Por Rafael Torres
Feliz Natal! Hoje, sem muita conversa (mas alguma, ainda) vou lhes apresentar um dos marcos da Música Universal, o Oratório de Natal (Weihnachtsoratorium), BWV 248, de Johann Sebastian Bach. Tem seis partes, cada qual, uma Cantata, e reúne textos sacros e profanos. Peça gigantesca, pode durar 2h30m.
Pertence a um pequeno grupo de Oratórios escritos entre 1734 e 1735, que inclui o Oratório de Páscoa, BWV 249 e o Oratório de Ascenção, BWV 11. Mas é o Oratório de Natal o mais conhecido, ambicioso e bem-sucedido dos três.
Sua escrita é para 1 Soprano Solista, 1 Contralto Solista, 1 Tenor Solista, 1 Baixo Solista, Coro SABT (com Sopranos, Contraltos, Tenores e Baixos) e uma Orquestra potente, com 2 Flautas, 2 Oboés, 2 Oboés d'Amore, 2 Oboés da Caccia, 2 Trompas, Violinos 1, Violinos 2, Violas, Grupo de Baixo Contínuo (que geralmente inclui Violoncelos, Contrabaixos, Fagotes, Órgão e/ou Cravo e outros) e Tímpanos.
Nem todos esses instrumentos, especialmente as madeiras e os metais, aparecem em todas as 6 partes. As duas Flautas, por exemplo, tocam nas partes 1, 2 e 3. As duas Trompas, apenas na parte 4. O que se mantém constante são os dois grupos de Violinos, o grupo de Violas e o Grupo do Baixo Contínuo.
Por fim, quanto a esses grupos, não têm número de executantes determinado. Algo entre 2 e 6 violinistas podem tocar a linha do Violino 1, com um número ligeiramente menor de músicos tocando a linha do Violino 2. O Baixo Contínuo também é incerto, cabendo a escolha dos instrumentos que o executarão ao maestro (hoje em dia) ou ao Kapellmeister (na época). Listei os mais comuns.
O primeiro vídeo contém as partes (ou Cantatas) 1, 2 e 3. E o segundo, naturalmente, as partes 4, 5 e 6. A execução é da (Orquestra) Concentus Musicus Wien, com o Coro de Meninos de Tölzer, o Tenor Peter Schreier, o Baixo Robert Holl, os solistas Soprano e Contralto são destacados do coro infantil, prática comum na época de Bach. O maestro é o lendário Nikolaus Harnoncourt, falecido em 2016. A gravação, para VHS e que, depois, apareceu em DVD, é de 1982.
A Se Observar na Estrutura
Cada uma das 6 Cantatas que compõem o Oratório de Natal é dividida em seções. São Coros, Árias e Recitativos, com ocasionais duetos (de solistas) e trios.
Coros são as seções em que o coral domina e entrega a letra, a quatro vozes (cada voz tem uma linha melódica específica), acompanhado pela Orquestra.
Árias são os momentos em que os solistas, que muitas vezes representam personagens, cantam, também acompanhados pela Orquestra. Os duetos e os trios (e quartetos, quintetos) são cantados por dois, três ou mais solistas.
Recitativos, para quem não é acostumado, podem parecer bem semelhantes às Árias. Um determinado solista canta, também, mas de forma alterada. Emulando o ritmo da fala, ele entrega a letra de forma rápida, acelerando o enredo, com uma melodia desprovida de grandes embelezamentos. Existe também o recitativo secco, em que o solista não é mais acompanhado pela Orquestra, mas apenas pelo Baixo Contínuo.
Se você não tiver condições de acompanhar a letra, que é em alemão (mas tem traduções, ao menos em inglês, na internet), dê mais atenção às Árias e aos Coros. Recitativos servem, literalmente, para que a música não fique absurdamente longa, e seu interesse musical é limitado.
Recepção
Não existe motivo real para falarmos sobre como a música for recebida. Na época de Bach, especialmente com a Música Sacra, que era a maior parte do seu trabalho em Leipzig, o Kapellmeister era um assalariado, encarregado de treinar o coro e os músicos e liderá-los em apresentações semanais na igreja. Além de compor. Em um determinado período, ele chegava a compor uma Cantata por semana.
Os Oratórios eram mais importantes, reservados a ocasiões de celebração religiosa. Desse modo, Bach tocava as 6 Cantatas, cada uma em um dia diferente, durante a missa, entre natal e o novo ano; não havia aplausos; não havia críticos, ninguém o elogiava. No mês seguinte, recebia seu salário e prosseguia com a vida.
O manuscrito original, tanto da música completa quanto das partes (cada grupo de instrumentos recebia exclusivamente a partitura daquilo que deveria tocar, como é ainda hoje), foi herdado pelo filho de Bach, Carl Philipp Emanuel Bach. Eventualmente, em 1854, foi adquirido pela Biblioteca Real de Berlim.
A obra só foi redescoberta pelo público em 1857, quando a Sing-Akademie zu Belin, dirigida por Eduard Grell a executou completa, pela primeira vez desde a morte de Bach. E em uma sala de concertos, não em uma igreja. Mas a notoriedade e o reconhecimento de sua genialidade são fenômenos mais recentes, a partir dos anos 50. E se devem muito aos músicos adeptos da Interpretação Historicamente Informada (HIP), de que tanto falo aqui. Um desses músicos, e dos mais importantes, era Nikolaus Harnoncourt.
Gravações Recomendadas
- René Jacobs, regendo a Akademie für Alte Musik Berlin, o RIAS Kammerchor e solistas - Não vamos encontrar boas gravações de orquestras modernas dessa obra tão antiga. René Jacobs, que começou a carreira como cantor, é um regente afiado e, nessa gravação, de 1997, pegou um grupo excelente para uma execução dentro de todos os moldes das Interpretações Históricas. E isso não é nada ruim.
- Nikolaus Harnoncourt, regendo o Concentus Musicus Wien, o Coral Arnold Schoenberg e solistas - A primeira gravação de Harnoncourt da peça data de 1973 e tem sérios problemas rítmicos, como se a orquestra (a mesma Concentus Musicus de Viena) estivesse a se adaptar, ou não tivesse ensaiado o bastante. É uma gravação muito estranha, mas ajudou a colocar o Oratório no mapa. Sua segunda gravação é para VHS, a que você confere acima. Esta aqui, de 2007, é a terceira, e a experiência de Harnoncourt teve um papel importantíssimo na qualidade excepcional do produto final. Não temos mais instrumentos atravessados, sonoridades ríspidas ou um conjunto desequilibrado. Excepcional.
- Jordi Savall, a conduzir Les Concerts des Nacions (orquestra), La Capella Reial de Catalunya (coro) e solistas - O caçula da nossa coleção, de 2020, tem, por isso mesmo o melhor som. Você parece escutar cada consoante de cada cantor do coro. Savall, um gambista que se tornou regente, tem interpretações bastante excêntricas. É um peculiar em meio aos peculiares do Movimento HIP. Mas até agora, não vi nenhuma manifestação negativa dessa excentricidade. Ele parece, simplesmente, querer (e conseguir) buscar o som mais agradável. Gravação impagável.
- Masaaki Suzuki, regendo o Bach Collegium Japan (coro e orquestra) e solistas - O movimento de Interpretação Historicamente Informada encontrou no Japão um competente aliado. Suzuki não toca de forma alguma um "Bach oriental", apenas faz a música mais mais pura, cristalina e elegante concebível. Conceitos, estes, universais. A gravação é de 1998.
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