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  • Foto do escritorAmanda Leite

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE


Rocinha. Imagem de João Lima.

Quando pensamos em moradia, o que surge em nossa mente imediatamente? Pensamos em nossas casas, certo? É tão óbvio e de certa forma até natural que a gente pense no nosso lar. Por mais natural que seja imaginar um cidadão vivendo em sua casa, essa realidade não é tão comum assim para grande parte da população brasileira.


Existe um conceito adotado pela nossa Constituição Federal que tenta suprimir a desigualdade social e garantir moradia para todos, se chama função social da propriedade. Contemplada pela primeira vez no Brasil na Constituição de 1934, a função social é uma condição do direito de propriedade. Na verdade, ela limita o direito de propriedade em detrimento do bem-estar social e coletivo.


Sendo assim, a função social da propriedade determina que a propriedade urbana ou rural deve, além de servir aos interesses do proprietário, atender às necessidades e interesses da coletividade. Somos um corpo social e isso quer dizer que devemos sempre pensar no bem-estar coletivo. Por isso, o direito de propriedade é um direito limitado e não absoluto, como muitas pessoas pensam.


O Artigo 5° da Constituição Federal de 1988, traz, logo após a garantia do direito de propriedade, um inciso que limita esse direito:


“XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;”


O princípio básico da função social é de que não é favorável para a sociedade ter propriedades de terra sem utilidade alguma. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e estima-se que, hoje, cerca de 40 mil pessoas vivam nas ruas.


O estudo "Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil" utilizou dados de 2019, que conta com informações das secretarias municipais e do Cadastro Único do governo federal. A análise constatou que a maioria dos moradores de rua (81,5%) está em municípios com mais de 100 mil habitantes, principalmente das regiões Sudeste (56,2%), Nordeste (17,2%) e Sul (15,1%). Por isso, é de suma importância que a gente debata com mais frequência e dedicação o direito à moradia e crie mecanismos para que diversas terras e prédios, que não cumprem sua função social, possam atender a esse direito básico do cidadão.


A função social das propriedades urbanas é definida no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor de cada município. No caso de não cumprimento da função social, o município pode aplicar sanções ao proprietário e, se necessária, a desapropriação.


No caso das propriedades rurais, a função social é estabelecida no Estatuto da Terra, que é uma lei federal. De acordo com essa legislação, a propriedade cumpre sua função social quando é explorada de forma sustentável, utiliza adequadamente os recursos naturais e respeita a legislação trabalhista. No caso de não cumprimento destes critérios, o governo federal pode efetuar a desapropriação e redistribuir a terra para fins de reforma agrária.


Existe legislação a respeito, mas o que se observa é uma grande dificuldade de se aplicar esse direito em situações práticas. Por que isso acontece? Porque ainda temos introjetado em nosso Direito Civil uma proteção exacerbada ao direito de propriedade. Embora a Constituição Federal flexibilize a propriedade privada em detrimento dos interesses coletivos, a legislação cível, apesar de ter passado por várias revisões e alterações durante os últimos anos, ainda é rígida, além de servir de uma maneira geral a interesses de pessoas que detêm várias posses e boa situação financeira.


Todavia, caminhamos progressivamente para um colapso ambiental e uma super lotação de centros urbanos e, atualmente, dentro de um contexto de pandemia mundial. Se não repensarmos as estratégias básicas de reforma agrária e planejamento urbano, muitas vidas serão perdidas e os direitos fundamentais não significarão mais nada.




AMANDA LEITE é advogada. Graduada pelo Centro Universitário Uniceub, de Brasília e pós-graduada pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios - FESMPDFT. Especialista em Criminologia e Direito Penal. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/DF e ativista de direitos humanos.

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