Cristina Ortiz é uma pianista brasileira que encontrou sua carreira no exterior (ao contrário de, por exemplo, Artur Moreira Lima e Miguel Proença, que ficaram por cá). E foi rápido. Estudou com a brasileira Magda Tagliaferro, na França; venceu o III Concurso Van Cliburn, nos EUA, em 1969, um dos mais prestigiados do mundo da música; depois, foi para a Filadélfia, onde estudou com Rudolf Serkin, no Curtis Institute of Music e, logo depois, alojou-se na Inglaterra. Vive, hoje, entre, Paris e Bordeaux.
Nascida em Salvador, em 1950, ela transitou entre duas eras do piano. Aquela em que os pianistas tinham muita fama e muito dinheiro (como Horowitz, Gilels, Richter e Rubinstein) e a atual, em que apenas poucos pianistas conseguem alcançar tamanho êxito (Yuja Wang, Daniil Trifonov e Lang Lang, e mesmo assim, a gente tem que colocar os dois nomes deles, notem que nos primeiros eu só coloquei o sobrenome). Cristina Ortiz teve êxito nas duas fases.
Na adolescência, tudo com que um pianista sonha é ganhar um grande concurso. Então ela vai para os EUA e ganha o Concurso Van Cliburn, em sua 3ª edição. Nem mesmo Nelson Freire tinha um concurso de tal porte no currículo, tendo ganho o Viana da Mota, em Portugal. Martha Argerich venceu o pai de todos os concursos, o Chopin, de Varsóvia. O Brasileiro Artur Moreira Lima obteve o segundo prêmio no Concurso Chopin (1965, vencido por Martha) e terceiro prêmio na Competição Tchaikovsky (1970).
Antes mesmo de voltar para a Inglaterra, ela fez sua estreia nos Estados Unidos, em 1971. Sua carreira ascendeu e tocou com as Filarmônicas de Berlim e Viena, com a Orquestra do Concertgebouw de Amsterdã, com a Orquestra de Cleveland, com maestros da força de Vladimir Ashkenazi, Neeme Järvi e Mariss Jansons.
De volta à Inglaterra, Cristina aperta os laços com a dupla de pianistas e regentes André Previn e Vladimir Ashkenazy e cria uma associação à Royal Philharmonic Orchestra, uma das melhores de Londres. Gravou com todos. Seu primeiro álbum foi solo: Brazilian Soul (Alma Brasileira), de 1974, todo dedicado a compositores brasileiros, como Heitor Villa-Lobos (de quem é a maior intérprete viva), Fructuoso Viana, Camargo Guarnieri, Leopoldo Miguez e Oscar Lorenzo-Fernandes. É a consolidação de sua parceria com a gravadora His Master's Voice.
Em 1975, grava, com o maestro finlandês Paavo Berglund e a Orquestra Sinfônica de Bournemouth os dois Concertos para Piano de Dmitri Shostakovich. Continua gravando com muito sucesso. Em 1977 surge, com Ashkenazy e a New Philharmonia Orchestra, um disco com as Bachianas nº 3 e a fantasia Momoprecoce (em versão para piano e orquestra), de Villa-Lobos. Em 1980, os dois e a mesma orquestra, que nada mais é do que uma fase da Orquestra Philharmonia, gravam o Concerto em Lá Menor de Edvard Grieg, "Les Djinns" e as Variações Sinfônicas de César Franck.
Ela gravou, ainda, os Concertos Nos. 2 e 3 de Sergei Rachmaninoff, com Moshe Atzmon e Iván Fischer; a Segunda Rapsódia de George Gershwin, com André Previn e a Sinfônica de Londres; os 5 Concertos para Piano de Ludwig van Beethoven, com a City of London Sinfonia e Richard Hickox; e discos de piano solo, com obras de Claude Debussy, Clara Schumann, Ludwig van Beethoven, Johannes Brahms e Robert Schumann.
Seu repertório inclui tudo isso e mais: o 3º Concerto para Piano de Béla Bartók; a 2ª Sinfonia "The Age of Anxiety", de Leonard Bernstein; os 2 Concertos para Piano de Johannes Brahms; os 2 Concertos de Frédéric Chopin; o Concerto para Piano de Benjamin Britten; a Burleske de Richard Strauss e muitas outras obras.
No mais, Cristina:
- Costuma dar Masterclasses na Royal Academy of Music, Londres;
- Cristina costuma oferecer Masterclasses onde toca: Irlanda, Japão, Coréia, e Suécia;
- Ela dá um ateliê anual de piano em sua casa, no sul da França (perto de Bordeaux);
- Tem duas filhas;
- Foi casada (Vladimir Ashkenazy e esposa foram padrinhos);
- Frequenta o Brasil (sempre que convidada a se apresentar em Concertos);
- Baianinha, toca baianinho, com os estrangeiros sempre elogiando seu "fogo" e sua "paixão";
- É musicista de câmara, toca piano solo, duetos e com orquestra;
- Já regeu do teclado:
Alguns Concertos de Mozart (em SP, mais o 18ª e o 19º que estão no CD para a gravadora Collins);
O Nº 4 de Beethoven (no Rio, quando a OSB esteve em crise);
O 3º de Beethoven e o 2º de Shostakovich (em Orebrø, Suécia, com a Swedish Chamber Orchestra);
E o 2ª de Mendelssohn no Rudolfino, em Praga, e no Musikverein, em Viena (ambos com a Orquestra de Câmara de Viena).
Discografia sugerida
- Dmitri Shostakovich - Concertos para Piano nº 1 e 2 - Com a Orquestra Sinfônica de Bournemouth, regida por Paavo Berglund - Os Concertos de Shostakovich são como dois diabinhos enfurecidos. Teoricamente são fáceis, mas pouca gente toca. O primeiro, para "Trompete, Cordas e Piano" tem, no seu 2º movimento (Lento) uma das músicas mais arrepiantes que podem vir da imaginação de alguém. O trompete tem uma participação discreta, em que quase nada está escrito (em vez disso, Shostakovich manda o pobre seguir as cordas aqui, improvisar acolá...). O 2º Concerto, em Fá maior, para as gerações mais novas, talvez seja mais conhecido. Apareceu no filme Fantasia 2000 (Disney). É uma obra magistral e insanamente bem escrita. Completam o disco as 3 Danças Fantásticas, Op. 5, para piano solo, obra juvenil, mas muito bem acabada. E Cristina trata Shostakovich com a reverência que merece. De 1975.
- Wilhelm Stenhammar - Concerto nº 2 para Piano - Com a Sinfônica de Gotemburgo, dirigida por Neeme Järvi - Wilhelm Stenhammar não é dos compositores românticos tardios mais conhecidos. Mas é um favorito e uma especialidade do regente estoniano Neeme Järvi. Cristina, Järvi e a Sinfônica (bem melhor, ao menos nessa gravação, que a de Bournemouth) fizeram a peça se derramar por todos nós. O LP original vinha com a suíte para a peça de Rabindranath Tagore, "Chitra". De 1990.
- Heitor Villa-Lobos - Obras para Piano - Cristina Ortiz - De 1987, este é o recital perfeito de Villa-Lobos. Ela toca as Bachianas Brasileiras nº 4 (na versão para piano solo), 7 peças do Guia Prático, 2 Cirandas, o Ciclo Brasileiro e peças avulsas. Preste atenção à Caixinha de Música Quebrada, à Valsa da Dor, às Impressões Seresteiras, às Três Marias, à Caixinha de Música Quebrada e às Saudades das Selvas Brasileiras nº 2. Tudo exala Brasil. Um Brasil que, certa vez, se viu maior e hoje não sabe mais se pode sonhar.
- Wolfgang Amadeus Mozart - Concertos para Piano nos. 18 e 19 - Tocando e regendo o Consort of London - Mozart, por Cristina, é uma maravilha. Nem um pouco exagerado ou supercolorido. Tudo na medida do bom gosto. O especial, aqui, é o Concerto nº 19, uma obra ambígua que deve soar exatamente como soa aqui. Desconheço o tamanho da contribuição da Cristina para com a orquestra, mas esta está sublime. Para Cristina, reger do teclado é como fazer Chamber Music em grande escala.
- Alma Brasileira: Panorama du Piano Brésilien au XXe (não confundir com Brazilian Soul, de 1974) - Um dos discos mais importantes da pianista é esse, em que ela, mais uma vez, se debruça sob um repertório completamente brasileiro. De 2004, para a gravadora francesa Intrada, contém obras de Alberto Nepomuceno (como a imortal "Prece"), Mozart Camargo Guarnieri, Oscar Lorenzo Fernandez, Heitor Villa-Lobos e Fructuoso Viana. Cristina fez mais do que qualquer músico (erudito ou popular) na divulgação da música brasileira. Acho que foi a única pessoa do mundo a gravar os 5 Concertos para Piano de Villa-Lobos (com Miguel Gomez-Martinez e a Royal Philharmonic, de Londres).
- Cristina Ortiz, Antonio Meneses, Villa-Lobos - L´Oevre pour le Violoncelle et le Piano - Este disco saiu em 2007 e conta com dois dos maiores talentos instrumentais do Brasil. Antônio Meneses é um violoncelista que impressionou ninguém menos que o maestro austríaco Herbert von Karajan, que, nos anos 80 o convidou a gravar "Don Quixote", de Richard Strauss e o Concerto Duplo de Johannes Brahms (com Anne-Sophie Mutter ao violino e a Filarmônica de Berlim). Ele entrou e saiu do Beaux Arts Trio, fez 3 gravações das 6 Suítes para Violoncelo de J. S. Bach (Phillips, 1994; Avie Records, 2004; e Azul Music, 2023) e duas dos Concertos 1 e 2 e da Fantasia para Violoncelo e Orquestra de Villa-Lobos.
- Heitor Villa-Lobos - Choros nº 11 - Com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, regida por John Neschling - O disco contém, ainda, os Choros nos. 5 "Alma Brasileira" (tocado por Cristina) e 7 "Settiminio" (por um septeto da OSESP). De 2008, não pode permanecer adormecido nas prateleiras. Falo tanto pelo repertório quando pelas interpretações. O 11 é grandioso, exuberante e gigantesco: são três movimentos, dos quais o último, ultrapassa os 26 min.
- Clara Schumann - Música para Piano - Lançar um disco inteiro dedicado às composições de Clara Schumann, esposa/viúva de Robert Schumann, não tem como deixar de ser uma declaração feminista - especialmente em 1996, ano em que o LP foi lançado. Mas antecipemos o dia em que não mais o será. Não porque o movimento feminista esteja ruim, mas porque Clara (e tantas outras) é uma compositora invejável. Ela merece discos dedicados às suas composições. E este disco, que contém 8 peças chamadas Romances, 2 Scherzos mais virtuosísticos, as 4 Pieces Fugitives e as Variações Sobre um Tema de Robert Schumann, é, realmente diferente de todos dedicados à obra de Clara, pelo repertório (mais tardio) e pela execução perfeita.
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