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  • Foto do escritorAndré Luís Sales

A militância mata a política

Atualizado: 11 de mai. de 2021



A militância, mesmo quando exercida no contexto das lutas pelo poder, é exatamente o oposto do que poderíamos conceber como uma autêntica participação política (Luis Cláudio Figueirêdo, 1993).

Eu me senti muito feliz quando li esse pedaço de texto em 2015. Gosto de pensar que o autor também estava incomodado com comportamentos daqueles que se vêem como grandes defensores da justiça social e outras causas nobres. É curioso ver as pessoas ainda chocadas em 2021 ao descobrirem no horário nobre da tv que militantes bem intencionados podem agir com muita violência e ser tão opressores quanto aquilo, e aqueles, a que dizem combater.

Quem já frequentou meios revolucionários sabe que a receita para um bom militante leva duas xícaras de obediência, um tablete e meio da convicção de estar do lado certo da História, doze litros de suor temperados com a ideia de que os fins justiticam os meios e seis colheres de sopa de sacrifícios pessoais.

Nos tempos em que Luís Cláudio frequentava a PUC/SP, reconhecer tais ingredientes significava ter se rendido aos encantos do inimigo. Era sinônimo de ter sido corrompido pelo discurso do poder e de trair os oprimidos. Na era do "curto logo existo", duvidar da retidão de um militante é colocar-se como alvo da artilharia canceladora do exército ao qual pertence o sujeito que foi alvo de crítica.


Vera Iaconelli, em um diálogo com as ideias do pai da Psicanálise, nos convida a reconhecer a tendência militante a agir em bloco e "atropelar a voz de cada um em nome de um bem comum". Ela insiste que se não pensarmos um pouco sobre a distância entre aquilo que dizemos e aquilo que fazemos, iremos repetir a "roleta do cancelamento, só modificando os personagens". Para ajudar na tarefa proposta por Vera, é fundamental enteder o que é militância e porque ela é o oposto da participação política.


Política é um modo, um jeito, um método, de lidar com as diferenças existentes na vida pública. Ela é a forma que escolhemos para tentar negociar como atender às necessidades singulares e coletivas. Participar da política é usar esse método para falar e ouvir. Militância é uma ação organizada e intencional, uma estratégia, para agir em conjunto com vistas a suprimir as diferenças em nome de um bem maior para todos. Militar é usar essa estratégia a fim de convencer, ou vencer, aquele que fala algo diferente. Militantes são aqueles que usam essa estratégia.


A pluralidade de posições é condição para participação política. A estratégia militante trabalha para domesticação das múltiplas vozes pela voz correta, necessária e revolucionária (Lumena, é você). Resultado: quando aplicada a contento, a estratégia militante faz uma voz se impor sobre as outras, destroi as condições para participação política e transforma lugares de Fale em espaços de Cale-se.


 

André Luís Sales


Arquiteto de histórias improváveis. Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia. Pesquisador Assoaciado ao Núcleo de Estudos em Psicologia Política e Movimentos Sociais da PUC/SP e ao Programa de Educação Urbana da Universidade da Cidade de Nova Iorque. Entusiasta das Políticas Públicas e cético quanto a possibilidade de usar a máquina estatal para erguer projetos civilizatórios sustentáveis. Apaixonado por histórias, pesquisas e ensino.


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