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  • Foto do escritorRafael Torres

Beethoven - A 10ª Sinfonia - Completada por Inteligência Artificial

Atualizado: 21 de out. de 2021

Quando eu era pequeno, vi na televisão um meninozinho, provavelmente de algum projeto de música para crianças carentes, tocando violino. No final o repórter perguntou, naturalmente, qual era aquela música. "Ode à Alegria, quem canta é o Beethoven", respondeu na lata. Um aluno meu me pediu uma vez pra aprender "Ódio e Alegria", que eu acho que é a mesma.


Ludwig van Beethoven em 1824, por Johann Stephan Decker.
Ludwig van Beethoven em 1824, por Johann Stephan Decker.

O fato é que a e última sinfonia de Ludwig van Beethoven é um sucesso. Ela tem esse nome "Ode à Alegria" porque seu último movimento conta com um coral enorme, além de solistas (uma soprano, uma contralto, um tenor e um baixo) (além da orquestra) cantando um poema de Friedrich Schiller de mesmo nome. Foi terminada em 1824 e estreada em setembro do mesmo ano. É seu Op. 125. Foi a primeira sinfonia com vozes.


Beethoven já estava totalmente surdo. O que não o impediu de reger a premiére. Inclusive, de continuar regendo quando a música já tinha acabado. O público delirou com a música desde esta estreia. Era claro que Beethoven queria que fosse sua última sinfonia. Caso contrário teria ele mesmo escrito a seguinte. Na verdade, ele dedicou seus últimos anos a escrever quartetos de cordas e dormir.


Existe a possibilidade de que ele tenha querido compor uma 10ª em algum ponto. Porque existem esboços de um 1º movimento. Mas ele não levou adiante. Esses são os fatos.


Acontece que, em 2019, uns musicólogos e uma inteligência artificial alegaram ter "completado" a obra. É o projeto "Beethoven X".

A décima foi estreada em Bonn, cidade natal do compositor, em outubro de 2021. Fez-se um estardalhaço, todo mundo só fala disso, mas algumas coisas têm que ser ditas. O projeto em si é interessante, e a idéia de deixar uma inteligência artificial fazer o trabalho torna a coisa ainda mais instigante. E ainda tira a responsabilidade de cima dos musicólogos. Mas a peça não deve ser levada a sério, como se fosse mesmo uma imagem do que o próprio Beethoven teria escrito.


Como disse o crítico musical David Hurwitz em seu canal do YouTube, Beethoven estava sempre se renovando. Cada sinfonia era diferente da anterior. Então é impossível alguém, ou mesmo um computador, prever o que ele faria a seguir. Ou seja, em vez de dar um passo à frente, eles deram um passo de lado.


Ouvindo a obra, constato que isso é verdade: não parece Beethoven, parece um imitador de Beethoven que se baseou no que o compositor havia escrito antes. Capturaram bem seu estilo maduro (a chamada 3ª fase) e aplicaram tudo que se conhece de esboço e de procedimentos orquestrais dele. Além, claro, dos procedimentos musicais. Mas é esquisito. O último movimento, ainda que interessante, é meio bizarro. Aliás, é bem bonito, com uma introdução misteriosa (começa aos 8m50s, no vídeo abaixo). Tem órgão. Mas a mim lembra mais Hans Zimmer do que Ludwig.


Claro que um projeto como esse tem tudo para ser criticado, porque cada pessoa que ama Beethoven é uma especialista em Beethoven. E cada especialista tem sua opinião. O fato é que a única coisa que a gente pode ter certeza é que, caso ele tivesse composto a décima, soaria como qualquer coisa, menos com isso. Como foi uma inteligência artificial que compôs, ela acabou escrevendo a música impossível. Veja, o computador teve que lidar com bilhões de informações, simular milhares de escolhas e ainda tentar imitá-lo. É impossível dizer que Beethoven tomaria as mesmas decisões. Na verdade é muito mais fácil afirmar que ele não faria igual.


Não estou xingando o PC, veja bem. É um exercício válido e um orgulho para todas as inteligências artificiais. Só não dá pra gente se empolgar e achar que é a 10ª de Beethoven. Não condeno a iniciativa, desde que se deixe bem claro o que é Beethoven ali.


Aliás, não é a primeira vez que tentam isso. Em 1989 o musicólogo Barry Cooper fez uma 10ª de Beethoven pra chamar de sua. Foi até gravada, com um áudio falado por ele. Ele deixa claro que "Beethoven estava completamente inocente" dessa ideia de 10ª sinfonia. Mas que o compositor se referiu a essa obra em cartas, de forma não muito definitiva. Existem hoje esboços para 1 e apenas 1 movimento. Nenhum fragmento tem mais do que 30 compassos contínuos. E nem sinal da orquestração, está tudo escrito para piano. Ele mesmo, Barry Cooper, nos dá um veredicto: "afinal, se nem Beethoven quis completar a obra, seria idiotice outra pessoa fazê-lo". Tiro no pé, afinal ele mesmo tentou. Argumentava que dava para fazer pelo menos o 1º movimento juntando os caquinhos que o mestre tinha deixado; e que a prática de outros compositores finalizarem obras dos mestres era comum (existe uma 10ª de Mahler, também completada por universitários).


Mas no final temos isso: duas tentativas, duas ilusões. Interessantes, porque cada pessoa que tenta imitar Beethoven contribui para essa fantasia. Mas é só. Fantasia.


Para ouvir o esforço bem intencionado e até agradável do Barry Cooper, acesse o seguinte link, com a Orquestra Sinfônica de Londres sob a regência de Wyn Morris:



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