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  • Foto do escritorDani Chimp

Nem tudo o que parece é

Atualizado: 17 de nov. de 2020


Como sabemos, a biologia não é uma ciência exata. É uma área onde a verdade absoluta não existe e a aleatoriedade é quem manda. Agora partindo desse princípio: e se eu te disser que, nos seres humanos, biologicamente, o sexo do bebê não é determinado somente pelos cromossomos sexuais tão conhecidos (X e Y)? E se eu te disser também que isso é tão real, que existem indivíduos fenotipicamente (características externas) masculinos, porém, com genótipo (características genéticas) feminino e vice-versa?


Chega mais então, que eu vou te contar sobre a intersexualidade, mas antes, aqui vai uma revisão básica sobre os cromossomos.


Segundo a definição tradicional, cromossomos sexuais são um tipo de cromossomo encontrados em células da maioria dos organismos, que determina o sexo dos indivíduos. Nos seres humanos então, são determinados os pares XY para os indivíduos machos e XX para os indivíduos fêmeas. Os seres humanos possuem no total 46 cromossomos, 23 herdados da mãe e 23 herdados do pai, sendo um par então dos chamados cromossomos sexuais.



Cariótipo humano feminino.

Na esfera médica, em 1917, o termo "intersexualidade" foi utilizado provavelmente pela primeira vez no sentido de fazer referência "a uma gama de ambiguidades sexuais, incluindo o que antes era conhecido como hermafroditismo". Nos anos de 1990, essa denominação foi apropriada também pelos ativistas políticos intersex engajados na luta pelo fim das precoces cirurgias "corretoras" de genitais ditos "ambíguos". Entretanto, é preciso salientar que médicos e movimentos políticos não definem "intersexualidade" de maneira idêntica. Os grupos de ativismo intersex normalmente oferecem outras definições para o termo, por meio das quais buscam contestar a ideia de patologização da intersexualidade, assim como aumentar as possibilidades do que é possível de ser incluído no termo para além das definições médicas.


Segundo especialistas, entre 0,05% e 1,7% da população mundial é intersexo. A maior taxa de estimativa é semelhante ao número de pessoas naturalmente ruivas. Calcula-se que a cada 1500 nascimentos, 1 seja de indivíduo intersexo com características nos genitais tipicamente femininas, e a cada 2000 nascimentos, 1 individuo nasça com características genitais tipicamente masculinas. Tal como as pessoas não-intersexo, a identidade de gênero, expressão de gênero e orientação sexual de uma pessoa intersexo possui variantes de indivíduo para indivíduo.


Cariótipo humano masculino.

Dito isso, gostaria de atentar aqui a duas “síndromes” relacionadas a esse tipo de diferenciação sexual: Síndrome De la Chapelle ou Síndrome do Homem XX e a Síndrome da Insensibilidade Androgênica ou Síndrome de Morris.


Na síndrome De la Chapelle, o indivíduo possui cariótipo (conjunto de cromossomos) XX, porém basicamente, desenvolve características tipicamente masculinas. Afeta entre 4 a 5 indivíduos em cada 100.000 recém-nascidos.


Entre os aproximadamente 210 milhões de brasileiros, pode-se estimar de 8 a 10 mil pessoas com a Síndrome De la Chapelle. A maioria das pessoas com De la Chapelle não apresenta ambiguidade genital, de modo que o diagnóstico só pode ser feito na idade adulta para descobrir a causa da infertilidade ou na época da puberdade quando estas desenvolvem mamas (conhecido como ginecomastia, cerca de 33% de indivíduos intersexo De la Chapelle apresentam essa condição). O diagnóstico geralmente é feito por estudo genético do cariótipo.


Já a Síndrome de Morris (a forma completa da síndrome, chamada de "CAIS" ocorre estatisticamente em 1 a cada 20.000 nascidos), é uma condição intersexo caracterizada pela incapacidade parcial ou total da célula para responder aos andrógenos como a testosterona. Esta falta de resposta da célula prejudica ou impede o desenvolvimento do pênis no feto, bem como o desenvolvimento de características sexuais secundárias em indivíduos geneticamente XY na puberdade, mas não prejudica o desenvolvimento de características sexuais femininas. A maioria das pessoas com esta condição não são diagnosticadas até que não conseguem menstruar ou quando têm dificuldades para engravidar e descobrem que são estéreis. Ou seja, se uma pessoa não pretende ter filhos, ela pode nunca saber.


Existem relatos de que a “determinação sexual fenotípica” é, na maioria das vezes, decidida pelos próprios pais no nascimento. Cirurgias de redesignação sexual à escolha dos progenitores, em combinação com os médicos, são bem comuns. Por isso, muitas vezes o indivíduo nem sabe que é portador do que eu gosto de chamar de “diferenciação cromossômica”.


O que quero levantar com tudo isso é o seguinte: tenho visto, pelas redes sociais, muitos comentários ("haters", melhor dizendo) em posts de pessoas trans (identidade de gênero) criticando a escolha desse indivíduo ao optar por redesignação sexual, seja hormonal ou através de cirurgias, usando o fato de não poderem mudar os cromossomos (uma vez homem ou mulher cis, sempre cis*).


Veja bem, não pretendo de forma alguma misturar intersexualidade com identidade de gênero, mas esse tipo de pensamento nos faz refletir sobre o quanto as pessoas são desinformadas e na maioria das vezes, utilizam dados biológicos equivocados como bengala para justificar seus preconceitos.


Qualquer ser humano pode ser intersexo e nunca saber disso.


A diversidade existe, seja ela cromossômica, de gênero ou sexual. A partir dessas informações, devemos refletir sobre como a natureza é incrível e que há espaço para todos viverem de maneira digna, sem interferências de outrem.


*cisgeneridade: em estudos de gênero, é a condição da pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento.






Daniela "Chimp" Dias: é professora de biologia e ciências, amante de etologia e evolução, principalmente de primatas. É mestra em Avaliação de Impactos Ambientais (Manejo e Conservação da Biodiversidade). Se amarra em tudo relacionado ao terror/horror e serial killers. Curte uns metal e sua banda favorita é o Pantera. 









Fontes:

Richard Goldschmidt, M.D. (Berl.), INTERSEXUALITY AND THE ENDOCRINE ASPECT OF SEX, Endocrinology, Volume 1, Issue 4, 1 October 1917, Pages 433–456, https://doi.org/10.1210/endo-1-4-433https://isna.org/


Schilt K, Westbrook L. Doing Gender, Doing Heteronormativity: “Gender Normals,” Transgender People, and the Social Maintenance of Heterosexuality. Gender & Society. 2009;23(4):440-464.doi:10.1177/0891243209340034 https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S1521690X0600087X


Charmian A. Quigley, Alessandra de Bellis, Keith B. Marschke, Mostafa K. El- Awady, Elizabeth M. Wilson, Frank S. French, Androgen Receptor Defects: Historical, Clinical, and Molecular Perspectives, Endocrine Reviews, Volume 16, Issue 3, 1 June 1995, Pages 271–321, https://doi.org/10.1210/edrv-16-3- 271


Hawkins JR, Koopman P, Berta P. Testis-determining factor and Y-linked sex reversal. Current Opinion in Genetics & Development. 1991 Jun;1(1):30-33. DOI: 10.1016/0959-437x(91)80037-m. Intersex Society of North America https://isna.org/ Free & Equal https://www.unfe.org/wp-content/uploads/2017/05/UNFE- Intersex.pdf


Fausto-Sterling, Anne (2000). Sexing the Body: Gender Politics and the Construction of Sexuality. New York: Basic Books. ISBN 0-465-07713-7.


SANTOS, Moara de Medeiros Rocha; ARAUJO, Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de. Desenvolvimento da identidade de gênero em casos de intersexualidade: contribuições da Psicologia. 2006. 246 f. Tese de doutorado em psicologia. Universidade de Brasília, Brasília, 2006.https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/6315/1/2006_Moara%20de%20Medeiros%20Rocha%20Santos.pdf

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