Olá! Como vão todos? Como vocês sabem, eu tenho uma maneira peculiar de colecionar música e me manter fiel aos tempos. Faço playlists no Spotify. Escolho orquestra tal, pego todas as suas gravações que me interessam (o que exclui ópera, umas 4 sinfonias de Mahler etc.) e organizo, com os compositores mais antigos em cima e os mais modernos, em baixo. Tem toda uma emoção: primeiro, Suítes de Balé ou outras suítes, depois, Aberturas ou Poemas Sinfônicos, então Sinfonias e, por fim, Concertos.
Foi com isso que pude me aprofundar na música de um dos compositores de que mais gosto no Brasil. Claudio Santoro (1919-1989). Tanto a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, quanto a Orquestra Filarmônica de Goiás, gravaram de maneira impecável muitas de suas sinfonias, poemas sinfônicos e concertos.
Aliás, não sei se já falei aqui, mas o Brasil tem, agora, mais duas orquestras de qualidade quase igual à da Orquestra Sinfônica Estadual de São Paulo: a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e a Orquestra Filarmônica de Goiás. Que brote uma Filarmônica do Ceará, também.
Pois bem. Já faz um tempo, me deparei com o Concerto para Violoncelo de Claudio Santoro tocado pela Filarmônica de Goiás, regida por Neil Thomson, e a violoncelista Marina Martins. Pesquisei o nome dela (como se o Spotify fosse um Twitter, ela, ou alguém, colocou marinamartins) e não havia mais nada.
De modo que esta postagem vai se basear em duas coisas: o site oficial de Marina e a própria gravação do concerto.
Biografiazinha
Ela é muito nova. Nasceu em 1999, na Nova Zelândia, filha de Brasileiros. Aos 5 anos, voltaram para cá. Ela começou a estudar violoncelo aos 3 anos e, aos 16, se deu sua estreia mundial como solista em Bristol, Inglaterra.
O seu violoncelo Guarneri 'Filius Andreae' (de 1700, concedido como empréstimo por colecionador escocês) acoplado a ela, a levou em busca de instrução musical e técnica em diversos países. Mora, hoje, na Basileia, Suíça, onde estuda sob orientação de Danjulo Ishizaka na Musik Akademie Basel.
Ela é uma entusiasta de música de câmara e já tocou com o spalla da Filarmônica de Londres, o primeiro clarinetista da Filarmônica de Berlim...
Marina é um fenômeno. Já já a gente vai ver reportagem sobre ela no Fantástico, o Show da Vida.
O Concerto de Claudio Santoro
Claudio Santoro também impressionava ao piano e ao violino. Nascido em Manaus, seu talento foi logo reconhecido e ele foi enviado ao Rio de Janeiro pelo governo do Amazonas. Aos 18 anos já era professor adjunto de violino no Conservatório de Música do Rio de Janeiro.
Estudou composição com o radical modernista Hans-Joachim Koellheutter, logo passando a compor música dodecafônica. A música de Claudio não é fácil de ser escutada, mas é extremamente prazerosa. O Concerto para Violoncelo não é uma obra dodecafônica.
Em 1948, foi a Paris estudar com maior pedagoga musical de que se tem notícia e, também, compositora, Nadia Boulanger. Foi premiado em Boston, EUA, na Academia Lili Boulanger, prêmio que tinha entre os jurados Igor Stravinsky.
O Concerto para Violoncelo e Orquestra foi composto em Berlim, em 1961. Tem três movimentos e dura entre 30 e 32 minutos.
I. Moderato-improvisando-cadencia-allegro
II. Lento
III. Allegro deciso ma molto expressivo
A interpretação de Marina
Marina Martins é uma das maiores violoncelistas que eu já ouvi. O som do violoncelista pode se situar em uma das três características a seguir: aveludado (para o cúmulo do aveludado, escute Lynn Harrell), rouco (Marina tem um som extremamente rouco) ou entre os dois.
Outro critério para se avaliar instrumentistas é o bom gosto (Marina já ultrapassou com aparente facilidade as questões de afinação). Em que consiste? Bom, hoje mesmo eu estava fazendo a minha playlist da Orquestra de Filadélfia e me deparei com duas gravações do Concerto para Violino de Jean Sibelius, um dos mais belos do repertório. Em todo o Spotify há duas gravações com esta orquestra e o maestro Eugene Ormandy. O que muda são os solistas: David Oistrack e Isaac Stern. Vocês tem que comparar, ouvir, mesmo que apenas o primeiro minuto do primeiro movimento.
Os dois são excelentes violinistas do século XX, mas essa peça não é para Isaac Stern. Ele toca de maneira ríspida, quase grosseira. É uma peça feminina (a maior interpretação é a de Lisa Batiashvili com uma orquestra que ficou incógnita, regida por Sakari Oramo - é transcendental). O experiente Oistrack tirou de letra, sem demonstrar virtuosismo gratuito e tocando com uma delicadeza maravilhosa. Entendem? O instrumentista tem que saber ser ouvido, mas sem encobrir a orqurestra. Ele tem que se engajar na proposta da obra! E Marina Martins parece já ter nascido sabendo de tudo isso.
A sua entrada, no concerto de Claudio Santoro, demora, acontece depois dos 5m30s da gravação. A obra tem um caráter soturno, de modo que quando ela entra, está totalmente imersa na música e sabe que o ouvinte também está. Por isso, não pode sair dessa atmosfera. Por exemplo: não pode apressar uma frase sequer, não pode perder o controle do som, precisa dosar muito bem os rubatos. Tudo isso é coisa de músico muitíssimo experiente. Eu não sabia quem era o solista, quando comecei a escutar. Mas logo fui tomado pela necessidade de saber quem era aquele mestre. O tal do marinamartins.
O site dela tem uma sessão voltada a críticas derretidamente elogiosas a ela (normal, todo músico tem que fazer isso no seu portfólio). Vou reproduzir algumas.
“Eu ouvi uma extraordinária jovem violoncelista durante o fim de semana, Marina Martins. Fiz parte da banca julgadora das audições de jovens solistas do Festival Two Moors. Marina tocou o primeiro movimento da Sonata Arpeggione e a Marcha da Sonata de Britten. Que talento extraordinário! Fiquei literalmente sem palavras.
...ela é realmente muito especial. Além de todas suas qualidades como música e violoncelista, Marina tem uma presença de palco espontânea, marcante e envolvente, e parece ter uma rara combinação de uma inteligência incomum e uma capacidade de se conectar instintivamente com a música. Uma coisa é certa, ela vai longe...”
Gaetan Le Divelec
Askonas Holt
The Moors Festival, 2015
“Grandes músicos são assim: para além da disciplina cultivada, daqueles anos e anos de desenvolvimento técnico, mantêm uma naturalidade que parece vir de dentro da própria música. Ao mesmo tempo, têm algo de só seu, original e inconfundível. Marina Martins toca como Marina Martins da primeira à última nota, seja em que repertório for. Combina intensidade com discrição; e parece fazer tudo sobre um fundo de serena alegria, de um modo que agora fica associado a ela mesma. Com apenas 20 anos, já é uma das grandes solistas brasileiras. Pode-se bem imaginar o quanto ainda há de fazer na música, para nossa grande sorte.”
Arthur Nestrovski
Diretor Artístico da OSESP
“Marina Martins é uma jovem violoncelista para se observar. Em tenra idade, ela já toca com sofisticação, intensidade emocional e domínio técnico. Uma estrela em ascensão no horizonte internacional!”
Mark Churchill
Consultor Sênior da Orquestra Sinfônica de Boston
Não falei? Marina Martins, brasileira, neozelandesa, 25 anos, é um fenômeno.
Comente sempre!
Agradeço-os pela visita, sintam-se em casa, aqui.
Aqui, os links para as matérias da Araras Neon.
Comments