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  • Foto do escritorBel Melo

Cartagena das cores



Cartagena é amarela. Amarela como minha mala de mão e 80% das minhas roupas. Amarela na Torre do Relógio, nas roupas das palenqueras, nas paredes de muitas casas da cidade amuralhada. Amarela na luz intensa e quente do sol que a tudo ilumina.


Cartagena é azul. Azul do céu de um verão que já se despede, do mar do Caribe (em que não pude me banhar) e novamente na roupa das palenqueras, negras, que num parentesco diaspórico lembram as baianas de uma outra cidade que um dia também foi murada.


Cartagena é preta, negra, nas mulheres que vendem as frutas e sua própria imagem nas fotos, a cada esquina, nos garçons, nos ambulantes que me gritam "Hola Chica", "beautiful lady", "my color"... 


Negra nas comidas caribenhas, nas pinturas, nas vitrines, nos turbantes, assim como também é indígena, nas mesmas vitrines, nos muitos rostos nas calçadas, caminhando, vendendo, vivendo.







Só que não existe luz intensa que não traga também sombras densas, e elas estão aqui. Na dureza de um Museu da Inquisição que rememora o Santo Ofício que, com seu medo do diferente, aterrorizou e vitimou mais de 4.000 pessoas - bruxas, erveiras, hereges, sodomitas, judeus, muçulmanos... A partir de uma pureza duvidosa, posta em causa apenas observando o mourisco presente nas construções espanholas.


A Inquisição, a Reconquista, a escravidão, como o contracampo sombrio do horror que habitou e ainda escorre por esse chão que desavisada e alegremente pisamos hoje.

A sorte nossa é que casa sorriso, cada corpo que se colore por esse amarelo e azul é um Palenque cotidiano, e que o calor do sol, o frescor das águas e o poder das folhas é sempre maior.

Cartagena amarela, preta e azul, tão real e tão fantástica que se inscreve na pele pelo sal e suor dos dias.

Tudo é outra coisa depois dela.

 

Bel Melo

Chegou ao cinema pelos caminhos dos afetos e da História. É Professora da UNEB, doutora em Meios e Processos Audiovisuais e pesquisadora de história do cinema. Já escreveu livro, plantou árvore, mas não tem filho. Gosta de uns filmes esquisitos, de livro impresso, ama abraço gostoso, olhar no olho, cozinhar, ouvir muita música, e às vezes vira modela pras migas artistas.

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