finda, e seu amigo (e futuro biógrafo) Anton Schindler, a fim de distraí-lo, entregou-lhe algumas partituras de lieds (canções: voz e piano) de Schubert. Beethoven teria dito: "Realmente, a faísca do gênio divino reside nesse Schubert!". "... vai ser uma grande sensação no mundo".



Carl Maria von Weber


Weber era um pouco mais novo que Beethoven (17 anos), primo de Mozart, através da esposa desde, Constanze Weber. Excelente pianista, regente e crítico musical, não gostava, no princípio, da música de Beethoven. Os dois eram figuras colossais no mundo da música europeia, Beethoven, na música instrumental, Weber, na ópera em alemão.


No final, Weber se tornaria um grande admirador de Beethoven. Já este, sem saber e sem querer, era tão importante e central que ofuscava os demais. Eles se conheceram e 1823, em um almoço, em que Weber pediu que Beethoven desse uma olhada em sua ópera Euryanthe.


"Nós passamos o meio-dia juntos, muito alegres e felizes. Este homem rude realmente fez corte a mim, serviu-me à mesa com cuidado, como se eu fosse uma dama etc."

Surdez


ouvi perguntarem (sério, mesmo) como Beethoven aprendeu a compor surdo. Bom, se você leu este texto até aqui, percebeu que ele não "aprendeu" a compor quando estava surdo. Sua surdez foi progressiva e ele já tinha publicado várias obras quando ela começou a se manifestar.


Foi em 1898, já pianista e compositor consagrado em Viena, que Ludwig começou a sentir os sintomas da surdez. Que, é claro, se tornariam infernais. Orgulhoso como era e, além de tudo, compositor, no começo, o mestre queria esconder de todos a perda da audição.


"No meu ouvido esquerdo, com o qual essa doença nos meus ouvidos começou... eu não escuto as notas mais agudas dos instrumentos e vozes... Às vezes, eu não ouço as pessoas falarem baixo: escuto os sons, mas não as palavras... Meus ouvidos, eles ficam buzinando e cantarolando dia e noite... se alguém grita, é insuportável para mim... Evito as atividades sociais, pois não consigo dizer às pessoas que sou surdo... Como eu deveria confessar a fraqueza de um sentido que deveria ser mais perfeito em mim do que em qualquer outro homem; um sentido que já sentira em mais alto grau do que muitos de minha profissão..."

Ludwig van Beethoven


A possível causa foi uma Ostesclerose, um crescimento anormal de um osso da orelha que impede, justamente, que a informação auditiva passe da orelha média para a orelha interna. Isso acarretou um caso terrível de tinido, condição em que a pessoa, que já não ouve os sons intencionais, escuta sons imaginários. Robert Schumann foi o caso de um compositor que sofria disso.


Além de tudo, a medicina do século XIX, arcaica (mas que resvalou para a medicina moderna), fazia o que sabia fazer de melhor: piorava a situação. Beethoven foi submetido a tratamentos como: o derramamento de óleo cáustico no ouvido e sangria. Isso, sangria.


Isso tudo culminaria na famosa estreia da Nona Sinfonia, em que ele ficou no palco, ao lado do regente, mas não regeu. E, ao final, o público o ovacionou acaloradamente, mas ele não escutou. Foi preciso que uma das cantoras solistas tocasse em seu ombro e o virasse para a plateia delirante.

 

Certo, mas ele compunha quando já estava surdo, certo? Certo. Acontece que, com a prática e o treinamento correto, qualquer um pode compor se estiver surdo. Não como Beethoven, mas pode-se compor. Usa-se o chamado ouvido interno. Sabe aquela música da Taylor Swift que fica grudada na sua cabeça? É o princípio de uma manifestação do seu ouvido interno. Você, mesmo que não saiba quais são os intervalos, ou os acordes escutados, consegue ouví-los dentro de si, não é?


Um compositor é acostumado a treinar sua audição interna para compor sem precisar de um instrumento. A maioria toca e compõe ao piano, como o próprio Beethoven, no começo. Mas é perfeitamente plausível compor uma sinfonia como a Nona sem instrumento algum. Até porque ela é tão grandiosa (estravagante), que um piano não dá conta.


No caso de Beethoven, o que mais me impressiona, pessoalmete, é a sua resolução descrita no Testamente de Heiligenstadt. A de continuar vivendo e compondo através e para a sua arte. Ele, literalmente, desistiu do suicídio pela arte.


Clássico ou Romântico?


Como vimos, Beethoven é, sucessivamente, "encaixado" em três fases. A delas é Clássica. As outras duas, Românticas. Mas escute essa música, do período mais "clássico" de Beethoven. Trata-se do sengundo movimento, Adagio, da sua 3ª Sonata para Piano.


A interpretação é de Alfred Brendel. Se preferir, escute a partir dos 2m10s. Vai entender meu ponto.



Porque meu ponto é, justamente, que essa Sonata, de 1795, se for clássica, é um clássico bem diferente do de Haydn. Veja o primeiro movimento de um Trio com Piano de Haydn, do mesmo ano. A interpretação é do Trio Com Piano de Munique.



Se você escutou a sonata de Beethoven, percebeu que ela não tem nada de ordinária. Nada, rien. Ela é poderosa. E, para mim, se uma música é poderosa, não é clássica. O classicismo é a era da frivolidade, da leveza... Tanto é que nós só lembramos, normalmente, de dois compositores do período: Joseph Haydn e Wolfgang Amadeus Mozart. Porque estão entre os poucos que conseguiram, dentro das regras do clacissismo (e eram muitas, dentre as quais, agradar a aristocracia e entretê-la em jantares mais caros do que seu salário anual), se sobressair.


Espero que esses parágrafos mostrem com fidelidade a importância de Beethoven. É muito difícil cravar "quando", exatamente, acabou o período Barroco. Igualmente difícil é definir quando terminou o Classicismo. Mas na minha concepção, o Classicismo foi derrubado à força. E por um homem só. Vou insistir na Sinfonia Eroica e fazê-los comparar com uma obra contemporânea a ela. Quero que ouçam apenas o início dos trechos a seguir:


Beethoven - Sinfonia Nº 3 'Eroica', de 1802.

 


Haydn - Concerto para Trompete, de 1796.



Na 'Eroica', escrita em 1802, chamam-nos a atenção imediata os dois acordes iniciais. Agressivos, expoentes do que eu chamo de "a raiva de Beethoven". O Tema A aparece logo depois, nos Violoncelos e é rudemente interrompido pelos Violinos.


No Concerto, escrito em 1796, não há nada nesse sentido. Nada acontece fora do previsto pelas convenções musicais da época.


É ruim ser convencional? Não. Haydn era, mesmo, um gênio. Mas, se fosse por ele, ainda estaríamos por aí, com Sinfonias, Sonatas e Concertos de 15 minutos. (E isso já seria demais para alguns!)


A 'Eroica' dura 50 minutos, tempo suficiente para o compositor fazer tudo o que sabe e, ainda, elevar a exigência do público.



Sinta-se à vontade para comentar o que você acha. Quando o livro sair, farei o estardalhaço que se espera.


Para comentar, basta rolar abaixo e encontrar uma caixa de diálogo vermelha.


A Arara Neon é um blog sobre artes, ideias, música clássica e muito mais. De Fortaleza, Ceará, Brasil.

2024

  • Instagram
  • Facebook ícone social

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, entre em contato conosco.

DIRETRIZES DO SITE

bottom of page