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Foto do escritorRafael Torres

Entrevista - Cristina Ortiz, Direto de Londres

Por Rafael Torres

Depois de meses de contatos esparsos, até meio desencontrados, a Arara finalmente conseguiu uma entrevista com a pianista brasileira Cristina Ortiz. Do resultado, vocês me digam o que acharam. Mas, acima de tudo, abram o Spotify e escutem essa playlist.


Eu adorei a entrevista, não só pelo fato de falar com ela, de quem sou desde criancinha. A carreira de Cristina é impecável, tanto no repertório quanto na qualidade que ela entrega. Consegui encontrar nos sebos de vinil de Fortaleza, alguns discos dela que eu não tinha em CD.


Quero que escutem e prestem atenção na expressividade de Cristina no "Poema Singelo", de Villa-Lobos. Ela faz rubatos com tanto bom gosto... E, nos momentos mais virtousísticos, seu sonzão é maravilhoso.



 

Hoje tenho:


- Villa-Lobos - Bachianas Brasileiras nº 3 e Momoprecoce, com a New Philharmonia Orchestra dirigida por Vladimir Ashkenazy;

- Villa-Lobos - Música para Piano (solo);

- Villa-Lobos - A Obra para Violoncelo e Piano, com o saudoso Antônio Meneses;

- Dmitri Shostakovich - Os 2 Concertos para Piano, com a Bournemouth Symphony Orchestra regida por Paavo Berglund;

- Sergei Rachmaninoff - Rapsódia Sobre um Tema de Paganini / Ernst von Dohnányi - Variações sobre uma Canção de Ninar - com a New Philharmonia Orchestra regida por Kazuhiro Kolzumi...


E certamente esqueci de outros. É que, desde que assino Spotify, e uma boa parte da discografia dela está (com exceções), costumo escutar lá. De modo que montei a playlist que lhes apresentei e lá tem tudo. Ainda acho que a melhor forma de se encantar com a música de Villa-Lobos é escutando "Música para Piano", em que Cristina toca as Bachianas Brasileiras nº 4 (completas, com 4 movimentos), a Valsa da Dor, o Poema Singelo, as Três Marias, Caixinha de Música Quebrada, Cirandas, peças do Guia Prático etc.


Cristina Ortiz e Vladimir Ashkenazy. Interpretam a Fantasia Momoprecoce e as Bachianas Nº 3, de Heitor Villa-Lobos.
Cristina Ortiz e Vladimir Ashkenazy. Interpretam a Fantasia Momoprecoce e as Bachianas Nº 3, de Heitor Villa-Lobos
 

Entrevista


Arara: Primeiro, Cristina, precisamos falar do Eleazar de Carvalho. Ele era, mesmo, autoritário? Era musical?


Cristina: Vc conhece este Áudio? Veja só a famosa BRONCA do Eleazar neste meu Début, em 1961, na série de Concertos para a Juventude aos domingos de manhã, onde, dentre 2000 pessoas havia vários escolares barulhentos no 5° andar:



Vc bem pode imaginar que eu, aos 11 anos, não tivesse a menor ideia do quê esperar de um maestro! Enquanto ele dava a bronca no público, eu morria de rir discretamente, vendo meus pais na frisa (do Theatro Municipal do Rio), de frente ao piano, apavorados que eu me "desconcentrasse"?! Que nada: fui em frente sem problema algum, tendo sido interrompida novamente por Eleazar, quando alguém na torrinha fez barulho, ele perguntou: "por que tossiu"? O auditório inteiro nem mais respirava! "Vamos recomeçar" e eu reiniciei o 2° movimento pela 3a vez!


Arara: Você venceu o concurso Van Cliburn. Conheceu o Van Cliburn? Como é, nessa hora, vencer o nervosismo para tocar um instrumento que exige tamanho ajuste fino? E nos concertos em geral? Costuma ficar nervosa?

 

Cristina: Nunca sofri de nervosismo e sempre bem preparada entrava no palco super alegremente para tentar meu melhor e acostumada com o constante corre-corre de meus 5 irmãos ao torno do piano na sala... não tinha medo e se algo acontecesse diria "ninguém é perfeito"; em geral sempre me dei bem! 


Conheci Van, sim, muito gentil -- lembro bem da minha surpresa quando após meu recital de semifinal no Concurso ele veio aos bastidores ele mesmo preparar um suco de laranja para me dar forças dizendo: após todo este esforço é preciso muita vitamina C ! 


Infelizmente vim a saber anos mais tarde, que ele tentou influenciar o Júri (por não querer que uma mulher ganhasse) mas com gente como Lili Kraus, Peter Frankl, Leon Fleisher entre outros, todos insistiram que, se eu não fosse a vencedora, não haveria o 1° prêmio, o que não cai bem para um Concurso! 


(Achamos que o que "não cai bem" é burlar o júri para impedir uma mulher de vencer!)


Arara: Como você conheceu o André Previn e o Vladimir Ashkenazy? Pode nos colocar dentro da cena em que vocês se conheceram?

 

Cristina: Eram artistas de meu então agente (marido por muitos anos e pai de minhas duas filhas), por isso tive oportunidade de ouvi-los e apreciá-los antes de trabalhar com ambos em várias ocasiões marcantes! Aliás foi Previn que, ao saber que a 'namorada' do meu marido era pianista, pediu para me ouvir! Audição que aconteceu no intervalo de um ensaio dele no Festival Hall de Londres, e onde após me dar a chance de gravar (em seu lugar) "Rio Grande" de Lambert para a EMI e como resultado me convidou para fazer meu Début com sua LSO, executando o Concerto n° 1 de Rachmaninov! 


Já com Ashkenazy, no início de sua carreira como regente, gravei "Momoprecoce" e as Bachianas Brasileiras n° 3 de Villa-Lobos e mais tarde, o Concerto de Grieg mais as Variações Sinfônicas e Les Djinns de César Franck. 


Fui solista várias vezes sob a batuta de ambos -- uma vez após solar o Concerto n°1 de Mendelssohn no Musikverein de Viena c/ele na regência da Filarmônica, recebi uma crítica tão elogiosa que ao traduzi-la à mesa do Café da Manhã ele disse: nem se você houvesse tocado ambos os Concertos de Brahms, os elogios teriam sido melhores que estes! Tsk!


Arara: Quem são seus referenciais pianísticos?


Cristina: Ao chegar a Londres, Vladimir Ashkenazy --  o pianista que nunca errava -- foi uma grande referência, com seu monumental repertório, se apresentava 3 ou 4 vezes por ano. Clifford Curzon, Rudolf Serkin, Arturo Michelangeli, Alfred Brendel, Vladimir Horowitz, Sviatoslav Richter, Byron Janis, Allicia De Larrocha, Radu Lupu, Krystian Zimerman etc. etc., ouvi a todos!  Sempre aprendi ouvindo toda essa gente ao vivo, "o que não fazer", ha ha!


Arara: Você sabe que, no blog da Arara, elegemos as 5 melhores pianistas da geração atual e mulheres? Ficaram Cristina Ortiz, Yuja Wang, Hélène Grimaud, Alice Sara Ott e Khatia Buniatishvili. Gosta delas? Ou de algumas delas? As conhece?


Não conheço nem Wang nem Buniatishvili pessoalmente, e as outras.. pouquíssimo. 


Arara: Quais são os seus (ou as suas) pianistas jovens favoritos?


Cristina: Hoje em dia por estar um pouco longe dos grandes teatros, não mais tenho contato com jovens pianistas; aliás sempre recusei ouvir discos, preferindo descobrir ou desenvolver minha própria concepção da partitura, sem qualquer influência exterior!


Arara: Você era amiga do Nelson Freire? Fale um pouco sobre ele. Em especial, sobre sua musicalidade.


Cristina: Conheci Nelson muito pouco, várias vezes aconteceu dele estar na mesma cidade onde eu também tocava e por calhar dele estar livre, aparecia nos meus Concertos (The Hague, Tóquio, Rio, Amsterdam); e vice-versa, eu o assisti no TM do Rio e no Cultura Artística de SP (no dia antes do terrível Incêndio) .

 

Arara: Existe uma diferença entre gostar de um concerto e gostar de tocar um concerto. Quais são os seus concertos favoritos de tocar e de ouvir. E como se dá essa diferença?


Cristina: Desde jovem só aprendia os Concertos de que eu gostava; muito raramente, aconteceu de eu necessitar preparar um Concerto por uma razão ou outra, não por minha escolha:  p. ex o "Rio Grande" de Lambert ou o Concerto de Benjamin Britten, entre outros.


Arara: A música erudita brasileira, antes da OSESP, da Filarmônica de Minas Gerais e Filarmônica de Goiás, estava mesmo decadente? Não estava no mundo inteiro?


Cristina: Sem comentários interessantes... Mudou muito?! 


(Nossa opinião é que, no século XX, não haviam grandes orquestras no Brasil. O surgimento da Osesp ao menos encorajou os Mineiros e Goianos. Já são 3 de bom nível e, quem sabe venham outras, no futuro?)


10. O que podemos encontrar em você da sua mais famosa professora, a lendária Magda Tagliaferro? E de Rudolf Serkin


Cristina: Da D. Magdalena, sempre me fascinou sua clareza e rítmica na música francesa, também seu imaginário colorido (seus anuais Cursos de Interpretação na Salle Cortot se intitulavam "Couleurs dans l'harmonie"). Do Serkin, meu amado Rudi, o respeito indiscutível à partitura e o equilíbrio dosadíssimo nas passagens entre novos Tempi! 


 

A Arara Neon agradece muitíssimo à espetacular Cris Ortiz.



 

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