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  • Foto do escritorAdriano Caetano

A ARARA QUE BRILHA: SEMELHANÇAS E DISTANCIMANENTOS ENTRE A PANDEMIA DA COVID-19 E A EPIDEMIA DE AIDS

Atualizado: 17 de nov. de 2020


Devido aos meus anos de experiência na luta contra a AIDS, sei que respostas para epidemias como essa causada pela COVID-19 são construídas em conjunto por ativistas, pesquisadores e profissionais de saúde. Sendo assim, tenho olhado muito para a história da epidemia de Aids em busca de lições. Estou certo de que há nesse passado recente pistas importantes sobre como sobreviver a esses dias cinzas marcados por mortes maciças, histeria e medo.


Todas as vezes em que eu trago a comparação entre HIV e COVID-19, pelo menos alguém se apressa em me dizer: a pandemia não está afetando exclusivamente a população gay e trans como no caso da HIV. Se eu não o interrrompo, o ser humano segue e me informa orgulhoso que o COVID-19 não é um vírus fortemente associado a um grupo estigmatizado ou um conjunto de grupos estigmatizados, como era o caso do HIV no começo da epidemia. Relembro ao meu interlocutor que atualmente quem ainda é diagnosticado e morre de AIDS são negros, gays e as pessoas trans não brancas. Não é coincidência que seja essa a mesma população que está sendo mais afetada por COVID-19.


Tenho insistido que precisamos entender que muito da nossa resposta a qualquer vírus vem do medo. Um vírus expõe nossa mortalidade. E se o COVID-19 tem relembrado disso, a epidemia de AIDS não só fez a população gay e trans entender isso, como deixou um traço que persiste na cabeça de muitos de nós: a qualquer momento a nossa sexualidade poderia nos fazer ficar doentes e morrer.


Atualmente, tenho visto muita gente na internet expondo as pessoas que saem na rua, aqueles que têm encontrado seus entes queridos. Como um homem gay, vejo muitos homens gays julgando uns aos outros não somente por querer sair pra transar, mas também por estarem no Grindr. Deixe-me ser bem claro: nenhuma dessas práticas é boa do ponto de vista da saúde pessoal ou coletiva. Eu desencorajaria qualquer um a sair por uma razão não essencial e recomendaria as pessoas a acharem formas para explorar uma sexualidade saudável durante esse tempo: sexo por telefone, por vídeo, masturbação. A escolha aqui é do freguês.


Tenho visto muito material jornalístico discutindo sobre o que significará ter intimidade com alguém, e manter a nossa sanidade em um momento em que estamos sendo instruídos a manter distância uns dos outros. As pessoas têm escrito sobre festas sexuais digitais, como ter intimidade em tempos de distância, e como se masturbar quando você não tem o privilégio de uma porta fechada. Cada um de nós, especialmente as pessoas trans, pessoas não brancas e aqueles, como eu, na interseção, têm uma relação intensa e pessoal com a epidemia de AIDS. Cada um dos nossos traumas ligados a isso é singular, como nossas impressões digitais.


No Brasil, para além das questões de estigma e discriminação que afeta diretamente a população gay, trans e pessoas que vivem com HIV/Aids, também estamos enfrentando o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS), isso como uma forma sofisticada de executar a política de morte das populações negra, pobre e LGBTI+, através da total desassistência à saúde. Juntemos a isso os adoecimentos provocados pela falta de saneamento básico e os bolsões de pobreza cada vez mais frequentes devido ao aumento da desigualdade social. Estamos todos reaprendendo como se manter vivos e não permitir que a arara perca seu brilho neon, aqui quero trazer minha amiga e colega de luta, Dediane Souza, travesti, negra e nordestina: Hoje em dia e para algumas pessoas os espaços de socialibilidade LGBT foram vistos apenas como “guetos” de exclusão, mas, embora sejam resultado direto da LGBTfobia, são também espaços de acolhimento, de construção de relações de afinidade, solidariedade e organização de redes. Não se trata, aqui, de um coro à ideia homogeneizante de comunidade, mas de entendermos que as mudanças políticas necessárias, naquele tempo (final dos anos 80 e início dos anos 90) e hoje (final da primeira década do séc. 21), para este tempo demandarão olharmos de um modo diferente para o principal propulsor das lutas pelo fim do preconceito e da discriminação, a saber, as pessoas e suas aspirações por felicidade.





Adriano Caetano: filósofo de formação, mestre em sociologia e doutor em saúde coletiva, quase uma puta teórica! Ativista LGBTQI+ e da luta contra Aids, noia das lives, leitor voraz da literatura contemporânea, mais especificamente, escrita por mulheres porque os homens que lutem(!) 


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