Por Rafael Torres
Artigo repetido. Talvez vá até o 4⁰.
Divisões da Música da Renascença
A Música Renascentista costuma ser dividida em partes. A divisão mais comum a reparte por séculos, mas tem que ser em italiano: trecento (Séc. XIV), quattrocento (Séc. XV) e cinquecento (Séc. XVI). Mas não me apetecem, pois não explicam absolutamente nada. Até porque muitos compositores viveram nas viradas dos séculos. Portanto, decidi apresentar os compositores após o outro, sem divisão, sem período. No máximo, o começo e o resto. Que acham da minha transgressão?
Nesta seção, contarei a história da música a partir de seus compositores. Enquanto na Idade Média a música parecia evoluir à sua revelia, agora eles assumem o protagonismo.
O Início
O início se caracteriza pelo fato de que alguns dos compositores também eram ativos no final da Idade Média. Um deles é o inglês John Dunstaple, famoso, que havia sido crucial na Música Medieval. Outros incluem Johannes Ockeghem, Oswald von Wolkenstein, Gillles Binchois e Guillaume Du Fay.
A música, nessa época, ainda era marcada por formas antigas, como as Chansons (Rondeau, Ballade e Virelai), Antífonas, Motetos e outros, mas utilizando técnicas novas, como o acréscimo de vozes em intervalos de terça e sexta no Oganum (caso de Dunstaple) e o Fauxbourdon.
Dentre os outros compositores, Leonel Power era um veterano da Idade Média, como Dunstaple e, como Dunstaple, tinha ajudado a estruturar e formar a Escola da Borgonha; Oswald von Wolkensteit foi um dos mais importantes compositores da Primeira Renascença alemã e Gilles Binchois era um compositor Holandês, também da Escola da Borgonha, que propunha obras simples e claras.
A Escola de Borgonha foi uma união de compositores que punham em prática certos preceitos e conferiam o prevalecimento das Formes Fixes (Rondeau, Ballade e Virelai). A escola foi a primeira etapa na implantação da Escola Franco-Flamenga, que, esta sim, se disseminou por toda a Europa e tratou de fazer evoluir o contraponto e, também, o modelo de harmonia.
Abaixo, de Guillaume Du Fay, da Escola de Borgonha, o Moteto "Je Me Complains Piteusement", na interpretação do Grupo Gilles Binchois. As obras dos compsitores da Renascença podem durar mais de meia hora.
John Dunstaple (1390-1453)
Nascido na Inglaterra e ainda na Época Medieval, Dunstaple foi o compositor mais famoso de Europa, quando estava no auge de sua atividade. Sua obra é apenas vocal, polifônica e repleta de Isorrítmos (explicados adiante). Ele foi um dos pioneiros em utilizar, na escrita do Organum, os intervalos de terça e sexta. Antes eram quarta e sexta.
Era influente até mesmo no continente, sendo muito importante na criação da Escola da Borgonha. E era um dos principais defensores de um certo estilo que apelidaram de Contenance Angloise, o Maneirismo Inglês, (que ninguém sabe direito o que é, mas possivelmente se refere a) uma forma de escrever Música Polifônica com acordes bem cheios, utilizando seus intervalos favoritos, o de terça e o de sexta.
Era um homem de rigorosa e refinada educação, tendo, também, sido astrônomo e matemático. Sua obra consiste em Chansons, Motetos e Missas.
Entre suas obras principais estão os Motetos: Ave Regina Celorum, Descendi in Ortum Meum, Quam Pulchra Es, Sancta Maria, Speciosa Facta Es, Veni Sancte Spiritus.
Observe este Moteto a Três Vozes chamado "Quam Pulchra Es", interpretado pelo Hilliard Ensemble. Repare como as vozes já têm (ao contrário do que ocorria na Idade Média) sua independência. Uma linha vai se trançando na outra de forma sublime. Ah, e não fiquem confusos com o nome dele: aparece em várias grafias. As mais comuns: Dunstaple e Dunstable.
Guillaume Du Fay (1397-1474)
Se John Dunstaple era o compositor mais conhecido de sua época, Du Fay viria a se tornar um dos grandes nomes da história da música. E, se hoje, Dustaple é pouco conhecido, sendo apreciado principalmente por músicos e estudiosos, Du Fay (ou Dufay) continua sendo mais e mais apreciado desde que a música antiga voltou a aparecer em concertos (a partir dos anos 1950). Nascido na França, Du Fay era compositor e musicólogo. Foi uma das primeiras pessoas no mundo a poder se considerar apenas e simplesmente um compositor.
Recebeu sua educação na Velha Catedral de Cambrai e foi ordenado padre em Bolonha. Estabeleceu-se em Roma em 1428 como cantor no prestigiado Coro Papal. Em Roma ele escreveu vários Motetos. Retornou a ao Papa em 1434, que dessa vez estava fixado em Florença. Criativamente, passou a alternar entre a escrita de Motetos e grandes Missas Cíclicas. A participação no Coro do Papa o tornou conhecido em toda a Europa - travava-se da principal organização de execução de música da época. Quando o Papa Eugênio se estabeleceu com sua comitiva em Bolonha, Du Fay debandou novamente e foi formar-se em direito.
A partir de 1437, Du Fay conseguiu o apoio de um grande Mecenas, o Sr. Nicolò III, Marquês de Ferrara. Isso ainda seria útil. Até por que, anos depois, quando Nicolò III morreu, em 1441, Du Fay visitou a Casa de Este, que o pertencia, e ficou surpreso em saber que o próximo Marquês havia, não apenas, dado continuidade ao patrocínio como havia copiado e distribuído algumas de suas obras.
Du Fay morreu em 1774. Em seu velório foi executado o seu lendário Réquiem (um dos primeiros Réquiens do mundo), que agora está perdido. Ele deixou composições em todos os estilos comuns na época: Missas, Motetos, Magnificats, Hinos, Antífonas e, falando agora em Música Profana, Rondeux, Ballades e Virelais. Todas as suas obras são corais, algumas delas, com possibilidade de acréscimo de instrumentos.
Suas obras mais emblemáticas são: Rondeux e Ballades, as Missas Se La Face Ay Pale, L'homme Armé, Ecce Ancilla Domini, Ave Regina Celorum; e vários Magnificats e vários Motetos, como Ave Maris Stella, Apostolo Glorioso, Flors Florum, Nuper Rosarum Flores, Aurea Luce, Vasilissa Ergo Gaude, Virgo Virga Virens, dentre tantos outros.
Fique com o sensacional Moteto "Nuper Rosarum Flores", de Guillaume Du Fay, que em sua época foi interpretado por 120 músicos. Aqui, a interpretação é do Cantica Symphonia. É uma peça relativamente comprida, mas eu sugiro que ouça, pois temos uma peça de grande porte, com instrumentos, muito bem escrita e interpretada.
Johannes Ockeghem (1419-1497)
Nascido na atual Bélgica e conhecido por ter escrito o mais antigo Réquiem que chegou a nós, Ockeghem foi uma necessária influência musical entre as vidas de Guillaume Du Fay e Josquin des Prez.
Talvez você não perceba, mas quando eu digo que um compositor é importante, é porque ele já passou por umas duas triagens, aqui na minha cabeça. Esses de que eu escrevo aqui, são os mais importantes diante de uma lista enorme.
Perceba a dimensão da lista de compositores da Renascença. A da Idade Média era igual. Quando eu seleciono um para falar, é sabendo que estou omitindo dezenas. Mas que, pelo menos, selecionei os mais importantes. Por sinal, nesta sessão vou falar um pouco de outro músico, que era amigo de Ockeghem, o compositor, cantor e poeta francês Antoine Busnois (1430-1492)
Então, Johannes Ockeghem. Ele foi um dos compositores, junto a Busnois, da Escola Franco-Flamenga, assim como havia sido Guillaume Du Fay. Essa escola se caracterizava pela produção de Motetos a 4 vozes (o normal sendo três), de textura bem grave, bem como pela igualdade entre essas vozes (não havia uma principal).
Em uma boa parte de suas Missas ele fazia uso do Cantus Firmus (uma melodia preexistente que servia de base para a criação de outras vozes de uma composição polifônica). Busnois também usava essa técnica nas suas Missas. Nos dois, as vozes faziam várias variações rítmicas, como foma de manter o interesse.
As maiores contribuições técnicas de Ockenghem para a música foram a Missa Prolationum, que utiliza apenas Cânons de Medição *. E a Missa Cuiusvis Toni, que vai variando os Modos (escalas) que utiliza ao longo da execução.
* Em um Cânon normal, uma voz principal começa a cantar e vai sendo progressivamente imitada com exatidão pelas outras vozes. No Cânon de Medição, as vozes seguem a primeira, mas com diversas variações rítmicas, cada uma.
As obras mais importantes de Antoine Busnois são: a primeira Missa L'homme Armé de verdadeira influência, a Missa O crux lignum triumphale, os Motetos In Hidraulis Quondam Pythagora, Anima Mea Liquefacta Est, Bel Acueil Le Sergent d'Amours, o Madrigal Fortuna Desperata e dezenas de Chansons, como Accordes Moy, Advegne Que Venir Pourra, Amours, Amours, Amours Nous Traite, Au Pauvre Par Nessecité, Bonne Chére e L'autrier Que Passa.
Ja as obras mais importantes de Johannes Ockeghem são: a Missa Prolationum, a Missa Cuiusvis Toni, a Missa 'Mi-Mi', as Chansons Flors Seulement, Ma Bouche Rit, L'autre d'Antan, Ma Maistresse, Prenez Sur Moi, um Salve Regina, um Ave Maria, o Motet-Chanson Mort tu as navré e o Réquiem.
Como exemplo, ofereço esse Cânon a 36 Vozes (!), um "Deo Gratias a 36", interpretado pelo Huelgas Ensemble. É um Cânon (as vozes vão entrando e se acumulando) a 36 vozes, ou seja, existem 36 linhas melódicas nesta minúscula obra.
Josquin des Prez (1455-1521)
Josquin "montou" seu estilo em cima dos de Guillaume Du Fay e Johannes Ockegheim. Ele era francês e pertencia (adivinha) à Escola Franco-Flamenga de música. Era reputado como O Maior Compositor da Europa, em vida.
Josquin deixou completamente para trás a música homofônica Medieval e foi abrindo novas veredas. Foi (além de tudo) o compositor mais influente de contraponto na Renascença. No Barroco (Séc. XVIII), seria superado (não encontrei palavra melhor, de modo que "superado" vai ter que funcionar) nesse quesito por Johann Sebastian Bach. Eles usam o contraponto de maneiras diferentes.
Josquin não era partidário do canto melismático (você canta notas e mais notas, mas a letra permanece na mesma sílaba, ela não avança) que era característico da Renascença (e que "vazaria", depois, para a Ópera) e acabou adotando um estilo próprio, com frases curtas e repetidas.
Foi funcionário de três Papas: Inocêncio VIII, Alexandre VI e Luís XII. Também foi empregado do Duque Hércules I do Leste. Grande parte de suas obras foram publicadas pelo impressor italiano Ottaviano Petrucci (que hoje dá nome a um site que distribui a partitura de milhares de obras e compositores, com um acervo monstruoso). Petrucci sempre inseria obras de Josquin em antologias, além de fazer uma antologia só sua. É considerado o primeiro compositor a permanecer influente mesmo após a morte.
Mas voltando ao seu estilo: ele utilizava o Cantus Firmus e, nos Motetos, começou a se aproximar do tonalismo* (a música vigente era e sempre havia sido modal), fazendo uma verdadeira revolução nos Motetos. Na Música Modal há os Modos da Igreja que nada mais são do que escalas distintas. São 8 escalas, cada uma com uma combinação de notas diferente.
*Tonalismo não é uma maneira de organizar a oitava da mesma forma que o Temperamento Igual. Ele também a divide, mas utilizando as notas que o Temperamento Igual, digamos, decidiu que existiam. Este, disse que dividiríamos a oitava em doze intervalos de um semitom. Tonalismo pega Sete dessas notas e as aplica. Porque não existem apenas as naturais: Dó, Ré, Mi etc. Tem o Dó Sustenido (ou Ré Bemol); o Lá Sustenido (ou Si Bemol) etc. São doze. Mas Tonalismo é usar apenas as sete. Espera! Mas as contraltos não cantam esse Mi, aqui. Então, em vez de começar em Dó, comecemos em Lá. Dessa forma, o Mi (a terça do Dó), vira um Dó (a terça do Lá). Errado. Mi fica a 4 semitons de Dó. E Dó, a três semitons de Lá. Tem que mudar tudo para que os intervalos fiquem iguais a quando era em Dó. Resumindo absurdamente, em Lá Maior, temos que usar o Dó Sustenido, que, na verdade, só tem esse nome por conveniência. É uma nota preta, que fica entre o Dó e o Ré, no piano (e, claro, consta no restante dos instrumentos).
Você pode até tocar de Mi a Mi (ou de Lá a Lá) apenas com as teclas brancas. Mas, aí, já não é uma escala maior, nem menor, as mais usadas. É um Modo. Ele usa o nome de Modo Grego, quando quer ser "matador".
Tudo bem, de fato, são escalas, geralmente, e derivadas das maiores e menores. Porque o que define isso é a terça. Se você conta cinco intervalos entre o Dó e o Mi, é uma terça maior. Mas, repare, entre o Ré e o Fá, só temos 4 intervalos. Uma terça menor. Estes dois intervalos ocorrem em qualquer escala, alternando-se. Mas, se eles formam o primeiro intervalo de terça, eles vão definir se, no final das contas, a escala (ou o Modo) é maior ou menor. Os Modos são:
Jônio (Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Dó - Chamado, mesmo, de Escala Maior);
Dórico (Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Dó, Ré) - Um pouco diferente das escalas menores mais usadas, que costumam ter o sexto grau diminuído);
Hipodórico (Lá, Si, Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá - A Escala Menor Natural - Perceba, o sexto grau dessa escala é o Fá. Se quiséssemos um Lá Dórico, este Fá teria que ser um Fá Sustenido);
Frígio (Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Dó, Ré, Mi);
Hipofrígio (Si, Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si);
Lídio (Fá, Sol, Lá, Si, Dó, Ré, Mi, Fá);
Mixolídio (Sol, Lá, Si, Dó, Ré, Mi, Fá, Sol);
Hipomixolídio (Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Dó, Ré).
A Música Modal é utilizada ainda hoje, mas de outros jeitos, as escalas são vagamente diferentes e algumas têm outros nomes. Agora, deixe-me explicar: vê o Dórico, ali? E o Hipomixolídio? São iguais. Mas o fato é que eles têm uma diferença crucial: todos os modos cujo nome começa em Hipo, recebem um tratamento harmônico diferente, que herdam daqueles com o mesmo nome, mas sem o "hipo". Outra coisa. Não há sustenidos e bemóis? Há, nas transposições das escalas. Elas são apresentadas de modo a mostrar apenas seu modo natural.
Sobre Josquin, suas obras principais são as Missas Missa ad Fugam, Missa de Beata Vergine, Missa Gaudeamus, Missa Lá Sol Fá Ré Mi, Missa Pange Lingua e outras; Motetos Ave Maria, Ave Maria Virgo Serena, Inviolata, Integra Et Casta Es Maria e Miserere; e as Chansons Seculares Adieu Mes Amours, El Grillo e La Déploration de Johannes Ockeghem, uma Chanson Fúnebre em lamentação à morte de Johannes Ockeghem.
Apresento abaixo a Chanson linda de morrer "Mille Regretz", interpretada magistralmente pelo grupo Profeti Della Quinta.
Vai ter que ter a parte 3 da parte II. Coloco já. Grato.
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