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Foto do escritorNílbio Thé

A arte do banal

Atualizado: 4 de out. de 2020

Em um cenário de grandes produções no universo das artes, alguns criadores preferem apostar na valorização do banal como forma de ampliar o diálogo com o público.



Uma vez, um sobrinho veio empolgado dizendo que queria fazer um videogame junto com um amigo. Deviam ter uns 14 anos. Quis estimulá-los, mas pouco tempo depois desistiram porque seria “muito complicado”. Perguntei sobre qual jogo eles gostariam de fazer. A resposta estava na ponta da língua: “igual ao GTA”, franquia de jogo de gângsters contemporâneos do estúdio Rockstar.


Jogos como GTA são chamados de AAA (ou triple A), o equivalente a um filme blockbuster caro, com anos de desenvolvimento e muita gente trabalhando. Para meu sobrinho, o universo de jogos indie era desconhecido. Fiquei pensando nisso e, por acaso, lembrei de uma matéria que havia lido sobre os “artistas plásticos do momento”.


A matéria perguntava se as artes plásticas contemporâneas eram reféns da super produção. Artistas como Matthew Barney e Damien Hirst tinham obras incrivelmente complexas, caras, difíceis de serem executadas, obras AAA, para usar o mesmo termo da indústria de jogos. Os pequenos artistas teriam vez em um mercado cada vez mais milionário e extravagante? Hirst ficou famoso por realizar o que seria a obra de arte mais cara do mundo: For the Love of God, com valor estimado de 14 milhões de dólares. Trata-se de uma caveira banhada em platina e cravejada de diamantes. Mas a questão é: ela é cara por sua ideia, sua técnica, sua aura, seu impacto estético ou apenas pelo material usado? Os Girassóis de Van Gogh, por exemplo, foi feito apenas com tinta e tela, e sua cotação no mercado de arte gira em torno de 200 milhões de dólares. O que valorizou mais?


Hirst não é meu artista predileto, mas sua obra é interessante. A despeito disso, objeto aqui chamar a atenção para a outra face da moeda de For the Love of God: a arte das insignificantes coisas do cotidiano.


A arte exagerada ou espalhafatosa sempre existiu. Alguns períodos históricos registram mais casos que outros, claro, mas Mahler, por exemplo, em pleno século XIX compunha para orquestras três vezes maiores que as de Beethoven, o que torna o esquema “um banquinho, um violão” de João Gilberto uma verdadeira revolução.


A arte de hoje mistura-se cada vez mais à nossa vida. Seja no grafitti, numa intervenção urbana, nos músicos de rua de várias cidades no mundo ou numa performance. Sim, a performance é a arte do cotidiano por excelência. Renato Cohen, em seu livro Perfomance como Linguagem, comenta justamente que a linguagem da performance é uma estetização de algo não estético. Um mictório num museu, ou alguém escovando os dentes num lugar não usual, ou quem sabe um jogo sobre seus pesadelos de infância (The Binding of Isaac).


Existem exemplos ainda mais “banais” nos quadrinhos. Angeli, que se fez protagonista na série de tirinhas "Angeli em crise"; Laerte, que ganhou novo público para suas tirinhas quando passou a abordar temas ligados ao universo trans; Harvey Pekar, que falava de seu dia a dia em suas graphic novels... Se antes o banal tinha presença apenas nas crônicas de escritores, como Stanislaw Ponte Preta ou Luís Fernando Veríssimo, hoje é o combustível de gente como o premiado cineasta sul-coreano Hong Sang-Soo. Sem querer parecer minimalista, repetindo que “menos é mais”, exercer a criatividade com o pouco que se tem à mão é a forma mais contemporânea de se chegar ao sucesso.

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